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Avritzer, da UFMG: “É a hora da reforma política”

Ao que tudo indica, um novo governo se aproxima com a missão de reanimar a economia. Mas a crise de representatividade política parece longe de terminar. Para tentar entender o futuro da democracia no Brasil e saber como as demandas da população podem ser contempladas no Congresso, EXAME HOJE entrevistou o cientista social Leonardo Avritzer. […]

AVRITZER: / Gualter Naves/ Estadão
DR

Da Redação

Publicado em 6 de maio de 2016 às 21h57.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h17.

Ao que tudo indica, um novo governo se aproxima com a missão de reanimar a economia. Mas a crise de representatividade política parece longe de terminar. Para tentar entender o futuro da democracia no Brasil e saber como as demandas da população podem ser contempladas no Congresso, EXAME HOJE entrevistou o cientista social Leonardo Avritzer. Professor da UFMG, ele é phD em democracia brasileira, presidente da Associação Brasileira de Ciência Política, consultor da Associação Internacional de Ciência Política (IPSA) e autor de quatro livros sobre democracia e participação popular nas decisões políticas. Nesta entrevista, Avritzer fala sobre ajuste fiscal, as necessidades da classe C e a atual polarização da sociedade brasileira.

É consenso que vivemos uma crise de representatividade no Brasil. Que tipo de modelo político pode surgir em um momento como esse?
A gente vive uma crise que foi gerada pelo sistema de presidencialismo de coalizão. Está ficando claro para os eleitores que a política não consegue desempenhar o papel que o país precisa que ela desempenhe. O que a gente pode pensar a partir daí é que precisa haver uma reconexão da opinião pública com o Congresso Nacional que, hoje, serve basicamente aos interesses de empresas privadas que financiam a campanha. Esses interesses não garantem nem a vontade da população, nem uma economia sustentável. A gente precisa de um sistema que represente melhor a sociedade e a opinião pública e que seja menos custoso para o estado, que hoje obedece à lógica dos financiadores de campanha. A gente precisa conseguir realizar obras de infraestrutura a custos bem mais baixos, por exemplo.

O que pode mudar na prática para que a população se veja mais representada?
Embora a população esteja muito mais presente nas ruas, não há quase nada no nosso sistema político que processe essa insatisfação. Temos alguns mecanismos de participação garantidos pela Constituição, como a iniciativa popular de lei, em que a população pode apresentar projetos à Câmara, mas eles são relativamente restritos e acabam sendo mais aplicados na discussão de políticas sociais. O que o Congresso deveria fazer é se comunicar melhor com os desejos população. Poderia, por exemplo, realizar referendos e plebiscitos para formular políticas públicas, mas lançar mão desses mecanismos não é de interesse dos deputados.

Muitos movimentos surgiram desde as manifestações de junho de 2013. É possível que apareçam novas lideranças e novas linhas políticas agora?
Está muito difícil de os movimentos se posicionarem partidariamente agora porque a política está muito fragmentada. Os partidos não estão conseguindo mais cumprir o seu papel de mediação entre a sociedade e o Estado, boa parte porque são criados com objetivos de conseguir tempo de televisão, conseguir verba do fundo partidário, poder colocar um representante no Congresso, e não conversam em nada com um projeto ideológico. As pessoas têm posições políticas, mas não querem participar da política, porque não se identificam com nenhum partido – e a gente volta à crise de representação.

Nem mesmo a classe C, que se beneficiou do governo do PT, tem apoiado o modelo político atual. Que tipo de política atenderá essa fatia da população?
Novas classes médias surgiram beneficiadas por uma política que combina crescimento econômico com inclusão social, que foi basicamente o movimento que o Brasil fez entre 2004 e 2013. O que acontece é que esse modelo econômico, do jeito que foi feito, se esgotou. O desafio é rever as prioridades, começando por reavaliar o tamanho e o perfil do Estado que temos. Tudo indica que, quando Temer assumir, esse lado social vai ficar de lado, com a extinção de programas como o Prouni e enxugamento do Pronatec, além de redução de algumas transferências obrigatórias para a saúde e a educação. Se essas políticas se confirmarem, isso afeta diretamente a classe C, que ainda tem uma disponibilidade de renda pequena e conta com as transferências econômicas das políticas sociais. A máquina pública ainda é importante para as finanças privadas da classe C. Então, certamente não vai ser por aí que a classe C será contemplada politicamente.

Que tipo de política poderia ser aplicadas para garantir mais estabilidade para a classe C?
A principal mudança precisa ser tributária. A arrecadação do estado tem que vir de uma aplicação progressiva de impostos, com encargos mais altos sendo cobrados de classes mais ricas. Sem isso, o peso do ajuste fiscal, somado ao corte de políticas sociais, vai cair justamente sobre a classe média, reduzindo sua disponibilidade financeira e consequentemente seu poder de consumo. Este é o momento de pensar como será feito esse ajuste e quem vai pagar por ele.

Os discursos conservadores vêm ganhando espaço em todo o mundo e também no Brasil. O que explica esse avanço da intolerância?
Existe uma diferença em como esse discurso de intolerância tem se manifestado no Brasil e em outros lugares. Nas eleições americanas atuais, a intolerância de Donald Trump tem tido uma forte rejeição dos eleitores republicanos. No caso brasileiro, o conservadorismo é muito latente no Congresso eleito em 2014, com forte apoio de parte da população. Existe hoje uma polarização de interesses econômicos e de valores muito presente. E esse avanço do discurso conservador ganha força com a questão religiosa. O sistema político brasileiro favorece a eleição de deputados vinculados às igrejas neopentecostais, que conseguem grandes quantidades de votos. E, no fim das contas, Eduardo Cunha acabou sendo uma solda entre esses dois lados, conversando com os conservadores tanto na economia quanto na questão valorativa.

