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Com liberação de mais agrotóxicos, apicultores temem extermínio de abelhas

Última leva de aprovações do governo Bolsonaro incluiu seis produtos com Sulfoxaflor; pesticida é apontado como causador de morte de enxames

Abelhas: no ano passado assusta, mais de 500 milhões morreram em três meses (Kay Nietfeld/Getty Images)
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Clara Cerioni

Publicado em 24 de agosto de 2019 às 08h00.

Última atualização em 24 de agosto de 2019 às 08h00.

Se o número deabelhasmortas desde o final do ano passado assusta — forammaisde 500 milhões em três meses —,apicultoresbrasileiros se preparam para uma realidade ainda pior este ano.

Isso porque, além dos agrotóxicos que já causam mortandade segundo diversos estudos, o governo de Jair Bolsonaro aprovou nada menos que seis produtos à base de Sulfoxaflor, ingrediente ativo que causa polêmica nos Estados Unidos e Europa devido ao potencial risco àsabelhas.

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“Estamos aindamaispreocupados agora devido àaprovaçãode tantos pesticidas neste ano”, conta Professora aposentada de química na Universidade Federal de Goiás (UFG) e presidente e sócia-fundadora da Associação dosApicultoresdo Estado de Goiás (Apigoiás), Maria José Almeida.

“No Centro Oeste,maismortes ocorrem na época da dessecação da soja, que começa agora. Aplicam venenos altamente tóxicos para asabelhas, e o resultado são apiários inteiros mortos. No último ano chegamos a pegar pelo estado entre 60 e 80 caixas com todas asabelhasmortas”.

Cada caixa pode abrigar entre 30 mil e 100 milabelhas. “Na nossa região são muitas as causas de morte deabelhas. A associação foi criada em 1980, e sempre foi algo comum termos casos onde morrem um enxame ou outro, mas nunca na proporção que vem ocorrendo nos últimos anos”, diz.

Em Pernambuco, a situação é semelhante. No começo do mês, o Ministério Público estadual recebeu denúncia de mortandade deabelhasno Vale do Rio São Francisco. Segundo a Associação dos Criadores deAbelhasde Petrolina, há três anos, os 32 associados retiravam anualmente cerca de 30 toneladas de mel, número que caiu para 20 toneladas.

Osapicultoresouvidos pela reportagem reclamam que os inseticidas relacionados ao massacre do último ano, o Fipronil e os neonicotinoides Clotianidina, Imidacloprid e o Tiametoxam, ainda continuam no mercado, sem a conclusão da Avaliação do Potencial de Periculosidade Ambiental (PPA) feita pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Além disso, a chegada de pesticidas à base de Sulfoxaflor ao mercado brasileiro também preocupa. Trata-se de um produto que faz parte do grupo químico das sulfoxaminas, desenvolvido pela Dow AgroSciences desde 2013. Rapidamente, o inseticida tornou-se um fenômeno de vendas, aprovado emmaisde 80 países, como Estados Unidos, Canadá, Austrália, Japão e China.

No Brasil, o produto técnico Sulfoxaflor teve aaprovaçãopublicada no 1º ato de 2019 da Coordenação-Geral deAgrotóxicose Afins do Ministério da Agricultura. Segundo o governo, o ingrediente ativo foi aprovado no ano passado, pelo antigo Governo, mas a publicação no Diário Oficial ocorreu apenas em 10 de janeiro.

Já em 22 de julho, seis produtosagrotóxicosà base de Sulfoxaflor obtiveram a permissão para serem comercializados. Eles foram classificados como “medianamente tóxicos” e “perigosos ao Meio Ambiente” e liberados para as culturas de algodão, citros, feijão, melão, melancia, soja, tomate e trigo.

Os novosagrotóxicoschegarão às lojas com os nomes Verter SC, Exor SC, Closer SC, Exor, Verter, Closer, todos comercializadas pela Corteva Agriscience — empresa que antes pertencia à gigante DowDupont (fusão da Dow AgroSciences com a Dupont) mas que foi desmembrada e se tornou, este ano, um braço independente para cuidar apenas da área agrícola, incluindoagrotóxicos.

