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Democracia do regime militar mudava para oposição não vencer

A ditadura criou uma fachada democrática para tentar se legitimar, bancando uma democracia com dois partidos, na qual a oposição era sempre impedida de ganhar

Tanques nas ruas durante a ditadura:  já no primeiro ato institucional, o governo militar delega a si o Poder Constituinte para alterar a Constituição sem aprovação do Congresso (Mondadori/Getty Images)

Tanques nas ruas durante a ditadura: já no primeiro ato institucional, o governo militar delega a si o Poder Constituinte para alterar a Constituição sem aprovação do Congresso (Mondadori/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 31 de março de 2014 às 15h59.

Brasília - Durante os mais de 20 anos de regime militar, o país foi marcado pelo autoritarismo e pela exceção, mas a ditadura criou uma fachada democrática para tentar se legitimar, bancando uma democracia com dois partidos, na qual a oposição era sempre impedida de ganhar; as regras eram alteradas sempre que houvesse risco eleitoral; e a maioria da população só votava para o Legislativo, que não tinha independência: quando desobedecia às imposições do regime, era fechado.

Para João Vicente Goulart, filho do presidente João Goulart, deposto em 1964, além de romper o legalismo e violar a Constituição do país, o regime militar transformou o conceito democrático. “A ditadura criou uma geração dizendo que aquilo [o golpe] era a democracia”, disse.

Segundo o empresário, o regime militar usou vários artifícios para parecer legítimo.

“A democracia é ou não é. Um conceito unívoco. O governo da maioria. E aquilo não era. A grande tragédia foi a criação desse conceito de ‘democracia’ favorável ao golpe”.

De fato, já no primeiro ato institucional - o AI-1, de 9 de abril de 1964 - o governo militar delega a si o Poder Constituinte para alterar a Constituição de 1946 sem aprovação do Congresso.

O documento transferiu o poder político dos civis aos militares e suspendeu por dez anos os direitos políticos de centenas de brasileiros, entre eles os ex-presidentes Jânio Quadros e João Goulart, governadores, parlamentares, sindicalistas, estudantes, intelectuais e funcionários públicos.

Para impedir qualquer oposição forte, a tônica do período foram as cassações de direitos políticos, a supressão de direitos constitucionais, perseguição policial e militar, prisão e tortura de opositores e os vários episódios de fechamento do Congresso.

O primeiro presidente militar, eleito de forma indireta pelo Congresso em 11 de abril de 1964, o marechal Castello Branco, utilizou atos institucionais e emendas constitucionais.

Fechou associações civis; proibiu as greves; cassou mandatos políticos como o do ex-presidente Juscelino Kubitschek, em 8 de junho de 64; e extinguiu a União Nacional dos Estudantes (UNE) e as uniões estaduais de estudantes.

Os partidos políticos foram dissolvidos pelo AI-2, editado em 27 de outubro de 1965. O ato também autorizava o Executivo a cassar mandatos e decretar Estado de Sítio sem autorização do Legislativo.

Em novembro de 65, um ato complementar instituiu o bipartidarismo, quando é criada a Aliança Renovadora Nacional (Arena), governista, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), a oposição consentida.

A legenda de apoio ao regime era formada por integrantes da antiga UDN e do PSD, enquanto o MDB reunia os oposicionistas que sobraram dos processos de repressão. Em fevereiro de 1966, com a edição do AI-3, as eleições para governadores passaram a ser indiretas. Em novembro, Castello Branco fechou o Congresso e iniciou nova onda de cassações parlamentares.

Os prefeitos das capitais e de grandes cidades, no total de 68 municípios, também passaram a ser eleitos indiretamente e nomeados pelo governador.

No governo do marechal Costa e Silva, o segundo militar a assumir a Presidência da República, surgiu o movimento de oposição extraparlamentar denominado de Frente Ampla, integrado por lideranças como Carlos Lacerda, Juscelino Kubitschek e João Goulart.

Também cresceram as manifestações de rua nas principais cidades contra o regime.


Seu governo mostrou mais uma vez que o Legislativo não poderia ter a autonomia própria das democracias. Em 1968, os militares exigiram a punição do deputado Márcio Moreira Alves (MDB), que pediu ao povo para não comparecer às festividades do Dia da Independência.

Como a Câmara não atendeu, o governo fechou o Congresso e editou o AI-5, em dezembro de 68.

O AI-5 foi mais abrangente e autoritário que os anteriores.

Ele revogou dispositivos constitucionais, reforçou os poderes discricionários do regime e permitiu ao Executivo o direito de decretar o recesso do Congresso, das assembleias legislativas e das câmaras de Vereadores.

