Comitê científico de Crivella teme alta da covid-19 com volta de shoppings
Prefeito carioca derrubou restrições e reabertura começou nesta semana; estabelecimentos registraram filas e aglomerações
Clara Cerioni
Publicado em 13 de junho de 2020 às 11h21.
Última atualização em 13 de junho de 2020 às 15h51.
Especialistas do comitê científico do município do Rio — convocado para aconselhar as ações de combate ao coronavírus — ficaram divididos sobre a decisão do prefeito Marcelo Crivella de antecipar a reabertura dos shoppings da cidade, que voltaram a funcionar na quinta-feira, véspera do Dia dos Namorados.
Em geral, a cada reunião, o grupo — cuja criação não foi formalizada no Diário Oficial — é composto por pelo menos seis funcionários do município e por notáveis da área médica e acadêmica que não são nomes fixos. O GLOBO ouviu nesta sexta-feira cinco especialistas que já participaram de alguns encontros.
De cinco, apenas dois participaram da reunião que, na última terça-feira, derrubou as restrições impostas aos shoppings durante a quarentena. Eles apoiaram a medida, mas outros três, que não estiveram presentes, desaprovam ou fazem ressalvas à iniciativa.
O GLOBO apurou que alguns integrantes são mais constantes e outros se juntam ao debate esporadicamente, em reuniões on-line convocadas pela prefeitura. Até o deputado federal e ex-ministro da Cidadania Osmar Terra (MDB-RS), que é médico, já teria participado de uma das reuniões.
O encontro da última terça-feira foi convocado no mesmo dia. O médico Celso Ramos Filho, da UFRJ, foi um dos que não puderam estar presentes.
"Havia sinais de melhora nos indicadores da pandemia, como redução de casos e mortes, menos procura nos hospitais e menor percentual de testes positivos entre os casos suspeitos analisados. De qualquer forma, o plano de retomada da prefeitura é dividido em seis estágios e prevê arranjos e recuos, se necessários. Qualquer reflexo desses dias só vamos sentir daqui a duas semanas", disse.
Já Rafael Galliez, médico infectologista e professor da UFRJ, não é chamado aos debates há pelo menos três semanas. Um dos mais críticos à retomada do “novo normal”, que para ele acontece de forma “temerária”, Galliez afirma que abrir shoppings não deveria ser prioridade:
"Não há justificativa técnica para essa antecipação. Os shoppings têm um efeito de aglomeração que cria um risco desnecessário neste momento. É como jogar combustível num cenário de aparente redução de casos".
Do Conselho Regional de Medicina do Rio (Cremerj), por sua vez, são quatro integrantes que têm participado ativamente do comitê da prefeitura, entre eles Walter Palis e Sylvio Provenzano, presidente e ex-presidente da entidade, respectivamente. Ambos concordam que os indicadores da pandemia retrocederam, resultado do isolamento social, o que respalda a reabertura.
Provenzano contou que, na quinta-feira, o Hospital dos Servidores do Estado, onde é chefe da Clínica Médica, só tinha oito pacientes com a Covid-19. Palis ressaltou, no entanto, que a prefeitura pode decidir por recuos se for necessário. Ele ligou nesta sexta para a secretária municipal de Saúde, Ana Beatriz Bauch:
"Pedi que os gestores de shoppings fossem cobrados para evitar as cenas de aglomeração que assisti pela TV".
Almicar Tanuri, chefe do Laboratório de Virologia Molecular do Departamento de Genética da UFRJ, que não participou das últimas reuniões do comitê científico, acha que os shoppings só podem funcionar com a garantia do distanciamento social.
"O número de internações caiu, mas as notificações ainda são altas. O shopping é um ambiente que pode ser controlado, com distanciamento e uso de máscara", observa, acrescentando que está mais preocupado com a lotação de transportes públicos.
Embora integrantes do grupo confirmem que podem haver participantes esporádicos nas reuniões, procurada, a prefeitura do Rio listou o nome de dez integrantes no comitê. Quatro são notáveis de universidades e entidades médicas.
