Brasil

Pai tenta recuperar filhas levadas a Itália pela ex

Meninas de 10 e 11 anos viajaram para Roma em fevereiro e foram deixadas na casa de um italiano de 61 anos. Mãe retornou ao Brasil sem as filhas


	Capa do livro "Filhos: seu melhor investimento": mãe saiu do Brasil com duas filhas e as deixou na Itália com um estrangeiro. Pai luta para ter crianças de volta
 (Divulgação)

Capa do livro "Filhos: seu melhor investimento": mãe saiu do Brasil com duas filhas e as deixou na Itália com um estrangeiro. Pai luta para ter crianças de volta (Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 1 de setembro de 2012 às 11h19.

Rio de Janeiro - Uma decisão da Justiça brasileira empurra duas irmãs, de 10 e 11 anos, atualmente morando em Roma, para um futuro incerto. As crianças estão na Itália desde fevereiro deste ano e, pelo que apurou a Polícia Federal, estão bem, matriculadas em uma escola italiana. O esdrúxulo da situação é a forma como a guarda foi entregue ao estrangeiro. O pai das meninas, o músico Cosme Lutero, 34 anos, morador de Cabo Frio, não foi ouvido pela Justiça – e não há fatos que o desabonem ou justificativas para que ele fosse ignorado no processo. O destino das meninas depende, agora, de uma combinação de procedimentos judiciais brasileiros e italianos, em um trâmite com duração ainda imprevisível.

A mãe das meninas é a ex-empregada doméstica Fabiana Silfonio, 28, que em fevereiro viajou com as meninas dizendo ao pai que passaria uma temporada na Europa. Em abril, no entanto, Cosme descobriu que a ex-mulher tinha voltado para o Brasil, mas sem as crianças. A PF recorreu à Interpol para obter informações sobre as meninas, e apurou que ambas estão fora de perigo, uma delas com acompanhamento psicológico. Também está com Rossi um menino de cinco anos, filho dele e de Fabiana.

Fabiana deixou as filhas na casa do mergulhador profissional aposentado Marco Rossi, de 61 anos, italiano, com quem teve um relacionamento amoroso no Brasil. Só no início de agosto Cosme recebeu a notícia de que Rossi havia conseguido a guarda provisória das crianças. A decisão foi expedida pela juíza Maira Valéria Veiga de Oliveira, da 1ª Vara de Búzios, em julho, quando as meninas já estavam em Roma. O processo está em segredo de Justiça. Decisões desse tipo, mesmo em caráter temporário, geralmente são baseadas em estudo psicossocial das famílias envolvidas na disputa.

Haia – Em tese, como Brasil e Itália são signatários da Convenção de Haia, bastaria uma decisão brasileira para que, automaticamente, as crianças fossem trazidas de volta. Mas a disputa entre Fabiana e Cosme é atípica: ele quer as crianças, ela, não. E Fabiana tem trabalhado para que as filhas fiquem com uma terceira pessoa.

A conduta de Fabiana torna nebuloso o futuro das próprias filhas. Diz o advogado Carlos Nicodemos, membro do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). “É um caso atípico de retenção de crianças, que a Convenção de Haia classifica como sequestro. É raro porque geralmente isso ocorre quando um casal de diferentes nacionalidades se separa. E o pai ou a mãe volta para seu país de origem com a criança. No caso específico das meninas brasileiras, elas foram levadas pela mãe para outro país e entregues a uma terceira pessoa. Ou seja, é uma retenção invertida, porque elas não estão sendo mantidas no país de um dos pais”.


Tecnicamente, um magistrado pode decidir, mesmo sem participação dos pais, com quem deve ficar a guarda – e para isso leva em conta, em primeiro lugar, o bem-estar e a segurança dos menores de idade. Decisões desse tipo são frequentes, por exemplo, no caso de pais com problemas de dependência química, histórico de violência doméstica ou abandono. Em relação a Cosme e Fabiana, não há registro desse tipo de risco para os filhos.

O complicador, no momento, é o fato de Rossi estar na Itália. Diz o desembargador Siro Darlan, que foi titular da 1ª e da 2ª varas da Infância e da Juventude no Rio por 13 anos. “Uma juíza pode conceder a guarda provisória sem ouvir pai e mãe. E é natural manter a guarda com quem a criança está, se não há risco, para evitar que elas fiquem sendo jogadas de um lado para o outro. O fato de a residência atual ser na Itália pode, no entanto, dificultar a decisão no futuro, caso a guarda volte para o pai. As justiças são autônomas, e a decisão brasileira não necessariamente será acatada automaticamente na Itália”, avalia o magistrado.

Caso Sean – O caminho que o caso percorre nas justiças dos dois países lembra o drama do menino Sean Goldman, que em 2009 comoveu o Brasil. Filho de uma brasileira e de um americano, Sean passou a viver com a avó materna e o padrasto depois que sua mãe, a estilista Bruna Bianchi, de uma tradicional família carioca, morreu durante um parto. A disputa na Justiça resultou em vitória para o pai, o ex-modelo David Goldman. Sean foi levado para os Estados Unidos definitivamente na véspera do natal daquele ano. Desde então, Sean está nos Estados Unidos e tem pouquíssimo contato com a família brasileira.