No entanto, apesar de a comercialização ser feita pela Corteva, as patentes dos produtos são da Dow, que fez o pedido antes da fusão. AAgência Pública e Repórter Brasilperguntaram à Corteva quando os produtos chegarão aos prateleiras, mas, alegando motivos comerciais e estratégicos, a empresa não revelou a data de lançamento.

Estudos são sigilosos

Para evitar o impacto nasabelhas, o Ibama impôs regras para o uso do Sulfoxaflor. Entre elas, a restrição de aplicação em períodos de floração das culturas, o estabelecimento de dosagens máximas do produto e de distâncias mínimas de aplicação em relação à bordadura para a proteção deabelhasnão-apis, sem ferrão funcional. Essas restrições constarão na rotulagem dos produtos e são estabelecidas de acordo com cada ingrediente e cultura.

“Do ponto de vista da saúde humana, o Sulfoxaflor está entre os inseticidas 20% menos tóxicos hoje aprovados. Há um possível impacto sobre insetos polinizadores, por isso a importância da avaliação do Ibama. Foram apresentados estudos técnicos sobre o impacto dos resíduos nasabelhaspara determinar o que pode ou não ser aprovado.

O Ibama tem a liberdade técnica de aprovar ou reprovar o produto ou estabelecer restrições de uso que garantam a segurança para os insetos polinizadores”, explicou à reportagem o coordenador-geral deAgrotóxicose Afins da Secretaria de Defesa Agropecuária, Carlos Venâncio.

Para entender melhor os potenciais impactos, a reportagem solicitou via Lei de Acesso à Informação ao Ministério do Meio Ambiente os estudos técnicos do Sulfoxaflor, mencionados pelo coordenador.

O pedido foi negado pelo órgão, com base na Lei 10.603 de 2002, que estabelece que novos produtos aprovados para comercialização têm proteção de 10 anos de sigilo nas informações.

Tanto o Sulfoxaflor quanto pesticidas neonicotinóides funcionam atingindo o sistema nervoso central dos insetos. A professora da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da Universidade de Brasília (UnB), Cristina Schetino explica que, no caso dos neonicotinóides, o efeito nasabelhasocorre alterando a capacidade de aprendizagem e memória. Algumas inclusive não conseguem encontrar o caminho de volta para a colmeia.

“O Sulfoxaflor, portanto, vem sendo considerado como uma alternativa aos neonicotinóides, que foram banidos de vários países, tendo em vista seu reconhecido impacto sobre polinizadores.

Uma das vantagens atribuídas ao Sulfoxaflor está no fato de que ele apresenta residualmaiscurto: após 5 dias da aplicação, a concentração residual do chega a cair em até 20 mil vezes”, diz Cristina Schetino. Porém, diz ela, estudos recentes já mostram consequências do uso do Sulfoxaflor nasabelhas.

O principal deles é de 2018, feito por professores da Universidade de Holloways, em Londres, e publicado na revista científicaNature, alertando para os riscos do Sulfoxaflor para asabelhas.

No experimento,abelhas Bombus terrestris, conhecida no Brasil como mamangaba-de-cauda-amarela-clara, foram submetidas ao inseticida, o que levou a uma redução da capacidade de reprodução e da taxa de crescimento das colônias.

A especialista acrescenta que existem riscos na aplicação mesmo fora da época de floração. “Há espécies vegetais, que também têm glândulas de nectário nas folhas, tornando-as atrativas para asabelhasaté mesmo na época onde só há a planta”, explica.

Por meio da assessoria de imprensa, a Corteva Agriscience enviou nota àAgência Pública e Repórter Brasilgarantindo que os produtos à base de Sulfoxaflor que chegarão ao mercado brasileiro passaram por todos os testes necessários.

“Foram realizados pela companhia diversos estudos laboratoriais para avaliar a toxicidade aguda e crônica paraabelhasadultas e larvas; estudos de resíduos em néctar e pólen; e análise sobre o impacto em colônias deabelhas. Os estudos conduzidos seguiram as normas de qualidade reconhecidas internacionalmente e comprovaram que não há efeitos sobre o desenvolvimento das colônias deabelhasquando expostas aos resíduos de pólen e néctar”, escreveu a companhia.