(Camila Almeida)

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Ao que tudo indica, um novo governo se aproxima com a missão de reanimar a economia. Mas a crise de representatividade política parece longe de terminar. Para tentar entender o futuro da democracia no Brasil e saber como as demandas da população podem ser contempladas no Congresso, EXAME HOJE entrevistou o cientista social Leonardo Avritzer. Professor da UFMG, ele é phD em democracia brasileira, presidente da Associação Brasileira de Ciência Política, consultor da Associação Internacional de Ciência Política (IPSA) e autor de quatro livros sobre democracia e participação popular nas decisões políticas. Nesta entrevista, Avritzer fala sobre ajuste fiscal, as necessidades da classe C e a atual polarização da sociedade brasileira.

É consenso que vivemos uma crise de representatividade no Brasil. Que tipo de modelo político pode surgir em um momento como esse?
A gente vive uma crise que foi gerada pelo sistema de presidencialismo de coalizão. Está ficando claro para os eleitores que a política não consegue desempenhar o papel que o país precisa que ela desempenhe. O que a gente pode pensar a partir daí é que precisa haver uma reconexão da opinião pública com o Congresso Nacional que, hoje, serve basicamente aos interesses de empresas privadas que financiam a campanha. Esses interesses não garantem nem a vontade da população, nem uma economia sustentável. A gente precisa de um sistema que represente melhor a sociedade e a opinião pública e que seja menos custoso para o estado, que hoje obedece à lógica dos financiadores de campanha. A gente precisa conseguir realizar obras de infraestrutura a custos bem mais baixos, por exemplo.

O que pode mudar na prática para que a população se veja mais representada?
Embora a população esteja muito mais presente nas ruas, não há quase nada no nosso sistema político que processe essa insatisfação. Temos alguns mecanismos de participação garantidos pela Constituição, como a iniciativa popular de lei, em que a população pode apresentar projetos à Câmara, mas eles são relativamente restritos e acabam sendo mais aplicados na discussão de políticas sociais. O que o Congresso deveria fazer é se comunicar melhor com os desejos população. Poderia, por exemplo, realizar referendos e plebiscitos para formular políticas públicas, mas lançar mão desses mecanismos não é de interesse dos deputados.

Muitos movimentos surgiram desde as manifestações de junho de 2013. É possível que apareçam novas lideranças e novas linhas políticas agora?
Está muito difícil de os movimentos se posicionarem partidariamente agora porque a política está muito fragmentada. Os partidos não estão conseguindo mais cumprir o seu papel de mediação entre a sociedade e o Estado, boa parte porque são criados com objetivos de conseguir tempo de televisão, conseguir verba do fundo partidário, poder colocar um representante no Congresso, e não conversam em nada com um projeto ideológico. As pessoas têm posições políticas, mas não querem participar da política, porque não se identificam com nenhum partido – e a gente volta à crise de representação.

Nem mesmo a classe C, que se beneficiou do governo do PT, tem apoiado o modelo político atual. Que tipo de política atenderá essa fatia da população?
Novas classes médias surgiram beneficiadas por uma política que combina crescimento econômico com inclusão social, que foi basicamente o movimento que o Brasil fez entre 2004 e 2013. O que acontece é que esse modelo econômico, do jeito que foi feito, se esgotou. O desafio é rever as prioridades, começando por reavaliar o tamanho e o perfil do Estado que temos. Tudo indica que, quando Temer assumir, esse lado social vai ficar de lado, com a extinção de programas como o Prouni e enxugamento do Pronatec, além de redução de algumas transferências obrigatórias para a saúde e a educação. Se essas políticas se confirmarem, isso afeta diretamente a classe C, que ainda tem uma disponibilidade de renda pequena e conta com as transferências econômicas das políticas sociais. A máquina pública ainda é importante para as finanças privadas da classe C. Então, certamente não vai ser por aí que a classe C será contemplada politicamente.

Que tipo de política poderia ser aplicadas para garantir mais estabilidade para a classe C?
A principal mudança precisa ser tributária. A arrecadação do estado tem que vir de uma aplicação progressiva de impostos, com encargos mais altos sendo cobrados de classes mais ricas. Sem isso, o peso do ajuste fiscal, somado ao corte de políticas sociais, vai cair justamente sobre a classe média, reduzindo sua disponibilidade financeira e consequentemente seu poder de consumo. Este é o momento de pensar como será feito esse ajuste e quem vai pagar por ele.

Os discursos conservadores vêm ganhando espaço em todo o mundo e também no Brasil. O que explica esse avanço da intolerância?
Existe uma diferença em como esse discurso de intolerância tem se manifestado no Brasil e em outros lugares. Nas eleições americanas atuais, a intolerância de Donald Trump tem tido uma forte rejeição dos eleitores republicanos. No caso brasileiro, o conservadorismo é muito latente no Congresso eleito em 2014, com forte apoio de parte da população. Existe hoje uma polarização de interesses econômicos e de valores muito presente. E esse avanço do discurso conservador ganha força com a questão religiosa. O sistema político brasileiro favorece a eleição de deputados vinculados às igrejas neopentecostais, que conseguem grandes quantidades de votos. E, no fim das contas, Eduardo Cunha acabou sendo uma solda entre esses dois lados, conversando com os conservadores tanto na economia quanto na questão valorativa.

(Camila Almeida)

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