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Cirurgia de redução de estômago cresce junto com peso do brasileiro

Avanço da obesidade na população e difusão da técnica fazem número de operações crescer 275% em sete anos

Guerra contra obesidade: em 2010 foram feitas 60.000 cirurgias bariátricas
 (AFP)

Guerra contra obesidade: em 2010 foram feitas 60.000 cirurgias bariátricas (AFP)

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Da Redação

Publicado em 24 de fevereiro de 2011 às 20h51.

São Paulo - Alessandra Pereira de Souza luta contra a obesidade desde os dez anos. Já são 27 anos de batalha. Ao longo da vida, aderiu a todos os tipos conhecidos de dietas (e também aos menos famosos), práticas físicas regulares e uso de remédios emagrecedores. A tática surtiu efeito, mas só por breves períodos. Agora, ela se prepara para uma cirurgia bariátrica. Com 121 quilos e um índice de massa corporal (IMC) igual a 41, que indica obesidade mórbida, ela decidiu apostar na mudança via redução do estômago. "Antes, eu encarava a operação como último recurso, adotado apenas por quem já está tão gordo que não consegue se locomover. Estava enganada." A cirurgia bariátrica é, de fato, uma arma cada vez mais comum na guerra contra a obesidade.

Dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM) mostram que foram realizadas 60.000 operações no país no ano passado - alta de 275% em relação a 2003, ano em que foram coletados os primeiros registros, e de 33% em relação a 2009. Pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mesmo com filas de espera de até oito anos, o número de cirurgias cresceu 23,7% entre 2007 e 2009, chegando a 3.681 ocorrências. Os números fazem do Brasil o segundo colocado no ranking de cirurgias bariátricas, atrás apenas dos Estados Unidos, com 300.000 procedimentos em 2010.

Vários fatores impulsionaram o Brasil para o segundo lugar. Para começar, o perfil da população brasileira, cada vez mais obesa. Outra razão é a difusão de informações sobre o procedimento entre pacientes e médicos, e também a maior especialização destes para a operação delicada. A cirurgia bariátrica pode ainda ganhar um fôlego extra — e esse não é bem-vindo. Como mostra reportagem especial de VEJA desta semana, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) estuda banir do mercado brasileiro a venda de remédios para emagrecimento que atuam no sistema nervoso central, os anorexígenos sibutramina, femproporex, dietilpropirona e mazindol. A alegação é que os riscos de complicações cardíacas provenientes do uso desses medicamentos superam seus benefícios.

Os médicos admitem que esses remédios embutem riscos — como qualquer medicamento, aliás. Mas alegam que, ao optar pela proibição, a Anvisa confunde efeitos colaterais com contraindicações específicas a determinados grupos de pacientes. Ou seja: é possível controlar os riscos a partir do acompanhamento do histórico e da evolução dos pacientes. O vício da agência reguladora é querer decidir pelos pacientes o que é melhor ou pior para eles. Uma coisa é um ente público impor uma restrição ao indivíduo para preservar a saúde da coletividade, caso das leis que proíbem o fumo em lugares públicos. Outra coisa bem diferente é impedir o acesso a um medicamento cujos eventuais efeitos nocivos podem ser controlados por um bom médico. Se a proibição se confirmar, é provável que mais pessoas procurem o emagrecimento via cirurgia.


O fato incontornável é que o Brasil precisará aprender a lidar com a obesidade — e também com a cirurgia bariátrica. Segundo o Ministério da Saúde, a parcela da população cujo IMC é igual ou superior a 30 — consideradas obesas — passou de 11,4% para 13,9% em apenas três anos, entre 2006 e 2009. E a tendência é aumentar. Estima-se ainda que 4 milhões de brasileiros tenham atingido o estágio de obesidade mórbida, quando o IMC chega a 40. "Há uma cobrança crescente da sociedade em relação ao controle de peso, o que faz com que as pessoas busquem cada vez mais a cirurgia", diz Elias Hanna, endocrinologista da Sociedade Brasileria de Endocrinologia e Metabologia. "Some-se a isso o fato de que a indústria farmacêutica não apresentou nenhum grande lançamento no combate à obesidade nos últimos anos. Ou seja, não houve avanço no tratamento clínico da doença."

A cirurgia ganha força também por seus próprios méritos. Quando chegou ao país, em 1995, realizado por hospitais particulares, o procedimento que separa parte do estômago e altera o funcionamento do intestino não parecia muito seguro aos olhos dos possíveis pacientes. Mas a técnica evoluiu e o risco de mortalidade diminuiu, chegando a 0,2% — similar ao de uma corriqueira cirurgia de vesícula e muito inferior ao registrado pelos procedimentos de ponte de safena, com 8%. Além disso, desde 1998, é possível realizar a cirurgia pelo método de videolaparoscopia, técnica menos invasiva que reduz as chances de complicação pós-operatória, as cicatrizes e também o tempo de recuperação. "Com a difusão da cirurgia e das informações relacionadas a ela, médicos passaram a encaminhar mais pacientes para o procedimento. Antes, as pessoas não entediam que obesidade é uma doença", diz Ricardo Cohen, presidente da SBCBM.

