Evangélicos se reunem em frente ao Congresso para manifestaçãoe favor da liberdade religiosa (Valter Campanato/ABr/Agência Brasil)
João Pedro Caleiro
Publicado em 4 de outubro de 2018 às 19h08.
Última atualização em 4 de outubro de 2018 às 19h14.
Preso por fraude de cartão de crédito em 2010, João Luiz Francisco da Silva teve que escolher entre as celas imundas e perigosas comandadas por narcotraficantes e as limpas e arrumadas administradas pelos evangélicos. Assim como um número crescente de presos no Brasil, ele se uniu aos detentos cristãos.
"Era necessário para sobreviver psicologicamente", disse João, observando que os pastores usavam uma piscina infantil para fazer batismos na cadeia. Ele agora trabalha para uma organização de ex-presos que trabalha para melhorar o sistema penitenciário no Brasil.
Não é novidade igrejas acolherem almas perdidas. Mas o ritmo acelerado das conversões na prisão e a maneira como muitos dos convertidos conseguem combinar ativismos na igreja e no crime quando saem da cadeia diz muito sobre o Brasil que vai às urnas neste domingo.
Jair Bolsonaro (PSL), capitão da reserva e deputado de extrema-direita apoiado por muitos pastores evangélicos, lidera pesquisas às vésperas da eleição mais polarizada desde a redemocratização.
Os evangélicos, que já controlam um quinto da câmara dos Deputados, vêm atuando em favor de uma pauta conservadora que vai desde um aumento das restrições a união gays e abortos até esforços para barrar um projeto para tipificar crimes de ódio.
Ao que tudo indica, a bancada evangélica terá ainda mais força na nova composição do Congresso. Eventual regressão sobre direitos humanos e das minorias poderia afetar negociações comerciais com a União Europeia e Canadá e constranger investidores estrangeiros.
Os evangélicos, que representavam 9% da população brasileira há uma geração, constituem hoje 29% do país com o maior contingente de católicos no mundo. A força crescente das igrejas expõe, em grande parte, a desilusão com um Estado subjugado pelo aumento da criminalidade, da corrupção e do desemprego.
As crises moral e institucional do Brasil estão sendo utilizadas por líderes religiosos ambiciosos que recrutam em prisões e favelas. Em meio a amplos esforços de campanha e captação de recursos, alguns pastores violaram a lei ao aceitar dinheiro do tráfico e usar a estrutura das igrejas para pedir votos, segundo relatos de doadores, fiéis e pesquisadores.
"Os evangélicos podem definir o futuro do País na próxima geração", disse Jeffrey Lesser, especialista em Brasil da Universidade Emory, em Atlanta. "Não será um caminho tranquilo, dada a instabilidade do País", disse ele, acrescentando que os evangélicos estão aumentando a "polarização cultural e religiosa".
Líderes evangélicos negam fazer campanha nos cultos ou aceitar doação do narcotráfico. Bolsonaro diz não receber contribuições financeiras das igrejas.
Para as igrejas - especialmente para a mais poderosa, a Igreja Universal do Reino de Deus - recrutar presos é só o primeiro passo de um processo mais ambicioso.
"Na Universal, a gente pega primeiro a pessoa dentro a prisão, depois pegamos a casa toda", disse Marcos Sérgio Lucas, que continua na cadeia, onde se converteu depois de uma década atrás das grades por assalto a mão armada.
A maioria de sua família, incluindo a esposa, o irmão e a filha, agora são membros da Universal. O dinheiro é apertado, disse ele, mas todos doam uma parte da renda para a igreja, um sistema de dízimo que a Universal obriga seu rebanho a seguir.
Quando saem da prisão, muitos convertidos acabam parando em favelas, várias das quais têm grafittis bíblicos pintados em paredes descascadas. A quantidade de dinheiro da droga que circula nos pratinhos de coleta está crescendo, especialmente no Rio de Janeiro, onde quase um terço dos traficantes se identificam como evangélicos (contra 17 por cento em 2004), segundo estudo da ONG Observatório de Favelas.
Christina Vital, estudiosa das relações entre religião e tráfico de drogas, diz que muitos traficantes dão dinheiro para igrejas, e os pastores não têm problema em aceitar essas doações.
"Eu sempre dei uma parte do que ganhei para a igreja", disse Anderson Monteiro sobre os dias em que administrava um prostíbulo popular entre vendedores e consumidores de cocaína. Monteiro está numa prisão de São Paulo há quatro anos na prisão, em parte por acusações relacionadas a drogas.
Há alguns anos, igrejas evangélicas apoiaram políticas sociais implementadas pelo PT do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Hoje, Lula está na prisão e muita gente o responsabiliza, assim como dezenas de outros políticos acusados de corrupção, pelos infortúnios do Brasil. Isso cria um vácuo que vem sendo preenchido pelas igrejas.
Milhões de evangélicos significa milhões de votos. Parlamentares evangélicos hoje costumam alinhar-se com partidos conservadores para defender proteções fiscais das igrejas e barrar o avanço de projetos de lei vistos como ameaça à liberdade de discurso dos pastores.
"Nos próximos 10 anos, os evangélicos serão metade da população brasileira", disse o pastor e deputado federal Roberto de Lucena em uma entrevista em Brasília. "É natural que isso repercuta em todas as esferas de representatividade e que você chegue numa escola e encontre um professor evangélico, um pedagogo evangélico uma assistente social evangélica."
Numa tentativa de reduzir a corrupção, o Brasil proibiu contribuições de campanha vindas de empresas, mas as autoridades ainda têm dificuldade para rastrear como as igrejas canalizam dinheiro para as campanhas.
A campanha de Bolsonaro tem contado com o poder evangélico, assim como o norte-americano Donald Trump e os novos presidentes do Chile e da Colômbia tiveram respaldo de igrejas. Em agosto, Bolsonaro, que formalmente continua sendo católico, subiu ao palco de uma igreja evangélica e disse: "O Estado pode ser laico, mas eu sou cristão".
Depois de Bolsonaro ser esfaqueado em um comício no mês passado, um pastor evangélico e senador orou sobre seu leito de hospital, dizendo que Deus havia confiado a eles a missão de mudar a realidade da nação. A popularidade de Bolsonaro aumentou desde então.
Bolsonaro vem cultivando uma imagem incendiária. Ele elogiou um torturador da época da ditadura, disse que uma deputada não era atraente o suficiente para ser estuprada e afirmou preferir ver seu filho com um braço quebrado do que brincando de boneca. Uma de suas poucas realizações como deputado foi ter protagonizado uma campanha conservadora que proibiu um tutorial para educar estudantes de escolas públicas sobre diversidade sexual e homofobia, que ganhou o apelido de "kit gay".