Aperto orçamentário em SP afeta quem busca moradia digna
Apesar de haver mais 45.000 famílias na cidade de São Paulo sem moradia adequada, Prefeitura reduz investimentos em saneamento e em habitação
Raphael Martins
Publicado em 5 de maio de 2018 às 09h41.
Última atualização em 6 de maio de 2018 às 22h55.
Uma “tragédia anunciada”. Foi esse o termo usado pelo governador Márcio França (PSB), pelo pastor da Igreja Evangélica Luterana, Frederico Carlos Ludwig, e pelo Coordenador da Pastoral do Povo de Rua de São Paulo, padre Júlio Lancelotti, para definir o desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, na madrugada do dia 1º de maio, em São Paulo .
Por mais anunciada que fosse, a queda do edifício de 24 andares, ocupado por sem-teto e em condições precárias de conservação, está inserida em mais um episódio de deterioração dos serviços públicos. Vazio há 17 anos, o prédio de posse da União estava ocupado desde 2013. Não é novidade: um levantamento da Secretaria de Habitação do município diz que há 206 ocupações semelhantes ao edifício Wilton Paes de Almeida espalhadas pela cidade. São mais de 45.000 famílias na cidade sem moradia adequada.
Levantamento de EXAME com base nos dados de execução orçamentária da capital paulista mostra que, neste plano de fundo dramático, rubricas de Habitação e Saneamento sofreram cortes severos desde 2014. Daquele ano para cá, os valores pagos em ações nestas áreas foram entre 41% e 65% menores. Em ambas as áreas, entre os anos de 2016 e 2017, o corte comparativo chega a 20% para Habitação e 34% para Saneamento. (Veja os gráficos no fim da reportagem)
Uma particularidade deste recorte é a redução de verbas mesmo em ano eleitoral. Em 2016, Fernando Haddad (PT) deu lugar a João Doria (PSDB). Haddad tentou a reeleição, mas não pisou no acelerador em investimentos nestas áreas. Em 2014, no segundo ano de mandato de Fernando Haddad, o município gastou 1,1 bilhão de reais em ações de habitação. No ano passado, foram 661,7 milhões de reais. Em saneamento, o montante passou de 757 milhões de reais em 2014 para 266,2 milhões de reais em 2017.
As áreas são duas das que mais impactam a vida da população mais pobre. Nas rubricas em questão há investimentos em construção de unidades habitacionais, regularização fundiária, urbanização de favelas, manutenção dos sistemas de drenagem e controle de cheias em bacias de córregos, por exemplo. São obras e aportes decisivos tanto para moradia digna como prevenção de doenças, como dengue e febre amarela.
A perda de emprego nos anos de crise fez a população em situação de rua crescer enquanto os investimentos afunilaram. A Secretaria de Assistência Social não tem dados mais recentes que o último censo da População em Situação de Rua de 2015, organizado em conjunto com a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe). Naquela ocasião, havia 15.900 pessoas em moradia inadequada, quase o dobro da primeira pesquisa em 2000. As estimativas de organizações não-governamentais é de que o número tenha saltado para algo entre 20.000 e 25.000 desde então.
Enquanto isso, o arrocho nas pastas se explica pelo sucessivo comprometimento das contas da Prefeitura de São Paulo, segundo as fontes oficiais. Grandes pastas, como Saúde e Previdência Social registraram grandes aumentos no período e hoje “comem” recursos das demais. As aposentadorias consumiram 10,27 bilhões de reais dos 48,9 bilhões de reais gastos em 2017. É o primeiro ano em que a rubrica custou mais que os investimentos em Educação no município (10,23 bilhões de reais).
Outros gastos, supostamente desnecessários, também comprometem recursos que poderiam compor o caixa prioritário. Em 2017, a SPTuris, empresa de turismo da cidade e que administra o Anhembi e o Autódromo de Interlagos, recebeu um aporte de 41 milhões de reais em dezembro para cobrir o prejuízo dado ao longo do ano. A empresa ainda fechou no vermelho, com 21 milhões de prejuízo líquido.
“A privatização da empresa é para estancar esse ralo de dinheiro. Todo mundo sabe que é deficitário e o Caio Megale [secretário da Fazenda] insiste todos os dias para que acelerem o processo de privatização”, diz uma fonte da administração municipal. “A esperança é vender pelo potencial construtivo dos 400.000 metros quadrados, que podem chegar a 1,7 milhão de metros quadrados. Há bônus de 20% se mantiver a atividade de eventos, então fica vantajoso.”
Enquanto o trâmite não sai, o dinheiro escorre. Também de acordo com levantamento das autoridades, o déficit habitacional da cidade é de 358.000 unidades. Desde o início da gestão Doria/Covas foram entregues 7.000. Na semana passada, o atual prefeito Bruno Covas (PSDB) anunciou parceria com o Ministério das Cidades para construção de mais 2.700 unidades habitacionais pelo programa Minha Casa, Minha Vida, um investimento de 340 milhões de reais, que beneficiaria 10.000 pessoas. Pelos mesmos cálculos, os 40 milhões de reais destinados à SPTuris poderiam construir mais 320 moradias. Parece pouco, mas daria abrigo a 1.185 pessoas. No Wilton Paes de Almeida moravam 455.
O que diz a Prefeitura
A Secretaria da Habitação do município enviou os questionamentos da reportagem sobre a alocação de verbas à Secretaria da Fazenda. O secretário-adjunto da Fazenda, Luis Felipe Arellano, não concedeu entrevista. Em nota à reportagem, a Secretaria da Fazenda atribui a responsabilidade da redução de investimentos na “compensação tarifária” e a redução das transferências de recursos federais a partir de 2014, em decorrência da crise, além dos gastos com a Previdência.
“Em relação à São Paulo Turismo (SPTuris), é necessário destacar que esta empresa municipal necessitou de aportes do Tesouro Municipal para a manutenção de suas atividades em 2016 e 2017”, diz o texto. “Justamente por este motivo, a administração sancionou em dezembro de 2017 a lei que autoriza a Prefeitura de São Paulo a alienar a sua participação societária na empresa. A privatização do ativo integra o Plano Municipal de Desestatização (PMD).”
A Fazenda, contudo, reconhece uma redução de investimentos da ordem de 9,7% entre 2016 e 2017. Pelo cálculo enviado à reportagem, são considerados os valores empenhados pela Prefeitura, e não valores pagos. Empenhar os gastos significa que as verbas foram oficialmente destinadas para programas e investimentos, mas não foram executados os pagamentos.
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