Desistência de avaliar alfabetização surpreendeu até integrantes do MEC
Medida do ministério contraria metas de gestão de Bolsonaro e Base Curricular Comum
Estadão Conteúdo
Publicado em 25 de março de 2019 às 16h53.
A desistência de avaliar a alfabetização das crianças é um retrato do descompasso interno no Ministério da Educação (MEC). A publicação da portaria pegou de surpresa até integrantes da pasta que trabalham na área de educação básica, segundo a reportagem apurou.
Especialistas que fazem parte do Conselho Nacional de Educação (CNE) e secretários de educação também não tinham sido avisados da mudança. Pelo contrário, o MEC vinha garantindo que manteria a avaliação da mesma forma que havia sido proposta no ano anterior em encontros recentes.
"É um retrocesso, uma triste notícia", diz a secretária de educação do Ceará, Eliana Estrela. O Estado criou uma avaliação da alfabetização em 2007, com adesão dos municípios, e se tornou referência na área no País. Segundo ela, sem avaliar não é possível saber se as crianças estão aprendendo a ler e escrever na idade certa, quantas já foram alfabetizadas, onde deve haver um investimento maior, onde dar um olhar especial. "A avaliação que nos dá esse retrato para as políticas públicas." Na última avaliação de alfabetização, as crianças do Ceará superaram a média brasileira em Leitura, Escrita e Matemática e foi o Estado com os melhores resultados do Nordeste.
Dentro do MEC, um dos que discorda da avaliação é o secretário de Alfabetização, Carlos Nadalim. Ele é considerado do grupo que tem conexões com o filósofo Olavo de Carvalho, guru dos bolsonaristas. Nadalim também foi quem elaborou a minuta do decreto revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo na semana passada sobre uma política de alfabetização no País. Ele defende o método fônico, considerado antiguado e limitador por muitos especialistas. Segundo fontes, Nadalim quer mudar a alfabetização para o que considera ideal e depois voltar a avaliar.
Já os remanescentes do grupo mais técnico do MEC queriam manter a avaliação e nem foram informados da mudança que estava sendo feita no Inep. O presidente do Inep, Marcus Vinicius Rodrigues, veio do grupo de militares da reserva e tem ganhado força dentro da pasta.
O comunicado do Instituto de Pesquisas e Estudos Educacionais (Inep) atribui a mudança no Saeb justamente à secretaria de Alfabetização. E diz que intenção é adequar a avaliação tanto à nova política do governo Bolsonaro quanto à Base Nacional Comum Curricular (BNCC). O problema é que as duas políticas não conversam. A BNCC, por exemplo, não privilegia nenhum método de ensino e diz que alfabetização deve ocorrer até o fim do 2 ano. No MEC, há a indicação para que isso aconteça no fim do 1 ano.
A notícia revelada hoje cedo pelo jornal O Estado de S. Paulo também pegou de surpresa a comunidade educacional. O diretor presidente do Instituto Natura, David Saad, disse que a desistência em avaliar a alfabetização não contribui para superar um dos maiores desafios da educação brasileira. "É preciso que o MEC rapidamente compartilhe sua estratégia em relação ao tema. Se pretende avaliar a alfabetização de outra forma ou se esta transferindo essa responsabilidade para Estados e municípios." O Instituto trabalha justamente com projetos de alfabetização em parcerias com secretarias estaduais e municipais. Atualmente, são poucos os municípios do País que avaliam a alfabetização de seus alunos. Todos contavam com as provas feitas pelo MEC.