As nuances políticas e econômicas do julgamento de Lula
Entre consultores, a improvável absolvição do ex-presidente traria tensão ao mercado, mas faria do petista figura forte na eleição
Raphael Martins
Publicado em 23 de janeiro de 2018 às 19h56.
Última atualização em 23 de janeiro de 2018 às 19h56.
O julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva , que começa às 8h30 desta quarta-feira no Tribunal Regional da 4a Região de Porto Alegre, vai responder uma questão crucial para o futuro político do país, mas pode deixar outra em aberto. A primeira é a mais direta: os três desembargadores TRF-4 manterão a condenação definida em primeira instância? O petista foi condenado a nove anos e seis meses de prisão, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, pelo juiz federal Sergio Moro no caso do tríplex de Guarujá
A outra questão depende da decisão dos julgadores: que PT emerge do julgamento? As variáveis são muitas. Lula pode ser absolvido. Pode ser impedido de concorrer. Ou, com base em recursos a instâncias superiores, pode manter vivo o sonho de se candidatar, mesmo perdendo a parada em Porto Alegre. Diz o texto da Lei da Ficha Limpa que uma das condições para inelegibilidade de um candidato é a confirmação de condenação em órgão colegiado. É o caso da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, composta pelos desembargadores João Pedro Gebran Neto, Leandro Paulsen e Victor Laus.
O trio de desembargadores é considerado duro. Dos 77 condenados na Operação Lava-Jato que passaram por seu crivo, apenas cinco foram absolvidos. Em geral, as sentenças favoráveis se dão por provas baseadas apenas em delações premiadas. O caso do tríplex tem anexado nos autos fotos do ex-presidente no apartamento e mensagens de texto do ex-presidente da OAS Léo Pinheiro tratando das reformas com executivos do grupo e combinando encontros com o filho de Lula, Fábio Luis Lula da Silva. Os analistas consultados por EXAME veem como cenário mais provável a confirmação da condenação, mas não arriscam o placar.
Lula marca de 34% a 37% das intenções de voto, distante do deputado federal Jair Bolsonaro, que está em segundo e tem 17% a 19%. Além disso, a rejeição vem caindo e o coloca como vencedor em todos os cenários de segundo turno. Há dois anos, em cenários de segundo turno, ele seria derrotado pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), e pela ex-senadora Marina Silva (Rede). “Manter o discurso de um Lula forte e candidato é fundamental para que o PT não perca mais relevância do que já perdeu nas últimas eleições para prefeito. O que está em jogo é a própria capacidade do partido de ter sua representatividade mantida na Câmara e no Senado”, afirmou à reportagem o cientista político Wagner Parente, diretor da consultoria Barral M Jorge. “Lula teria mais capacidade de aglutinar partidos de esquerda e centro-esquerda em uma chapa do que qualquer outro candidato.”
Dirigentes do PT comandam lentamente a suavização de discurso, aproveitando os bons números de pesquisa. O ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), considerado um dos possíveis sucessores de Lula como ícone petista, tornou-se coordenador-geral do programa de governo do PT e saiu em defesa do diálogo com o grupo de empresários e investidores. “Participei de um encontro do JP Morgan em São Paulo, de um encontro do Movimento Brasil Competitivo do (Jorge) Gerdau, fui a Nova York me reunir com fundos de investimento porque é uma forma de me apropriar daquilo que está sendo discutido nestes ambientes”, afirmou Haddad em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo no fim de semana. “Acho que há interesse mútuo de discutir o país. Lula nunca fechou as portas para quem quisesse buscar interlocução”.
O mercado olha para o movimento com desconfiança. Segundo analistas consultados por EXAME, a tendência é de retirar o quanto for possível de risco das carteiras, temendo qualquer surpresa. Apesar de caminhar aos poucos de volta para a centro-esquerda, Lula chegou aos números que tem hoje calcado em duas premissas: o histórico de sucesso econômico durante sua gestão, em especial para os mais pobres, e uma explícita campanha contra as reformas impopulares de Michel Temer. Para os investidores, porém, rever medidas sancionadas, como a reforma trabalhista, seria um atraso para a política fiscal de um país em crise. O resultado do julgamento, neste contexto, é importante: um 3 a 0 deixa restrita a possibilidade de recursos do ex-presidente e anima os investidores, enquanto uma absolvição gera apreensão na bolsa e no câmbio.
“Mesmo com a ‘Carta ao Povo Brasileiro’, as direções econômicas vinham mudando para um período de expansão de crédito e políticas fiscais mais relaxadas no segundo mandato de Lula. E vale lembrar o que aconteceu na época da reeleição de Dilma. Houve momento de pânico no mercado, melhorou com o anúncio de Joaquim Levy, mas degringolou meses depois”, afirma Rodrigo Melo, economista-chefe da Icatu Vanguarda. “Essa experiência recente gera um grande desconforto com a possibilidade do retorno de Lula, mesmo sabendo que ele é mais pragmático. Basta lembrar que quem colocou ali a Dilma foi o próprio Lula”.
Do ponto de vista político, a surpresa de uma absolvição do ex-presidente faria do petista figura forte na eleição, apesar da elevação da tensão no mercado. Apesar de ter perdido 60% das prefeituras em 2016, caso o partido saiba manobrar a narrativa em busca do centro e aproveite a estrutura do PT, que detém tempo de televisão e parcela interessante do fundo eleitoral, poderia conquistar partidos pequenos e médios, que estão em constante busca de poder. Uma coligação mais serena, em última circunstância poderia gerar alguma tranquilidade de dólar e Ibovespa, mesmo que momentânea. É nisso que o PT e Lula apostam.
“Se for absolvido, Lula vira um fortíssimo candidato, com grandes chances de segundo turno. Junta a temperatura econômica que as pessoas têm na memória com a perseguição política, agora embasada, já que ele se torna inocente”, afirma Lucas de Aragão, cientist político e sócio da consultoria Arko Advice. “De certa forma, existem boas lembranças dessa época. Isso, muitas vezes, acaba sendo um fator mais importante que a própria questão ética e jurídica do candidato”.
Aragão lembra, contudo, que o pedaço do patrimônio político de Lula, mas está longe de ser o mesmo, que saiu da Presidência em 2010. Naquela época, o ex-presidente deixava o Planalto com 83% de aprovação na pesquisa Datafolha e colocando em seu lugar a sucessora que nunca havia participado de quaisquer eleições.
No período, circundado pelos escândalos de corrupção e com os indicadores econômicos em queda após a agenda petista de incentivos, Lula perdeu a capacidade de atrair o voto “não-petista”, fundamental para sua primeira eleição em 2002. Em caso de condenação, seja por qualquer placar, esse apoio tende a derreter ainda mais. “O mundo político quer manter poder, manter base, manter voto, deputado eleito, cadeiras. Isso é mais importante para a esquerda do que entrar no devaneio coletivo de que tudo é uma perseguição política”, diz Aragão. “O PT vai ficar dividido entre insistir no nome de Lula e tentar outra alternativa”.
No cenário mais provável, se cometer os mesmo erros do passado, a bancada do PT na Câmara pode cair para a casa de 30 deputados, saindo da segunda para a sétima ou oitava força na Casa, e ter uma bancada média de cinco senadores. É o preço a se pagar por não ter formado novas lideranças.