O comandante de cada UPP tem o poder de autorizar ou não os bailes funk, algo criticado pelos defensores do movimento (©AFP / Christophe Simon/AFP)
Da Redação
Publicado em 29 de março de 2012 às 14h17.
Rio de Janeiro - É quase meia-noite de domingo na Rocinha, a maior favela do Rio, onde os bailes funk com sua apologia ao narcotráfico causavam furor até a ocupação policial em novembro passado. Mas agora só resta um baile, sem armas nem louvor ao crime, e alguns jovens se queixam.
Um adolescente de olhos inchados pelo álcool que só quer se identificar como Igor lembra com nostalgia dos bailes de antes, que tocavam os polêmicos "proibidões": canções com referência a armas, drogas e brigas entre facções rivais do tráfico.
"O melhor era o da rua 1" da Rocinha, fechado depois que a polícia retomou a favela em novembro, após 30 anos de controle dos narcotraficantes.
Dos cerca de cinco bailes funk na Rocinha, ficou apenas um, o Emoções, existente há mais de 20 anos e que não toca 'proibidões', apesar do grande número de funks com temática sexual.
De salto alto e microvestido, Joseane Vieira, 18 anos, aguarda a principal atração da noite: MC Carol, conhecida por canções como "Minha Vó Tá Maluca", que fala da indignação de uma neta com sua avó, que subitamente começou a andar de moto e fumar maconha.
Joseane, que preferia os bailes "proibidos", declara que a violência não acabou na favela após a ocupação policial. "As brigas e os assaltos aumentaram muito", afirma.
Nos últimos dias, quatro pessoas supostamente ligadas ao tráfico de drogas foram assassinadas na Rocinha, entre elas um líder comunitário, e a polícia afirma que os traficantes tentam retomar o território perdido.
Desde que as autoridades começaram em 2008 a retomar o controle das favelas da zona sul, a mais rica e turística do Rio, tendo em vista a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, foram instaladas cerca de 20 Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) nas comunidades "pacificadas".
O comandante de cada UPP tem o poder de autorizar ou não os bailes funk, algo criticado pelos defensores do movimento.
"Há um estado de exceção nas favelas cariocas", onde muitos bailes foram proibidos, se queixa o MC Leonardo, autor do famoso "Rap das Armas" que faz parte da trilha sonora do filme "Tropa de Elite" e presidente da Associação de Profissionais e Amigos do Funk (Apafunk).
"Não interessa se (o funk) é bonito ou feio, as pessoas têm o direito de cantar. O funk não tem que educar ninguém", afirma.
"O funk, uma expressão musical legítima da cultura local, terá mais espaço" nas favelas quando houver mais políticas sociais em andamento, e não só policiais, afirma José Augusto Rodrigues, um dos diretores do Laboratório da Violência da Universidade Estadual de Rio de Janeiro (Uerj).
O "pancadão" carioca não tem nada a ver com o ritmo criado nos anos 1960, que tem James Brown como um de seus principais ícones. É inspirado no Miami Bass, surgido nos Estados Unidos nos anos 1980, que mistura hip hop com batidas eletrônicas rápidas e repetitivas.
A partir dos anos 1990, os bailes funk começaram a ganhar popularidade, inclusive entre as classes média e alta, com suas canções polêmicas que retratavam a realidade das cerca de mil favelas do Rio.
A violência entre grupos rivais de traficantes era frequente, e as canções refletiam essa realidade.
O assassinato do jornalista Tim Lopes, em 2002, por traficantes da favela Vila Cruzeiro quando fazia uma reportagem sobre drogas e sexo explícito nos bailes com uma câmera oculta, aumentou a rejeição da opinião pública a esse tipo de música.
E a violência continua. Um tiroteio em um baile funk deixou dois feridos na semana passada na favela do Salgueiro, comunidade da zona norte da cidade ocupada pela polícia.
A favela dos Tabajaras, em Copacabana, "pacificada" pela polícia em janeiro de 2010 e com cerca de 5.000 habitantes, é a única do Rio a ter um baile funk autorizado pela UPP local.
"Houve um clamor da comunidade para que autorizássemos o baile. Autorizamos, mas não podem tocar 'proibidões'", explica à AFP seu comandante, Joacir Virgilio.
"Teoricamente eles teriam que ter monitoramento por câmeras, detectores de metais, mas a gente não cobrou porque seria economicamente inviável para os organizadores", diz.
Pesquisa divulgada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) aponta que o funk movimentava 10 milhões de reais por mês no Rio de Janeiro em 2009, empregando mais de 10 mil pessoas.
A "pacificação" das favelas "possivelmente não teve um efeito importante no faturamento do mercado funk" porque "a maior parte dos ganhos financeiros vêm de boates e clubes do restante da cidade" e não dessas comunidades, explica à AFP Jimmy Medeiros, um dos autores do relatório.