Os outros seis têm cargo no município. Além de Celso Ramos, Amilcar Tanuri e Silvio Provenzano, citados na reportagem, a prefeitura elenca também: Flavio Antônio de Sá Ribeiro, mestre e doutor em cirurgia, conselheiro do Cremerj, Beatriz Busch, Secretária Municipal de Saúde, Jorge Darze, ginecologista e obstetra, Subsecretário-executivo da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), Leonardo Warrak, mestre em Saúde Pública, Subsecretário de Promoção, Atenção Primária e Vigilância em Saúde (SMS), Mário Lima, ginecologista e obstetra, Subsecretário Atenção Hospitalar, da Rede de urgência e emergência da SMS, Claudia Lunardi, ginecologista e obstetra, subsecretária de Regulação da SMS, Patricia Guttmann, infectologista e coordenadora técnica da Vigilância em Saúde da SMS.
Lojistas recebem multas e praias ficam cheias
Um dia depois da reabertura dos shoppings, foi a vez de a orla carioca ficar cheia. Nas praias das zonas Sule Oeste, era possível ver aglomerações e muita gente sem máscara.
Em entrevista coletiva, o prefeito Marcelo Crivella prometeu apertar a fiscalização, e, em nota, sua assessoria informou que a Vigilância Sanitária do município realizou 29 inspeções em centros comerciais, que resultaram em 27 multas no valor de R$ 13 mil, cada, e cinco interdições de lojas.
As multas para os shoppings e lojistas que não cumprirem regras de segurança sanitária começam em R$ 13 mil e chegam a R$ 50 mil. Além disso, a prefeitura lembrou que o estabelecimento pode ser fechado por até 90 dias ou ter o licenciamento cassado.
Um levantamento parcial feito pela Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce) mostrou que, no Rio, pelo menos 60% das lojas localizadas dentro de complexos comerciais já reabriram.
Algumas tiveram problemas para voltar às atividades por questões operacionais, mas a expectativa é que, na segunda-feira, todas as lojas de shoppings estejam em funcionamento.
Ainda de acordo com o levantamento, o maior volume de vendas foi registrado nas chamadas lojas âncoras e nas redes de eletrodomésticos. Também foi observada uma redução no tempo de permanência dos clientes, numa comparação com o período pré-pandemia.
O prefeito Marcelo Crivella pediu paciência aos comerciantes de rua, principalmente os de Madureira, onde muitas lojas abriram as portas nos últimos dois dias:
"Estamos procurando fazer um processo pedagógico. No primeiro dia, muitos comerciantes queriam ir trabalhar, e entendemos isso. Mas é preciso entrar no ritmo para a gente não voltar atrás. Não querermos autuar ou multar. Chegamos até aqui depois de 70 dias de sofrimento e não podemos retroceder".
Diversão à beira-mar
Ao longo do Dia dos Namorados, as praias do Rio não chegaram a ficar lotadas, mas as aglomerações de banhistas foram constantes, principalmente no Flamengo, em Copacabana, em Ipanema, no Leblon, na Barra e no Recreio.
O GLOBO percorreu a orla e encontrou policiais militares e guardas municipais acompanhando a movimentação, mas sem fazer abordagens.
Na atual fase de flexibilização do município, só é permitido tomar banho de mar e praticar esportes aquáticos, como o surfe. Os calçadões também estão liberados para exercícios, mas respeitando o distanciamento.
Nas areias, onde a permanência ainda é vetada, o que se viu nesta sexta foi uma grande quantidade de crianças e adultos, que até montaram barracas. Diante desse cenário, a prefeitura prometeu aumentar a atuação de agentes na orla durante o fim de semana.
Também nesta sexta-feira, o Estado do Rio chegou à marca de 77.784 casos confirmados e 7.417 mortes causadas pela Covid-19. Somente na capital são 4.877 óbitos e 40,5 mil pessoas infectadas.