Brasil

Com guinada do eleitor à direita, militares ganham poder e sobem o tom

Forças Armadas se tornaram cada vez mais ouvidas e presentes no Brasil nos últimos meses, 33 anos após o fim do regime militar

Soldados patrulhando a Vila Kennedy em intervenção militar no Rio de Janeiro (Dado Galdieri/Bloomberg) (Dado Galdieri/Bloomberg)

Soldados patrulhando a Vila Kennedy em intervenção militar no Rio de Janeiro (Dado Galdieri/Bloomberg) (Dado Galdieri/Bloomberg)

DR

Da Redação

Publicado em 13 de abril de 2018 às 16h37.

O presidente Michel Temer cogitou, no começo da semana passada, substituir o ministro interino da Defesa, Joaquim Silva e Luna - um general quatro estrelas do Exército -, por um professor de filosofia. Os militares reagiram rápido.

"Vocês estão loucos"?, disparou por mensagem um oficial do alto escalão a um assessor do gabinete presidencial. Temer desistiu da troca e manteve Silva e Luna como titular da pasta, por ora.

O episódio ilustra como as Forças Armadas se tornaram cada vez mais ouvidas e presentes no Brasil nos últimos meses, 33 anos após o fim do regime militar. Em fevereiro, o Exército foi convocado por Temer a intervir na segurança do Rio de Janeiro, em meio ao caos e a falta total de controle do governo local.

Na véspera do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) do habeas corpus pedido pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para não ser preso, o general Eduardo Villas Boas, comandante do Exército, foi para o Twitter para repudiar a "impunidade" e defender a ordem. A mensagem foi vista por alguns setores como uma ameaça de intervenção.

Esta maior influência dos militares no cenário nacional coincide com uma mudança perceptível na guinada da sociedade para a direita e com a crescente desilusão com a política e com a democracia.

A satisfação dos brasileiros com a democracia é a mais baixa da América Latina, de acordo com pesquisa publicada em janeiro pelo Latinobarómetro Database.

Este mesmo levantamento mostra que as instituições em que os brasileiros mais confiam são a igreja e as Forças Armadas.

O segundo colocado nas pesquisas para a eleição presidencial de outubro é o deputado e ex-capitão do Exército Jair Bolsonaro, que prega tolerância zero contra o crime, defende a distribuição de armas aos cidadãos e minimiza as atrocidades cometidas pelos militares durante a ditadura de 1964 a 1985.

Bolsonaro disputaria, hoje, o segundo turno das eleições contra Lula, que preso, dificilmente conseguirá entrar na disputa, refletindo a polarização vivida pelos brasileiros.

A corrupção explícita que envolve toda a elite política, a incerteza quanto às eleições de outubro e a crescente violência de norte a sul do país criaram um ambiente de inconformismo nos quarteis, há muito tempo silenciosos. Somou-se a esse contexto a possibilidade de Lula voltar ao comando do país, eventualmente se livrando da prisão e dos processos a que responde.

Para o general da reserva Paulo Chagas, a mensagem de Villas Boas foi um aviso pela preservação da ordem no país. "Quando o general Villas Boas tomou essa atitude, ele estava se antecipando [e dizendo] 'olha, é melhor que não aconteça, se não vamos ter que agir'. E uma ação de força armada é sempre truculenta", disse.

Nos últimos três anos, o establishment político e empresarial foi abalado pela prisão de grades executivos e políticos. Por falta de apoio no Congresso e por conta das pedaladas fiscais, Dilma Rousseff acabou sofrendo impeachment em 2016, um terremoto político que ajudou a mergulhar a economia em sua recessão mais profunda já registrada.

Chagas vê o desafio de enfrentar a crescente violência no Rio de Janeiro como uma oportunidade para as Forças Armadas. O governo, no entanto, precisa urgentemente esclarecer as regras de engajamento para que os soldados possam agir "com mais eficiência", argumentou o general da reserva. "As Forças Armadas brasileiras sempre resolveram o problema, sempre."

Temer nomeou Silva e Luna para a Defesa depois que o titular da pasta, Raul Jungmann, foi escolhido para comandar o recém criado ministério da Segurança Pública. É a primeira vez que um militar está à frente da Defesa desde que o ministério foi criado, em 1999.

Temer também fortaleceu o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, esvaziado no governo Dilma. O cargo é ocupado pelo general Sérgio Etchegoyen, um dos três ministros mais fortes da gestão do peemedebista.

A presença mais forte dos militares no governo e nas decisões incomoda muitos brasileiros, especialmente aqueles que sofreram sob o regime militar.

"Os tweets do Villas Boas foram uma ameaça à democracia e foram claramente uma tentativa de influenciar o resultado do STF sobre Lula", disse o deputado Ivan Valente (PSOL-SP), que foi preso e torturado durante a ditadura. "O governo deveria ter demitido o general, mas não tem força para isso. Temer nem sequer foi capaz de nomear um ministro da Defesa civil."

De fato, o ministro da Defesa não faz segredo de seu desejo de permanecer no trabalho.

"Entendo que seria natural que, com a saída do ministro, que eu permanecesse lá", disse o ministro em entrevista à Bloomberg. "Meu entendimento com os comandantes, com as forças é perfeito e é completo. O entendimento que me passa é que é razoável que se queira que isso continue agora a decisão de permanecer ou não fica com o presidente da República."

Acompanhe tudo sobre:Eleições 2018ExércitoGoverno Temer

Mais de Brasil

Lula se reúne com ministros nesta sexta para discutir sobre Meta e regulamentação das redes

Ubatuba: pista sem extensão adequada para avião foi 'selecionada pelo piloto', diz aeroporto

Ministério Público vai apurar acidente de avião em Ubatuba

'Presidente quer fazer eventuais mudanças ainda este mês', diz Rui Costa sobre reforma ministerial