Exame Logo

CPI da Covid: 4 dúvidas sobre o depoimento do representante da Davati

Senadores questionaram se Dominguetti teria sido “plantado” na CPI, por que um PM passou a trabalhar como representante de empresa para venda de vacinas e se as doses negociadas realmente existiam

Luiz Paulo Dominguetti, representante da empresa Davati Medical Supply, depõe à CPI (Edilson Rodrigues/Agência Senado)
AA

Alessandra Azevedo

Publicado em 1 de julho de 2021 às 17h23.

O depoimento do policial militar Luiz Paulo Dominguetti, representante da Davati Medical Supply, à CPI da Covid, nesta quinta-feira, 1º, levantou dúvidas e gerou polêmicas, além de ter renovado as expectativas em relação às próximas oitivas relacionadas à aquisição de vacinas pelo Ministério da Saúde.

O PM foi chamado à CPI para explicar entrevista feita ao jornal Folha de S. Paulo, na qual disse ter recebido pedido de propina do ex-diretor de logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, para prosseguir com negociação pela venda de 400 milhões de doses da vacina Astrazeneca.

Veja também

No meio do depoimento, no entanto, Dominguetti apresentou um áudio do deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), que, segundo o policial, estava intermediando a venda de vacinas contra a covid-19. Miranda logo apareceu na CPI e negou a acusação, mas a situação acendeu alguns alertas.

Senadores começaram a questionar se Dominguetti teria sido “plantado” na CPI e o que um PM estava, afinal de contas, fazendo como representante do mercado de vacinas. Também surgiram perguntas sobre a empresa Davati e como ela teria acesso a 400 milhões de doses da Astrazeneca, como prometia.

Veja as principais dúvidas que surgiram durante o depoimento:

1. Dominguetti é uma “testemunha plantada” na CPI?

Senadores da oposição acreditam que sim. As suspeitas começaram quando ele apresentou um áudio acusando o deputado Luis Miranda (DEM-DF) de intermediar a compra de vacinas. A mensagem de voz trata de negociações, mas não há nenhuma menção à palavra “vacina”.

Miranda negou a acusação e disse que o áudio foi gravado em outubro de 2020 e se tratava de luvas cirúrgicas. O deputado depôs à CPI na última sexta-feira, 25, e, na ocasião, contou ter denunciado ao presidente Jair Bolsonaro irregularidades e pressão atípica no Ministério da Saúde pela liberação de importação da vacina indiana Covaxin.

Irritado com o áudio descontextualizado, o presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), lembrou que Dominguetti está sob juramento. “Não venha achar que todo mundo aqui é otário. Veja bem qual o seu papel aqui. Do nada surge um áudio do deputado Luis Miranda. Chapéu de otário é marreta, irmão”, disse Aziz.

Até o relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), questionou a motivação do PM ao mostrar a mensagem de voz. "Um áudio, contando ou historiando ou narrando algumas mazelas que, porventura, poderiam envolver o deputado Luis Miranda que esteve aqui na semana passada. Em nome de quê?", perguntou.

A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) também achou estranha a aparição do áudio na CPI. "O depoente pode não ter sido orientado, mas uma coisa é certa: o áudio foi plantado. Não há nenhuma dúvida em relação a isso", disse.

A situação levou senadores a pedirem a prisão em flagrante de Dominguetti, por falso testemunho. Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Fabiano Contarato (Rede-ES) foram dois dos que pediram em público, mas, segundo o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), “várias pessoas” fizeram o mesmo requerimento – que foi negado por ele.

Quem foi contra as suspeitas de que o PM foi "plantado", além de governistas da comissão, foi o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), filho do presidente. Ele não faz parte da CPI, mas esteve na sessão desta quinta. "Com base em que o senhor fala isso? Plantada por quem?", perguntou.

Senadores também apontaram evidências de que o PM é apoiador do governo. Apesar de, no início do depoimento, Dominguetti ter negado postagens de teor político nas redes sociais, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) mostrou publicações feitas por ele a favor do presidente Jair Bolsonaro, no Facebook, em 2019.

 

2. Por que um PM começou a atuar como vendedor de vacinas?

Outro questionamento dos senadores a respeito de Dominguetti é o motivo de um policial militar da ativa em Minas Gerais ter começado a atuar como vendedor de vacinas. “Eu sou cabo da Polícia Militar. E, para complementação de renda, eu comecei a atuar no mercado de insumos”, contou à CPI.

