Coordenador da Lava Jato fala sobre ataques contra investigadores
"Grande parte da classe política (está) à espreita, aguardando apenas uma boa oportunidade para se livrar do risco de prisão", afirmou
Estadão Conteúdo
Publicado em 17 de julho de 2017 às 14h42.
Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato , afirma que as reações de políticos acuados pelas investigações vêm de três formas: a tentativa do governo de enfraquecer instituições, como a Polícia Federal , ataques aos instrumentos de investigação, como a colaboração premiada, e o esvaziamento das punições, com propostas de anistia. Essa, a "mais descarada".
Na última quarta-feira, 12, dia em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi condenado a 9 anos e seis meses de prisão, pelo juiz federal Sérgio Moro, Dallganol recebeu a reportagem, no QG da Lava Jato, em Curitiba, para uma entrevista exclusiva.
Na sala de reuniões da força-tarefa, onde são negociadas as delações premiadas da Lava Jato, Dallagnol falar dos ataques à operação, a carga de trabalho por vir, sobre a necessidade do fim do foro privilegiado e da necessidade de apoio popular para que o escândalo Petrobrás não siga o mesmo destino da Operações Mãos Limpas, na Itália.
LEIA A ÍNTEGRA DA ENTREVISTA
A Lava Jato em Curitiba acabou ou caminha para o fim?
Existe um mundo de corrupção para ser investigado. Puxam-se penas e não vêm apenas galinhas, mas granjas inteiras. O número de fases da operação diminuiu em 2017, mas isso não decorre da falta de matéria-prima ou de linhas de investigação e sim de outros fatores, como da falta de mão de obra na Polícia Federal. Além disso, muitas frentes de investigação esbarraram no foro privilegiado e hoje uma parte da energia de nossa equipe é investida em semear outras investigações país afora. Quando se faz um acordo de colaboração como o da Odebrecht, são investidos meses de trabalho que permitem revelar milhares de crimes, mas apenas uma parcela disso fica em Curitiba.
Há muito o que se investigar no escândalo Petrobras?
Há centenas de pessoas sob investigação e novas linhas de trabalho não param de surgir. Há áreas da Petrobrás em que a apuração ainda está amadurecendo, como a de comunicação e a de serviços terceirizados. A equipe suíça está em pleno vapor e investiga mais de mil contas e menos de metade desse material foi encaminhado ao Brasil. O crescimento dos pedidos de cooperação internacional da Lava Jato de 183, em março, para 279, hoje, mostra a intensificação do intercâmbio para a produção de provas. Há todos os desmembramentos da Odebrecht que ficaram em Curitiba - só aí perto de 50 investigações. Inúmeras ações cíveis contra a corrupção estão pendentes, inclusive contra partidos políticos. Bancos poderão ser chamados a responder por prejuízos decorrentes de falhas dos sistemas de compliance, no Brasil e no exterior. Há casos pendentes envolvendo diversas empreiteiras, Belo Monte, Pasadena... Enfim, ninguém aqui pode reclamar de falta de trabalho.
O fim de um grupo específico da Lava Jato na PF prejudica as apurações?
No governo atual, enquanto a força-tarefa de procuradores cresceu, a Lava Jato na Polícia Federal foi sufocada. Basta ver que só uma das últimas 6 fases da Lava Jato partiu da polícia. O número de delegados foi reduzido para menos de metade e isso fez com que o núcleo de trabalho que se dedicava exclusivamente à investigação fosse dissolvido. A dissolução acaba com a especialização do conhecimento, o que prejudicará a eficiência e os resultados. Além disso, impede o controle social sobre o quanto a equipe está ou não estruturada e se está investindo para que as apurações avancem.
Veja-se que, recentemente, num período de dez dias, a Lava Jato recuperou quase R$ 1 bilhão, quando a regra é que investigações no Brasil não recuperem nenhum centavo. Se queremos que corruptos respondam pelos crimes e o dinheiro volte pra sociedade, é preciso manter os esforços de investigação.
A polícia se comprometeu a reestruturar o grupo de trabalho exclusivo, mas isso depende de receber mais delegados para a Lava Jato.
A Lava Jato vive a fase mais atribulada com o avanço das investigações contra políticos?
Apenas a delação da Odebrecht colocou sob suspeita quase um terço dos senadores e dos ministros e quase metade dos governadores. Vemos grande parte da classe política à espreita, aguardando apenas uma boa oportunidade para se livrar do risco de prisão.
A reação vem de três formas. A primeira é o enfraquecimento das instituições. Exemplo disso é o sufocamento da Polícia Federal. Tentou-se isso também por meio de projetos de abuso de autoridade que abrem a porteira para a punição de autoridades que agem dentro da lei. A segunda é um ataque aos instrumentos de investigação, como a colaboração premiada. A terceira é a mais descarada, o esvaziamento das punições, que se tentou com o projeto da anistia. Eles não vão parar. É preciso que a sociedade continue os parando.
A Lava Jato criou um Estado de Exceção?
Só no sentido de que a responsabilização dos corruptos é uma exceção no Brasil. Os réus da Lava Jato têm os melhores advogados, as decisões da Lava Jato são questionadas em três tribunais independentes e ainda assim há uma avalanche de decisões confirmando a regularidade das investigações. A verdade é que se queremos um País onde impere a lei, um verdadeiro Estado de Direito, os poderosos devem responder por seus atos. Contudo, injustiças históricas e arraigadas não serão rompidas sem uma gritaria dos poderosos.
O professor da FGV Caio Farah afirmou recentemente o caso mais parecido com a Lava Jato, conceitualmente, é o Brown v. Board of Education. Nele, em 1954, a Suprema Corte norte-americana julgou inconstitucional a segregação racial em escolas públicas. A realidade da segregação conflitava com a regra constitucional de igualdade debaixo da lei.
