Com Temer, o caminho das concessões
Alguns dos maiores embates do governo de Dilma Rousseff se deram nos programas de concessões. Foi uma proeza: aliados, opositores, empresários, investidores, consumidores, ninguém ficou satisfeito com as estratégias do Planalto. Com a iminência do impeachment, o que era problema virou uma enorme oportunidade. Para o vice-presidente Michel Temer, a área pode ser essencial para […]
Da Redação
Publicado em 7 de maio de 2016 às 09h35.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h17.
Alguns dos maiores embates do governo de Dilma Rousseff se deram nos programas de concessões. Foi uma proeza: aliados, opositores, empresários, investidores, consumidores, ninguém ficou satisfeito com as estratégias do Planalto. Com a iminência do impeachment, o que era problema virou uma enorme oportunidade. Para o vice-presidente Michel Temer, a área pode ser essencial para levantar as expectativas no início de seu eventual governo — a votação no Senado que pode efetivá-lo está marcada para quarta-feira. Os setores mais deficitários são também os mais atraentes: estradas, ferrovias, aeroportos e portos. A equipe de Temer espera conseguir atrair, já nos primeiros meses do um eventual governo, investimentos de até 32 bilhões de reais, segundo empresários próximos ao PMDB.
Por enquanto é tudo teoria — a começar pelo governo Temer. Mas os planos são música para os ouvidos do mercado. Para analistas e consultores de infraestrutura ouvidos por EXAME HOJE, as chaves para o sucesso são uma avaliação rigorosa do cenário e uma atuação focada em áreas prioritárias e factíveis. O segredo, para eles, também se concentra em oferecer garantias, impedir que as regras mudem e não tentar regular a taxa de retorno dos concessionários. E uma questão fundamental: a primeira tarefa não diz respeito apenas às concessões, mas a todo o plano econômico. “As concessões estão travadas por falta de confiança do mercado. O governo precisa mostrar que fará sua parte e dar garantias contratuais”, afirma o professor da Ebape/FGV Renaud Barbosa.
Oportunidades de investimentos não faltam. A consultoria GO Associados estima que dos 198 bilhões de reais projetados pelas duas fases do Programa de Investimento em Logística (PIL), anunciadas em 2012 e 2015, têm atratividade financeira projetos que podem gerar cerca de 69,4 bilhões de reais em investimentos até 2018, com a capacidade de gerar mais de 4 milhões de empregos. “É onde há uma demanda reprimida. Mesmo na recessão, existe congestionamento em aeroportos, ferrovias, rodovias e portos. A despeito da crise, tem demanda garantida e, por isso, retorno garantido. O importante é analisar para quais projetos há interesse efetivo do setor privado”, diz o economista Gesner Oliveira, presidente da GO.
O começo
No horizonte de curto prazo, o Tribunal de Contas da União (TCU) já liberou o leilão de quatro aeroportos (Salvador, Fortaleza, Porto Alegre e Florianópolis), que devem gerar 8,4 bilhões de reais – e sem a participação da Infraero. No campo rodoviário, estão na fila para concessão a chamada rodovia do Frango (entre Paraná e Santa Catarina), que deve gerar 4,5 bilhões de reais em investimentos, e a BR-163, que prevê 6,6 bilhões de reais. O TCU também liberou o leilão da BR-364 e da BR-365, que, juntas, devem atrair 2,8 bilhões de reais.
Um dos maiores testes de Temer pode acontecer no início de junho, no leilão de seis áreas em portos do Pará, com investimento de 1,48 bilhão de reais. A ideia de Temer e seus aliados é contrapor a pouca oferta de crédito que o governo pode dispor na largada com regras mais flexíveis de retorno maior aos investidores.
Obras faraônicas como a ferrovia Bioceânica, que ligaria os oceanos Atlântico e Pacífico e é orçada em 40 bilhões de reais, devem ficar em segundo plano se Temer assumir. Projetos novos, que partam do zero e ainda não tenham fluxo de receita devem ser descartados porque exigiriam recursos estatais para ir à frente. Alguns projetos com essas características são a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol) e a ferrovia Transnordestina, com as obras paradas. A solução parece se concentrar no que é factível e que já conta com demanda concreta de investidores.
Ao menos no campo das ideias, o PIL 2, lançado em junho do ano passado com Joaquim Levy à frente da Fazenda, mostrou um esforço do governo em mudar o modelo de concessões — com a possibilidade, por exemplo, de levar a melhor quem pagar o maior bônus, modelo conhecido com outorga. Apesar disso, o programa esbarrou nas próprias dificuldades do governo em se articular com o empresariado.
A mudança de mentalidade
Analistas e investidores afirmam que parece existir um plano econômico com autonomia no novo governo que se forma, em contraste à pouca liberdade da equipe nos anos de Dilma. A coordenação deve ficar a cargo do ex-governador do Rio e ex-secretário de Aviação Civil, Moreira Franco. O também ex-secretário de Aviação Civil Eliseu Padilha e o senador Romero Jucá devem auxiliar na tarefa e estão cotados para a Casa Civil e para o Planejamento. “Tem que ser fazer um inventário dos problemas que travam o setor. Pode ser uma concessão com dificuldade de andar, pode ser falta de financiamento do BNDES, pode ser um problema ambiental. Os problemas têm de ser escancarados”, diz o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas.
Algumas medidas que podem ser tomadas têm praticamente nenhum custo, segundo especialistas. Em um mundo ideal, a primeira delas seria dar autonomia às agências reguladoras. Hoje, há muita incerteza e falta transparência. Ao se fazer isso, o prêmio de risco que os investidores calculam diminui automaticamente, tornando as operações mais baratas. Além disso, a regulação da taxa de retorno pelo governo é um dos maiores empecilhos. “Isso não faz nenhum sentido. O governo tem de criar um ambiente competitivo de modo que a taxa seja competitiva entre os agentes”, diz o economista Claudio Frischtak, presidente da consultoria Plano B.
Diminuir a dependência de crédito vindo do BNDES também não faria mal, segundo especialistas. Até hoje, o banco não liberou os financiamentos de duas das cinco rodovias leiloadas em 2013, fato que também ocorre nos aeroportos do Galeão, no Rio, e de Confins, em Minas Gerais. Uma solução que atraia mais seguradoras, por exemplo, pode estabelecer um filtro adicional na qualidade do projeto na medida em que elas passariam a arcar com a possibilidade de fracasso de um empreendimento.
O discurso e as ideias, obviamente, são encantadores, mas a capacidade política de estabelecer essa agenda é a maior prova de fogo de Temer. O vice, que pretendia um corte profundo no número de ministérios para angariar alguma simpatia dos 58% dos brasileiros que o rejeitam, segundo o instituto Datafolha, já recuou da iniciativa diante do voraz apetite de seus correligionários. Os mesmos deputados que o ajudaram na votação do impeachment na Câmara cobrarão agora seu apoio. Some-se a essa equação os senadores que vão apoiar o afastamento de Dilma.
Em 2015, o pesquisador do IPEA, Carlos Campos, mostrou a dificuldade de tirar do papel as transformações logísticas. De 2003 a 2014, segundo Campos, o governo federal executou apenas 65% dos investimentos em infraestrutura de transporte previstos. Temer, se de fato assumir, vai conseguir mudar isso? Respostas a partir de quarta-feira.
(Luciano Pádua)