“A empresa enfatiza, ainda que, antes de solicitar o registro de qualquer um de seus produtos, realiza uma série de pesquisas para averiguar o desempenho de suas novas tecnologias, avaliando, inclusive, todo possível impacto ambiental.

Dessa maneira, a companhia assegura que, quando usado de acordo com as recomendações da bula, Sulfoxaflor não representa risco para asabelhas”, afirma a nota.

Questionados na justiça, produtos da Dow Agrosciences voltam ao mercado durante governo Trump

Desde 2015, o Sulfoxaflor está envolvido em polêmicas. Naquele ano, organizações que defendemabelhaslevaram ao Tribunal de Apelações de São Francisco, nos Estados Unidos, a denúncia de que o uso do inseticida estaria ligado aoextermíniodeabelhas, pedindo a suspensão da venda de produtos à base do químico.

Segundo a Agência de Proteção Ambiental Americana (EPA), “o tribunal considerou que o registro não era apoiado por evidências que demonstrassem que o produto não era prejudicial àsabelhas, e por isso retiraram o registro”.

Mas o produto não ficou muito tempo longe das prateleiras. Em 2016, a EPA aprovou uma nova licença, com requisitos adicionais para proteger asabelhas. A partir daí, o produto passou a ser proibido para culturas de sementes, e só pode ser utilizado em plantações que atraemabelhasapós a época do florescimento.

Três anos depois, veio uma nova decisão. Em julho de 2019, já no governo de Donald Trump, a EPA expandiu a liberação de uso do Sulfoxaflor paramaisculturas.

A agência concluiu que o pesticida desaparece da atmosferamaisrápido do que as demais alternativas utilizadas, diminuindo assim os riscos para os enxames.

A nova decisão rendeu protestos de organizações da sociedade civil americana e levantou suspeitas – especialmente porque a Dow AgroSciences, que detém a patente do Sulfoxaflor e é ligada à Corteva, doou US$ 1 milhão para garantir as festividades da posse de Trump, segundo reportagem publicada pela Associated Press em 2017.

A reportagem revelou também que o CEO da Dow, Andrew Liveris, é amigo pessoal do presidente americano.

Agrotóxicosdemoram a sair do mercado

Em março, a reportagem daAgência Pública e da Repórter Brasil mostrou que uma das principais ações do governo para resolver o problema da mortandade deabelhasé a reavaliação deagrotóxicosrelacionados aos casos.

O Ibama iniciou o processo em 2012, com a reavaliação do neonicotinoides Imidacloprid, omaisusado do grupo. Simultaneamente, o Instituto está reavaliando também os neonicotinoides Clotianidina e o Tiametoxam, e ao fim dos três processos iniciará os testes com o Fipronil.

Em outubro de 2017 o Ibama respondeu ação civil pública na 9ª Vara Federal de Porto Alegre, que dava o prazo de seis meses para a autarquia concluir as reavaliações.

O Ibama respondeu ter dificuldade para concluir o processo no prazo. A equipe que realiza as reavaliações é composta por apenas cinco analistas ambientais: três biólogos, um químico e um zootecnista.

Cinco meses após a publicação da reportagem, os processos de reavaliação ainda não foram concluídos. Nem Ibama nem Ministério do Meio Ambiente deram alguma previsão de encerramento da reavaliação dos neonicotinoides.

Pressão do Ministério Público e da sociedade

Enquanto o processo de revisão dosagrotóxicosapontados como vilões dasabelhassegue em andamento na esfera federal, há pressão nos demais poderes e da sociedade civil.

A Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente de Porto Alegre encaminhou no dia 14 de agosto pedido de suspensão para que o Governo do Rio Grande do Sul avalie a possibilidade de restrição do uso do inseticida Fipronil no estado, através da suspensão provisória do registro do produto no Cadastro Estadual de Registro deAgrotóxicos– 400 milhões deabelhasforam mortas no Estado em apenas três meses, conforme revelaramAgência PúblicaeRepórter Brasil.

Em junho deste ano o Ministério Público do Rio Grande do Sul estadual propôs que as empresas produtoras do inseticida suspendessem voluntariamente a comercialização de produtos à base de Fipronil no estado.