Aqui também a corrupção sistêmica viola as noções mais elementares da constituição de nossa nação. O poder é delegado pelo povo para que governantes o exerçam em favor do interesse público, mas os corruptos usurpam o poder em benefício próprio. Por ser um uso do poder de modo absolutamente ilegítimo, o filósofo John Locke chegou a chamar a corrupção sistêmica de uma forma de tirania.
Nos Estados Unidos, foi o engajamento da sociedade, para além das instituições, que conseguiu vencer, em grande medida, a injustiça social. É nossa responsabilidade, como sociedade, fazer o mesmo por aqui.
O foro privilegiado vai acabar no Brasil?
Torcemos que o projeto aprovado no Senado, que restringe o foro a poucas pessoas no País, seja examinado logo pela Câmara, mas duvido que isso aconteça por razões óbvias. Além disso, aguardamos ansiosamente que o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes devolva para votação o julgamento que tende a restringir a extensão do foro privilegiado. Essa é a melhor chance.
As delações premiadas, que sustentaram a expansão da Lava Jato, vive seu momento de ataques mais agudos. As delações não vão parar?
Existe uma longa fila de candidatos à colaboração. A realização dos acordos depende de uma série de fatores, como o potencial de expandir as investigações, a força das provas apresentadas, a verossimilhança das informações quando comparadas ao que já é sabido, o quanto é possível ou provável que se alcançasse o mesmo resultado sem o acordo nos desdobramentos naturais da apuração, a atualidade do esquema criminoso, o potencial danoso dos crimes revelados, o número e a importância dos agentes implicados na estrutura das organizações criminosas etc.
Os acordos continuam e continuarão sendo um mecanismo da investigação. Jamais como um ponto de chegada, mas como um ótimo ponta pé inicial.
O que o delator precisa fazer para obter imunidade total numa investigação?
O ideal é punir integralmente todos os criminosos por todos os crimes, mas em regra isso não é possível quando se trata de corrupção. A delação segue uma lógica negocial. Se bate à porta uma pessoa que jamais foi investigada e informa ter provas de crimes muito graves e totalmente novos, mas condiciona sua colaboração à imunidade, uma decisão precisa ser tomada. É melhor punir os demais criminosos e ressarcir a sociedade, dando imunidade ao colaborador, ou não punir ninguém? Para se entender um acordo, deve-se ter em mente qual era a alternativa que cada parte tinha à celebração do acordo. É claro que, normalmente, a realidade é mais complexa do que o exemplo que dei e o desfecho depende das alternativas disponíveis no caso concreto. A regra é que os benefícios dados ao colaborador devem ser os mínimos possíveis dentro do que a negociação permita alcançar. Como resultado, em geral, a redução da pena varia na proporção do quanto a colaboração contribui para a investigação e a sociedade, tomando em conta fatores como aqueles apontados em resposta à sua pergunta anterior.
Muitos setores que antes apoiavam a Lava Jato, desembarcaram ou mesmo mudaram de lado. O senhor sente que as investigações foram usadas para ajudar a destituir o governo Dilma?
Quando os investigados são políticos, seus oponentes passam a fazer uso político dos fatos descobertos. A recente condenação de Lula é um exemplo. Correligionários alegaram que não há provas e opositores afirmaram que há provas abundantes. Você acha que a maior parte deles está realmente preocupada com qual é a verdade sobre os crimes julgados? Já as investigações são técnicas, imparciais e apartidárias. O único compromisso do Ministério Público e do Judiciário é com a justiça, mas não há como impedir o uso político das informações e provas.
Infelizmente, para alguns, o combate à corrupção foi apenas um pretexto para afastar o governo anterior e, agora, buscam defender o presidente Temer e impedir que seja julgado pelo Supremo pelos gravíssimos crimes de que foi acusado. A bancada do governo, nesse contexto, trocou vários integrantes da Comissão de Constituição e Justiça em seu afã para proteger o presidente Temer. Ali, o argumento se inverteu: para governistas, a acusação não tem provas; para oposicionistas, está muito bem fundamentada.
O senhor acha que a Lava Jato vai melhorar a ética pública no País ou só aumentar a tensão entre Judiciário, Executivo e Legislativo?
A resposta a essa pergunta depende de uma variável que não controlamos, que é a reação da sociedade. Se queremos reduzir os índices de corrupção, é preciso ir além da Lava Jato, que é apenas um primeiro passo. São necessárias reformas política e no sistema de justiça, para começo de conversa. Para trazer uma maior conscientização sobre essa necessidade, escrevi o livro A Luta Contra a Corrupção. Não foi porque estava sobrando tempo. O objetivo foi contribuir para que a população possa exercer uma cidadania mais consciente nesse momento crítico para a história brasileira. A corrupção incomoda todos nós e vivemos a grande chance brasileira de enfrentar esse problema.
O cenário atual fez a Lava Jato ficar mais perto ainda da Mãos Limpas?
Na Mãos Limpas, surgiu uma pauta política de projetos de lei contra a corrupção, mas os políticos habilmente a substituíram por uma pauta contra supostos abusos dos procuradores e juízes. Vimos isso acontecer aqui, quando foram votadas as 10 Medidas Contra a Corrupção, as quais foram desfiguradas e substituídas por um projeto supostamente contra abusos de autoridade, mas que na prática dificulta a investigação legítima de pessoas poderosas. Além disso, na Itália se avançou para esvaziar as investigações e as punições. Ou a sociedade dobra os corruptos, ou os corruptos continuarão colocando o País de joelhos. É preciso recuperarmos nossa dignidade e isso passa por punição dos corruptos, renovação política e reformas.