No caso das meninas, a família brasileira tem poucos recursos. Morador de um bairro pobre de Cabo Frio, Cosme recorreu à Defensoria Pública para tentar trazer as filhas de volta ao Brasil. A defensora Susana Karin entrou com um recurso para tentar reverter a decisão liminar que deu a Rossi a guarda das meninas. Susana descobriu o que considerou absurdo: as crianças estão matriculadas em uma escola de Roma registradas com o sobrenome do padrasto.

Susana afirma não entender a razão do pai das meninas não ter sido citado no processo que resultou na concessão de guarda ao italiano. "Para uma pessoa obter a tutela antecipada ‘inaldita altera pars’ (sem ouvir a outra parte), é preciso comprovar que o que ela alega é verdadeiro, e que existe um dano irreparável ou de difícil reparação. Algo que não possa esperar a decisão final de um processo" afirma, citando como exemplo casos em que as crianças correm risco, como a prática de violência doméstica de que tem a guarda legal ou abandono do incapaz.


Separação – A história de como as meninas saíram da Região dos Lagos para a casa de um italiano em Roma começa há nove anos. Fabiana, depois de se separar de Cosme, foi trabalhar como doméstica na casa de Marco Rossi, no balneário de Búzios. Patrão e empregada tornaram-se amantes e passaram a morar juntos. Segundo a própria Fabiana e o advogado Carlos Augusto Cotia dos Santos, que defende Rossi, o italiano teve diagnosticado um câncer linfático e quis voltar à Itália para um tratamento médico. Para viajar com as crianças, Fabiana precisou de uma autorização de Cosme – o documento padrão da Polícia Federal para que menores de idade viagem desacompanhados de um dos pais. VEJA obteve uma cópia do documento, que tem uma ressalva: Cosme autoriza a viagem, mas não a permanência em caráter definitivo.

Mais um detalhe chamou a atenção dos especialistas ouvidos por VEJA: quando Fabiana decide levar as crianças para a casa de Rossi em Roma, ela e o italiano já estavam separados havia três anos.

Sem receber notícia das filhas, Cosme procurou a ex-mulher em abril e deu prazo para que buscasse as meninas. Sem ter resposta, recorreu à Polícia Federal e à Defensoria Pública. Ele não imaginava que, enquanto esperava uma resposta de sua ex-mulher, Cotia, o advogado contratado por Rossi, dava entrada em outra ação de guarda na cidade vizinha, em Búzios.

"Acho que eles (Fabiana e Rossi) fizeram tudo de caso pensado. Ela viajou com as meninas e logo depois o passaporte venceu. Tudo para dificultar a volta das minhas filhas. Não tenho dormido direito. A mais velha vai fazer 12 anos, já é uma mocinha e eu me preocupo com isso também. Se eu pudesse atravessaria nadando para ter as duas de volta", diz Cosme. "Antes da viagem, elas passaram duas semanas aqui em casa. Nunca fui ausente, como ela diz. Éramos tão próximos que o filho dela com o italiano me chama de pai. Nunca tive posses, como ele, mas sempre ajudei”, alega Cosme.

O músico conta que, depois da separação, em 2002, as crianças ficavam com os dois – numa espécie de guarda compartilhada informal. “Não tinha nada no papel”, diz.

Cosme e Fabiana divergem. Mas partes das histórias contadas pelos dois têm pontos em comum. Fabiana, ouvida por VEJA, admite, por exemplo, que quando foi para a Itália já não estava mais vivendo com Rossi. “Marco dá uma vida muito boa às crianças. Tenho que pensar no futuro delas. No Jardim Esperança (bairro pobre de Cabo Frio, onde vive Cosme), elas não vão ter futuro nunca", diz. "Marco é uma pessoa maravilhosa. Vive para minhas filhas", diz ela.


Cotia, que defende o italiano, não apresenta explicação para o cliente não ter dado entrada no pedido de guarda antes de viajar com elas e com Fabiana para Itália - as meninas viajaram em fevereiro e o pedido foi feito em maio. Chegou a afirmar que seu cliente havia feito pedido antes da viagem, o que não ocorreu. Disse ainda que Rossi "é a única pessoa que se preocupa com as meninas". E que "é um homem de posses". "Meu cliente sempre foi o tutor financeiro dessas crianças, há dez anos. Essa guarda serviu para regularizar uma situação de fato que já existia. Ele criou um vínculo amoroso com elas, que o chamam de pai", disse o advogado.

A juíza recusou-se a falar com o site de VEJA. A assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça alegou que o caso está em segredo de Justiça. Os pedidos de reversão de guarda e busca e apreensão feitos pela defensora pública Susana Karin aguardam decisão do Tribunal de Justiça do Rio. A reportagem de VEJA tentou contato por telefone com Marco Rossi, que não atendeu às ligações.

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