O AI-5 também cassou mandatos parlamentares, suspendeu direitos políticos e cerceou direitos individuais.

O ato só foi revogado pela Emenda Constitucional 11, que entrou em vigor em janeiro de 1979.

Até mesmo a Constituição aprovada pelo regime militar foi desrespeitada para garantir os interesses da ditadura, como ocorreu no derrame cerebral de Costa e Silva - que afastou o presidente no final de agosto de 1969 e o matou quase quatro meses depois.

Na lei, um civil poderia assumir a Presidência da República, mas a prática mostrou que havia um veto no ar.

Por isso, a posse do vice-presidente civil, Pedro Aleixo, foi impedida, e em seu lugar assumiu uma junta militar, que fica no poder até a posse do sucessor, o general Emílio Garrastazu Médici.

O governo de Médici foi iniciado, em 30 de outubro de 1969, com a reabertura do Congresso, para que o novo presidente pudesse tomar posse, porque à época o Legislativo estava submetido a mais um período de fechamento.

Seu governo foi considerado “os anos de chumbo” do regime militar, em razão da intensificação da repressão.

Durante seu mandato, foram assassinados os guerrilheiros Carlos Marighella e Carlos Lamarca, símbolos da reação armada à ditadura, e o ex-deputado Rubens Paiva, um dos líderes da resistência civil.

Os anos Médici também se diferenciaram pelo amplo uso da propaganda, que separava os brasileiros entre os que apoiavam e os que eram contra a ditadura. O lema mais conhecido da propaganda governista foi “Brasil, ame-o ou deixe-o”.

O marketing do regime também incluiu a realização de grandes obras, como a Transamazônica e a Ponte Rio-Niterói, entre outras, bancadas por emprestimos internacionais que endividaram o país e permitiram que a crise econômica decorrente do choque do petróleo, no final de 1973, chegasse ao Brasil.

Ante o difícil quadro econômico vivido pelo Brasil, o então presidente Ernesto Geisel, que assumiu o governo em 15 de março de 1974, propôs a abertura política “lenta, gradual e segura”. Nas eleições daquele ano, houve uma expressiva vitória do MDB, o que preocupou o governo. Com isso, foi editada em 1976 a Lei Falcão, que restringia o debate político nos meios de comunicação. A partir dali, só era permitida a foto do candidato e apresentação de um pequeno currículo, no horário da propaganda eleitoral.

Em abril de 1977, Geisel fechou o Congresso por duas semanas e decretou o chamado “pacote de abril”, que altera regras eleitorais, aumentando de quatro para seis anos o mandato de presidente da República, mantendo as eleições indiretas para governador e criando a figura do senador biônico, eleito indiretamente pelas assembleias legislativas de seus estados.

O apelido dado pelo povo remetia à série O Homem de Seis Milhões de Dólares, um grande sucesso da TV na época, cujo personagem principal era um militar gravemente acidentado que foi reconstituído com poderes especiais, tornando-se “o homem biônico”. Como ele, o senador biônico também era “fabricado em laboratório”, segundo o povo.

Mesmo com o pacote de abril, a oposição - o MDB - saiu vitoriosa nas eleições legislativas de 15 de novembro de 1978. Enquanto a Arena conseguiu 13,1 milhões de votos para o Senado, o MDB obteve 17,4 milhões.

Para a Câmara, a Arena ficou com 15 milhões e o MDB 14,8 milhões. O crescimento da oposição nas eleições de 78 acelerou o processo de abertura política.

Em 1979, no governo de João Figueiredo, último general presidente do ciclo militar, foi aprovada a Lei da Anistia, que permitiu a volta de alguns exilados. No mesmo ano, foi aprovada a Lei Orgânica dos Partidos, que extinguiu a Arena e o MDB e restabeleceu o pluripartidarismo, com o surgimento de legendas como o PDS, herdeiro da Arena, o PMDB, o PTB e, no ano seguinte, o PDT e o PT.

Em novembro de 1980, o Congresso aprovou emenda constitucional restabelecendo as eleições diretas para governador e acabando com a escolha de senadores biônicos.

Só em 1982, os brasileiros puderam eleger seus governadores. A eleição direta para prefeito de capitais, áreas de segurança nacional e estâncias hidrominerais só se deu de forma direta em 1985.

Mas os brasileiros só puderam votar para presidente da República depois de quase 30 anos, em 1989, quando elegeram Fernando Collor de Mello. Isso porque, em 15 de janeiro de 1985, a eleição da chapa Tancredo Neves/José Sarney foi feita de forma indireta, pelo colégio eleitoral.

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