As multinacionais Basf e a Nufarm concordaram. “O fato é significativo porque, mesmo que outras tantas não concordassem com a proposição ancorada apenas na questão de que o princípio ativo possui registro, duas das maiores produtoras reconhecem, especificamente pela mortandade deabelhas, os danos que a versão foliar do Fipronil representa”, destacou promotor de Justiça Alexandre Saltz no pedido de suspensão.

“Impõe-se avançar na limitação da sua comercialização e uso, especialmente às vésperas do início da safra”, concluiu.

O Fipronil age nas células nervosas dos insetos e, além de utilizado contra pragas em culturas como maçã, soja e girassol, é usado até mesmo em coleiras antipulgas de animais domésticos.

Muitas vezes esse veneno é aplicado em pulverização aérea, o que o expõe diretamente asabelhas. Um estudo feito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 2018 analisou 30 casos de grandes baixas em enxames no estado. Os resultados mostram que cerca de 80% ingeriram ou tiveram contato com Fipronil antes de sucumbir.

“Estamos animados com essa movimentação judicial. O Fipronil é o maior matador deabelhas. Usar ele na época da florada é um grave crime ambiental”, conta o apicultor Salvador Gonçalves, presidente daApicultoresde Cruz Alta (Apicruz).

O município gaúcho foi um dos quemaissofreu com mortes deabelhas—maisde 20% de todas as colmeias foram perdidas apenas entre o Natal de 2018 e o começo de fevereiro deste ano. Cerca de 100 milhões deabelhasapareceram mortas, segundo levantamento da Apicruz.

Mas a repercussão das denúncias chamou atenção para o problema. Em maio, o Greenpeace lançou a #SalveAsAbelhas, um abaixo assinado contra oextermíniode polinizadores por uso deagrotóxicos — foram 10 mil assinaturas de apoio em uma semana.

Quase um ano depois, o sentimento é de esperança de que a repercussão traga mudanças efetivas. “Dentro de alguns dias começa a dessecagem nas lavouras de milho, então estamos muito preocupados. Mas houve uma sensibilização muito grande por parte dos produtores rurais que nos faz esperar uma diminuição da mortandade deabelhasneste período de primavera”, diz Salvador Gonçalves.

Em resposta, o setor de defensivos agrícolas, sob governança do Sindicato Nacional das Indústrias de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg), criou o Colmeia Viva, um movimento para incentivar o diálogo entre agricultores e criadores deabelhas. O grupo coloca como um dos objetivos promover o uso correto de defensivos agrícolas para diminuir o impacto na apicultura.

Por sua vez, em julho foi a vez dos deputados agirem. No dia 4, parlamentares lançaram no Congresso Nacional a Frente Parlamentar Mista da Apicultura e da Meliponicultura.

O grupo irá acompanhar e fiscalizar as atividades de criação de abelha e produção de mel no país, além de propor alternativas para solucionar os problemas da categoria. 256 deputados federais e nove senadores assinaram o requerimento de criação.

O presidente da frente é o deputado Darci de Matos (PSD-SC) e o vice é o senador Izalci Lucas (PSDB-DF) — ambos também são membros da Frente Parlamentar da Agropecuária.

Membros da Frente Parlamentar da Apicultura reuniram-se neste mês com a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, para discutir as principais pautas do setor, incluindo a mortandade de polinizadores.

“Passamos para ela a nossa preocupação em relação aosagrotóxicosque tem em sua base o Fipronil e os neonicotinoides. Sãoagrotóxicosque já foram banidos na Europa, e aqui apareceram no caso de mortalidade de 500 milhões deabelhasno ano passado em quatro estados. Precisamos agir, pois sem abelha não tem alimento”, relata o deputado Darci de Matos.

A frente também pretende se reunir com Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente para falar da reavaliação dosagrotóxicostendo em vista o perigo asabelhas.

“Estamos estudando a possibilidade de fazer um projeto de lei propondo a proibição dessesagrotóxicos. É um assunto bem complexo, e o PL seria a opçãomaisradical, mas adiante poderá ser possível, porque não podemos continuar deixando milhões deabelhasmorrendo”, diz Darci.

Além disso, o deputado acrescenta o interesse em criar um mapeamento de colméias no Brasil. “O objetivo é descobrir onde estão as colmeias, para quando você for autorizar um agrotóxico, o receituário mostre onde não é permitido fazer a aplicação”, explica.

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