Centro de SP abriga o maior símbolo das ocupações na América Latina
Ocupado desde 2009, o Prestes Maia, uma antiga fábrica têxtil, abriga hoje 478 famílias e se transformou em um símbolo da luta por habitação
EFE
Publicado em 10 de maio de 2018 às 13h03.
Última atualização em 10 de maio de 2018 às 13h08.
São Paulo - Em pleno centro de São Paulo , um edifício abandonado de 21 andares abriga a maior ocupação da América Latina. É o Prestes Maia, uma antiga fábrica têxtil onde hoje vivem 478 famílias e que se transformou em um símbolo da luta por habitação.
Ocupado desde 2010, o prédio é uma gigante construção de cimento situada a poucos metros da Estação da Luz.
Durante anos, ostentou o título de segundo maior edifício ocupado da América Latina, mas escalou uma posição quando a "Torre de David", em Caracas, um enorme arranha-céus de 45 andares invadido durante anos por famílias, foi desalojado pelo Governo venezuelano em 2015.
O ritmo no interior do Prestes Maia é pausado pouco antes do meio-dia, quando a maioria dos inquilinos está trabalhando, mas a vida flui entre as paredes de concreto desta ocupação onde vivem quase 2 mil pessoas distribuídas em dois prédios residenciais.
Sivirina Ana da Conceição, de 51 anos, vive em um quarto de cerca de 20 metros quadrados em um andar baixo, a poucos metros do pátio comum onde um grafite pede aos moradores que não joguem lixo.
No edifício não há luxos - as paredes estão carcomidas pela umidade, as janelas sem vidros são revestidas de pedaços de madeira e as duchas são compartilhadas por dezenas de pessoas -, mas os inquilinos admitem que pelo menos têm um teto sob onde podem dormir.
Antes de chegar ao Prestes Maia, Sivirina vivia na rua. Agora, conta, "só posso agradecer à ocupação", coordenada pelo Movimento Moradia na Luta por Justiça (MMLJ).
"Estamos aqui porque necessitamos. Somos trabalhadores, não somos vagabundos. Todos querem uma oportunidade e eu a tive", assegurou a mulher.
O Prestes Maia é o ícone das ocupações no Brasil e o reflexo de um problema de falta de habitação latente no gigante latino-americano e especialmente em São Paulo, onde há 206 edifícios ocupados por famílias com poucos recursos.
Segundo dados da Prefeitura, São Paulo tem um déficit de 358 mil imóveis, enquanto 830 mil famílias vivem em "assentamentos precários, que necessitam de algum tipo de melhoria".
Os edifícios ocupados estão na mira das autoridades depois que um prédio de 24 andares desabou, logo após um incêndio no dia 1 de maio, com um balanço de pelo menos dois mortos e quatro desaparecidos.
Em meio à troca de acusações pelas responsabilidades do acidente, a Defesa Civil começou nesta semana a visitar edifícios abandonados em São Paulo e, em alguns, os ocupantes trabalham contra o tempo para melhorar as instalações, perante a ameaça de desalojamento.
O Prestes Maia já sobreviveu a 26 ordens de despejo, mas em 2015 o Governo Municipal o comprou para construir 283 apartamentos e regularizar a situação de seus inquilinos, convertendo-se em um "ícone" da luta por habitação.
Enquanto não chega a hora das reformas, o Prestes Maia, como toda grande comunidade, é regido por normas: "Proibido beber álcool nos corredores. Intolerável a violência doméstica e o consumo de drogas. A limpeza coletiva é obrigatória".
A intensa atividade deu espaço ao comércio de alimentos - desde cachorros-quentes até açaí -, e a serviços de costura, barbearia e inclusive de creche, como a que funciona no primeiro andar do bloco B, cuidada por Sandra Regina de Oliveira.
Sandra cuida de oito crianças enquanto seus pais trabalham e assegurou que, depois o desabamento do edifício Wilton Paes, está preocupada com a segurança das instalações, que estão sendo melhoradas graças à contribuição mensal de cerca de R$ 100 de cada inquilino.
Só no centro de São Paulo há 70 prédios abandonados habitados irregularmente por 4 mil famílias que veem nas ocupações uma forma de se esquivar dos elevados aluguéis da capital paulista.
A apenas um quarteirão do Prestes Maia fica o Mauá, cuja ocupação foi coordenada também pelo MMLJ, e onde vivem 237 famílias, entre elas a de Marielisete Barbosa, de 52 anos, que hoje se tornou porteira do edifício.
"Somos pessoas que batalhamos. O povo pensa que não fazemos nada. Mas acordamos todos os dias às três da manhã para lutar pelo nosso pão", afirmou a moradora.
Na entrada do Mauá, um antigo hotel a preços populares, uma mensagem na parede lembra a todos os inquilinos e visitantes o artigo 3 da Declaração de Direitos Humanos: "Todo indivíduo tem direito à liberdade e à segurança pessoal".