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Praias particulares? CCJ do Senado discute proposta que pode "privatizar" áreas da Marinha

Caso aprovada, PEC pode mudar regime de aforamento de terrenos que pertencem à União e hoje são ocupados legalmente

No regime de aforamento, a propriedade do imóvel é compartilhada Isso é dividido na proporção de 83% do valor do terreno para o cidadão e 17% para a União (Buena Vista Images/Getty Images)

No regime de aforamento, a propriedade do imóvel é compartilhada Isso é dividido na proporção de 83% do valor do terreno para o cidadão e 17% para a União (Buena Vista Images/Getty Images)

Publicado em 27 de maio de 2024 às 07h52.

Última atualização em 5 de junho de 2024 às 19h34.

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado fará uma audiência pública nesta segunda-feira, 27, para discutir a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que pode "privatizar" (conceder à iniciativa privada) áreas de praia que hoje pertencem à União.

O texto diz respeito aos chamados  “terrenos de marinha” — áreas da costa marítima com 33 metros contados a partir do mar em direção ao continente.  Se a PEC passar para a fase de votação no plenário e for aprovada, essas áreas serão transferidas a estados e municípios de forma gratuita ou a ocupantes privados mediante pagamento.

Entenda como funciona

Os imóveis construídos nesses terrenos são legais e seus moradores possuem escritura, no entanto, eles são obrigados a pagar anualmente à União uma taxa de aforamento sobre o valor do terreno. Isso quer dizer que a posse do imóvel é compartilhada entre a União e um proprietário privado, podendo este ser uma pessoa física ou jurídica.

Do modo como está a lei hoje, essas praias que também estão sob posse da Marinha não podem ser fechadas para entes privados, ou seja, qualquer cidadão pode alcançar o mar.

Com a extinção do terreno de marinha, o proprietário se tornaria o único dono do terreno. Dessa forma, seria possível a ele fechar essa passagem — por isso a ideia de "praia particular".

Cobrança de impostos

Os moradores que ocupam essas áreas estão sujeitos ao chamado regime de aforamento. Eles são obrigados a pagar anualmente à União uma taxa sobre o valor do terreno. A propriedade do imóvel é compartilhada na proporção de 83% do valor do terreno para o cidadão e 17% para a União. Por causa dessa divisão, ocupantes destes imóveis pagam, atualmente, duas taxas para a União: o foro e o laudêmio.

O que dizem especialistas

Ambientalistas afirmam que o texto dá margem para a criação de praias privadas, além de promover riscos para a biodiversidade. Técnicos do governo também afirmam reservadamente que a PEC pode permitir privatização de praias.

Uma nota do Grupo de Trabalho para Uso e Conservação Marinha, da Frente Parlamentar Ambientalista do Congresso Nacional, afirma ainda que a proposta representa uma "grave ameaça ambiental às praias, ilhas, margens de rios, lagoas e mangues brasileiros e um aval para a indústria imobiliária degradar, além de expulsar comunidades tradicionais de seus territórios".

A audiência pública foi proposta pelo senador Rogério Carvalho (PT-SE), que aponta que a matéria pode impactar o Balanço Geral da União (BGU) e as receitas correntes. Se aprovada pelo Senado, a União não poderá mais cobrar taxa de ocupação dessas áreas ou laudêmio quando ocorrer a transferência de domínio.

O relator da matéria é o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que já se posicionou favorável ao texto. Em seu parecer, ele aponta que a União até hoje não demarcou a totalidade dos terrenos de marinha e, ainda, que muitas casas são registradas em cartório mas foram objeto de demarcação pela União, “surpreendendo os proprietários”.

“Não nos parece justo que o cidadão diligente, de boa-fé, que adquiriu imóvel devidamente registrado e, por vezes, localizado a algumas ruas de distância do mar, perca sua propriedade após vários anos em razão de um processo lento de demarcação. O fato é que o instituto terreno de marinha, da forma que atualmente é disciplinado pelo nosso ordenamento, causa inúmeras inseguranças jurídicas quanto à propriedade de edificações”, defendeu.

A última vez que a matéria foi discutida pela CCJ foi em agosto do ano passado. Na ocasião, o senador afirmou que “o último levantamento da Secretaria de Patrimônio da União estima que são 521 mil propriedades que são cadastradas em terrenos de marinha, fora aquelas que não são cadastradas”.

"Estima-se um impacto de 10 milhões de brasileiros que hoje não têm segurança jurídica sobre a sua propriedade", disse.

O senador Rogério Carvalho, por sua vez, afirmou que o tema era de grande importância e que é necessário um estudo maior sobre o impacto no patrimônio da União, o impacto ambiental, como se dará o acesso ao litoral se essas áreas deixarem de ser da União, e como vão ficar as comunidades de pescadores.

Flávio questionou o pedido de audiência pública, que acabou atendido, dizendo que se tratava de “uma tentativa de protelar” a matéria.

"Pelo perfil das pessoas que estão convidadas para essa audiência pública, é a parte burocrática do Estado, que obviamente vai colocar-se contra, com a preocupação de ter uma queda de arrecadação. Essa é a maior reforma agrária que a gente pode ter na história do Brasil, para dar segurança jurídica a uma realidade que já existe em diversas cidades", disse.

A proposta foi aprovada na Câmara em fevereiro de 2022. Na ocasião, integrantes do governo Bolsonaro se manifestaram contra a PEC. O impacto da PEC, tanto no bolso dos proprietários como nas contas do governo, é bilionário, e obrigaria os proprietários a pagarem, em até dois anos, 17% dos valores de seus bens.

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