O senador governista Luiz Carlos Heinze perguntou que negócios ele fez nos últimos anos e quanto faturou com esse tipo de negócio. “Poucos, mas que complementavam uma renda. A oportunidade mesmo de representar uma grande empresa como a Davati surgiu em janeiro”, disse.

A história foi questionada várias vezes. A dúvida principal era como ele chegou a negociar contratos tão vultuosos como 400 milhões de doses da vacina Astrazeneca. Ele disse que só foi oficializado como representante da Davati em abril. Antes disso, era por “acordo de cavalheiros” que intermediava a negociação com o ministério.

Quem o levou a esse posto teria sido o procurador da Davati no Brasil, Cristiano Alberto Carvalho. “Quando eu levei a ele a notícia de que poderia haver a aquisição pelo Ministério da Saúde das doses ofertadas, ele autorizou que eu representasse a Davati pessoalmente aqui em Brasília”, contou.  Isso teria sido em “meados de abril”.

3. Por que Dominguetti denunciou a tentativa de cobrança de propina, meses depois?

Perguntado sobre o que o motivou a fazer a denúncia sobre a tentativa de cobrança de propina pelas vacinas, Dominguetti respondeu que a iniciativa de contar a história, na verdade, partiu de Cristiano Carvalho, não dele. “Recebi uma ligação do senhor Cristiano, com a repórter da Folha. O Cristiano já sabia, eu já tinha informado para ele essa situação que foi vivenciada no ministério”, disse.

“De repente, eu recebi uma ligação dele com uma jornalista da Folha e ele já dizendo à jornalista tudo. Ela parecia já saber essa denúncia, não sei se o Cristiano havia informado antes, mas depois ele falou: ‘Dominguetti, conta tudo, fala tudo’, e eu relatei pra ela o que tinha acontecido, mas a ligação veio do Cristiano e da jornalista da Folha pra mim”, contou o representante.

Perguntado sobre o assunto, Dominguetti disse que não conhece a jornalista que assina a matéria e garantiu que não foi coagido ou assessorado. “A minha intenção e só relatar o que eu vivenciei aqui em Brasília nesse jantar e nesse processo das vacinas no ministério. Só isso”, disse.

 

4. A Davati poderia vender 400 milhões de doses da Astrazeneca?

A grande quantidade de doses da vacina Astrazeneca oferecido em fevereiro também gerou questionamentos na CPI. A Davati tinha acesso a 400 milhões de doses? Senadores, principalmente governistas, suspeitam que não. O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), apontou que a Astrazeneca produziu, desde o início da pandemia, 600 milhões de doses.

“E estamos aqui fazendo uma inquirição a alguém que sugeria vender 400 milhões”, afirmou, ressaltando a quantidade. “Uma empresa, uma única empresa privada, sem a intermediação de laboratórios, de governos. É uma coisa muito difícil de a gente acreditar que isso seja crível”, continuou Bezerra.

O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) também estranhou a oferta. “Eu venho da iniciativa privada e tenho alguma experiência em negociações internacionais. Falar que houve uma oferta de 400 milhões de doses para o governo brasileiro através de uma atravessadora, uma empresa atravessadora, chamada Davati, só por aí, isso não é crível”, afirmou.

“Isso é inverossímil, isso não existe, a não ser que a Oxford/AstraZeneca fosse incorrer em uma série de crimes que poderiam afetar a sua reputação internacional, não só da empresa quanto da própria universidade”, disse Jereissati.

Dominguetti lembrou que a Davati confirmou ao jornal O Globo, na quarta-feira, 30, ter oferecido 400 milhões de doses de AstraZeneca ao Ministério da Saúde. Na mesma reportagem, no entanto, a Astrazeneca diz que “não disponibiliza a vacina por meio do mercado privado ou trabalha com qualquer intermediário no Brasil”.

Além disso, o senador Eduardo Braga (MDB-AM) disse ter estranhado o fato de que, no portfólio encontrado no site da Davati, não há a vacina da Astrazeneca. “Consta vacina tetraviral, consta suplemento alimentar, consta outros medicamentos”, disse.

“Achei muito estranho uma empresa que tem a capacidade de ofertar, como fez numa proposta, 400 milhões de doses ao governo brasileiro não ter apresentado, no portfólio da sua empresa, esse produto, que é um dos produtos mais cobiçados do mundo inteiro”, acrescentou Braga.

 

Assine a EXAME e acesse as notícias mais importante em tempo real.

Acompanhe tudo sobre:CPI da CovidGoverno BolsonaroSenadovacina contra coronavírus

Mais lidas

exame no whatsapp

Receba as noticias da Exame no seu WhatsApp

Inscreva-se

Mais de Brasil

Mais na Exame