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Decisão impede que réus na tragédia de Mariana respondam por homicídio

Em 2016, MPF denunciou 21 pessoas por inundação, desabamento, lesão corporal e homicídio com dolo eventual

Rompimento da barragem em Mariana ocorreu em 5 de novembro de 2015 e deixou 19 pessoas mortas (Antonio Cruz/Agência Brasil)

Rompimento da barragem em Mariana ocorreu em 5 de novembro de 2015 e deixou 19 pessoas mortas (Antonio Cruz/Agência Brasil)

AB

Agência Brasil

Publicado em 26 de abril de 2019 às 19h33.

A Justiça Federal decidiu que os acusados de serem responsáveis pela tragédia de Mariana (MG) não poderão ser julgados por homicídio e por lesão corporal. A ação movida em 2016 pelo Ministério Público Federal (MPF) deve prosseguir considerando apenas os crimes ambientais de desabamento e de inundação, que também são previstos no Código Penal. Fica descartada a possibilidade de júri popular, que só pode ocorrer quando são julgados crimes contra a vida.

Na tragédia de Mariana, ocorrida em novembro de 2015, 19 pessoas morreram após o rompimento de uma barragem da mineradora Samarco, joint-venture da Vale e da anglo-australiana BHP Billiton. Nenhuma prisão, nem de caráter temporário, foi realizada.

Em nota divulgada hoje (26), o MPF disse respeitar a determinação judicial, mas lamentou que ela tenha sido tomada em um julgamento de habeas corpus, pois tal instrumento não se destinaria à análise de provas. O trancamento de todo o processo para os crimes de homicídio e de lesão corporal foi decidido de forma unânime, na terça-feira (23), por três desembargadores da 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1).

A decisão foi tomada durante o julgamento de dois pedidos de habeas corpus apresentados por Sérgio Consoli e Guilherme Ferreira, executivos da BHP Billiton que figuram como réus. O voto do relator Olindo Menezes foi acompanhado pelos desembargadores Cândido Artur Medeiros Ribeiro Filho e Néviton Guedes. Eles entenderam que o MPF narra na ação o crime de inundação sem apontar elementos para configurar homicídio.

"As mortes e as lesões corporais são descritas na denúncia como resultado do crime de inundação, crime de perigo comum, ao reconhecer a peça que o fato (ou a conduta) teve caráter indeterminado e sem destinatário específico, o que desautoriza (tecnicamente) a imputação autônoma de homicídio (concurso formal), que imprescindiria da demonstração de que o (suposto) crime de inundar teve por objetivo final a morte de determinado indivíduo", diz a decisão.

O MPF afirma que a acusação de homicídio tinha amplo respaldo nas provas dos autos. Em nota, a entidade afirma que as mortes, assim como o desmoronamento da barragem e a inundação, foram previstas pelas mineradoras, mas os riscos teriam sido ignorados num contexto em que preponderaram outros fatores, como aumento dos lucros.

"Todos os resultados - desmoronamento, inundação, danos socioambientais e mortes - foram cabalmente previstos pelas empresas, tendo sido registrados em relatórios e atas de reuniões, conforme inclusive prova um documento em especial: relatório interno da Samarco previa, em caso de rompimento da barragem, a possibilidade de causação de até 20 mortes. Essa previsão mostrou-se assustadoramente correta, já que 19 pessoas perderam a vida em decorrência do rompimento", registra o texto.

Réus

Após a conclusão das investigações em torno da tragédia, o MPF denunciou, em 2016, 21 pessoas por inundação, desabamento, lesão corporal e homicídio com dolo eventual, que ocorre quando se assume o risco de matar sem se importar com o resultado da conduta. Um 22º réu responde por emissão de laudo enganoso. Trata-se do engenheiro da empresa VogBr, Samuel Loures, que assinou documento garantindo a estabilidade da barragem que se rompeu.

Entre os denunciados por homicídio estavam o então presidente da mineradora Samarco, Ricardo Vescovi, e o então diretor-geral de Operações da empresa, Kleber Terra. Também constavam os nomes de outros três executivos da mineradora e de 16 indicados da Vale e da BHP Billiton para atuar na governança da mineradora ou no conselho de administração.

A denúncia do MPF havia sido aceita pelo juiz Jaques de Queiroz Medeiros, da Vara Federal de Ponte Nova. Posteriormente, houve um desmembramento que colocou em um processo separado os cinco estrangeiros - dois estadunidenses, um australiano, um sul-africano e um francês - que figuravam entre os 21 denunciados. Eles integravam o conselho de administração da Samarco indicados pela BHP Billiton.

No fim do ano passado, o TRF-1 já havia concedido dois habeas corpus. Foi determinado o trancamento de toda a ação penal para José Carlos Martins, indicado da Vale no conselho de administração da Samarco. Os desembargadores consideraram que o fato de ele participar de algumas reuniões administrativas não seria suficiente para estabelecer relação causal para fins de aplicação do direito penal.

"Não basta afirmar, de forma genérica, sem evidência de causalidade, física ou jurídica, que o paciente, nas reuniões realizadas, assumiu o risco da produção do resultado, posto que tinha o dever de agir para evitar o rompimento da barragem", diz a decisão. Na ocasião, também foi determinado o trancamento do processo para o crime de homicídio para o réu André Ferreira Cardoso, representante da BHP Billiton na governança da Samarco.

Interrupções

Com o fim do julgamento dos habeas corpus, o processo deve retomar a sua tramitação, paralisada desde 15 de outubro do ano passado pelo juiz Jacques Queiroz Ferreira. O magistrado optou pela suspensão para aguardar as decisões dos desembargadores do TRF-1. "É prudente que se suspenda a oitiva das testemunhas, visando evitar a prática de atos processuais inúteis", escreveu o Jacques Ferreira na ocasião.

Essa não foi a única interrupção do trâmite. Em 2017, o processo ficou suspenso por mais de quatro meses para verificar alegações feitas pelas defesas de Ricardo Vescovi e Kleber Terra. Eles pediam a anulação da ação, sob o argumento de que foram usadas provas ilegais, como escutas telefônicas que teriam sido feitas fora do período determinado judicialmente. Em novembro de 2017, o juiz Jacques Queiroz Ferreira considerou a solicitação improcedente e determinou a retomada do processo.

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