Os médicos, é claro, também são responsáveis pelo salto. Com 400 membros titulares, a SBCBM recebe cerca de 50 novos sócios por ano – enquanto a Sociedade Mexicana, por exemplo, registra anualmente apenas nove adesões. "O Brasil está se destacando nessa área, propondo técnicas inovadoras. Os hospitais estão se adequando e criando centros de excelência", explica Marcio Mancini, presidente do departamento de obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem). 


Bloqueio à vida - Os obesos submetidos à cirurgia bariátrica colhem aos poucos os benefícios do procedimento. Nos primeiros seis meses, perdem entre 30% e 50% do excesso de peso — o restante é eliminado gradativamente em dois anos. Na maioria dos casos, problemas como apneia do sono, diabetes tipo 2, problemas cardíacos e locomotores desaparecem. O risco de morte por câncer cai 60% e por problema coronário, 56%. Alterações hormonais que comprometem a fertilidade da mulher podem ser reduzidas. Por conta de todos esses fatores, a disposição dos operados melhora, as limitações diminuem e a qualidade de vida, é claro, é incrementada. Por último, mas não menos importante: em 89% dos casos, a expectativa de vida sobe. "É como se, antes, a obesidade bloqueasse a vida dessas pessoas", diz o cirurgião Roberto Rizzi.

Para derrubar as barreiras, é preciso total aplicação por parte paciente, que precisa seguir a receita básica de dieta balanceada e a prática regular de exercícios físicos. Os primeiros trinta dias após a cirurgia são os mais difíceis. Nesse período, deve-se adotar exclusivamente uma dieta líquida. A alimentação começa a se normalizar por volta dos três meses. Como o volume do estômago é reduzido pela cirurgia, é preciso comer menos, mastigar mais e aumentar a frequência das refeições. Antes, durante e depois da cirurgia, o paciente é acompanhado por uma equipe multiprofissional formada por psicólogo, nutricionista, endocrinologista, fisioterapeuta e cirurgião plástico. Os especialistas enfatizam a importância do apoio de um familiar, especialmente nos primeiros dias de recuperação. Pesquisas indicam que cerca de 10% dos pacientes submetidos à cirurgia podem ter perda insatisfatória de peso ou recuperar a maior parte do que foi perdido. "Se uma pessoa começa a desenvolver hábitos inadequados, como comer amendoim japonês o dia inteiro, pode recuperar todo o peso", diz Mancini.

Os frutos do procedimento, contudo, não devem esconder as reações adversas. Um eventual problema decorrente de variantes da cirurgia é a síndrome de Dumping, que ocorre quando um alimento não é bem digerido pelo organismo, provando náuseas e cólicas. Outro possível efeito é a má absorção de nutrientes e consequente anemia e desnutrição. "É necessária, então, a suplementação de vitaminas e minerais por tempo indeterminado", explica Thiago Sacchetto de Andrade, nutricionista do grupo de obesidade do Hospital Israelita Albert Einstein, de São Paulo. Estudos científicos sugerem ainda que paciente que passam pelo procedimento têm mais chances de cometer suicídio, desenvolver depressão e dependência alcoólica. "O operado pode sofrer alterações de humor e buscar outros objetos que substituam a sensação de prazer que a comida trazia", diz Gisele Lins Prado, psicóloga e psicanalista do Einstein.


O caminho da cirurgia bariátrica no país é sem dúvida promissor. Mas é preciso zelo para que não haja desvios. Por exemplo, a cirurgia não pode ser banalizada, indicada sem rigor ou para fins estéticos. "Tenho pacientes com sobrepeso que querem passar pela operaração, mas sem necessidade", diz Cohen. O SUS e os planos de saúde seguem com rigor as exigências que definem quem está apto a ser submetido ao procedimento - confira os pré-requisitos no quadro abaixo. O problema residiria em procedimentos particulares, combinados diretamente entre paciente e médico. "Às vezes, um paciente que não se encaixa nos critérios pede para fazer a cirurgia. Vale lembrar que o médico que aceita realizar a cirurgia nessas condições se expõe a sanções mais tarde", diz Arthur Garrido, cirurgião e membro da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso). O respeito às regras da operação de redução de estômago é fundamental para o sucesso do procedimento. Do contrário, a cirurgia, criada para melhorar a qualidade de vida, pode se tornar mais uma inimiga dos obesos.

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