Alunos fazem mediação de conflitos em escola de Heliópolis
Com cerca de mil alunos, o colégio fica em Heliópolis, comunidade da zona sul de São Paulo
Da Redação
Publicado em 2 de dezembro de 2015 às 07h31.
Mesmo tendo adotado, há 12 anos, um modelo pedagógico inovador, a Escola Municipal Pres. Campos Salles ainda tem de lidar com episódios de violência.
Com cerca de mil alunos, o colégio fica em Heliópolis, comunidade da zona sul de São Paulo .
Em um desses incidentes, o aluno do 4º ano Felipe Rodrigues presenciou um colega cuspir em uma professora.
Como parte de sua responsabilidade, coube ao jovem, de 11 anos, conversar com o agressor.
“Olha, pede desculpa à professora. Você tinha que pensar antes de fazer isso”, contou sobre o tom usado com o estudante indisciplinado.
Felipe faz parte da comissão mediadora de sua sala, um grupo de 10 a 15 alunos, eleito pela própria turma para cuidar dos problemas enfrentados ao longo do ano letivo.
“Há estudantes que têm dificuldade em matemática. Outros, na educação física. E há estudantes que têm dificuldade nas atitudes”, ressalta a coordenadora pedagógica da escola, Amélia Arrobal Fernandez.
As comissões fazem parte do projeto pedagógico adotado pela escola de ensino fundamental, que tem como base a integração com a comunidade e a gestão participativa. O modelo é inspirado na portuguesa Escola da Ponte.
“Os problemas da escola são os da comunidade. Os problemas da comunidade também são da escola”, diz Amélia.
Em agosto deste ano, o projeto pedagógico foi aprovado oficialmente pelo Conselho Municipal de Educação de São Paulo.
Com a deliberação, foi recomendada a divulgação da proposta para outras escolas da rede de ensino da capital.
Após a abordagem, o colega indisciplinado se sentiu mais à vontade para contar a Felipe um pouco de seus problemas pessoais.
“Ele até desabafou. Nós conversamos e falamos que o que ele precisasse, nós ajudaríamos. O jeito de ele se expressar é bater nas pessoas. O que ele sofre, desconta aqui”, diz em referência a outro jovem que relatou sofrer agressões do tio alcoólatra.
Esse tipo de trabalho, que parte dos estudantes, tende, segundo a coordenadora, a ter resultados mais efetivos do que atitudes tomadas diretamente pelos adultos.
“Por mais que professores, família e gestores interfiram, eles falam a mesma língua. As coisas têm o mesmo sentido e significado para eles. É diferente ouvir do próprio segmento”, acrescenta Amélia.
Sem grades, nem aulas
O projeto da Campos Salles aboliu a divisão do conteúdo por matérias e do tempo por aulas.
Os alunos de diferentes idades estudam em grandes salões a partir de roteiros de estudos discutidos em assembleias.
“Aqui é uma escola que não tem aula. Não acreditamos em aula expositiva, onde o professor escolhe um conteúdo e algo a explicar que não partiu necessariamente do desejo ou da dúvida real do estudante", explica Amélia.
O aprendizado vem por meio das leituras, pesquisas e discussões mediadas pelos professores.
A resolução de conflitos garante, de acordo com a coordenadora, as condições para que a proposta funcione.
“Se não houver uma convivência democrática e respeitosa, não existirá ambiente de estudo e aprendizagem. Porque a convivência é a base de tudo”.
Apesar de aumentar a responsabilidade dos jovens, que devem tomar decisões sobre os caminhos a seguir, a proposta também aumenta a sensação de liberdade.
“Minha irmã estudava em escola estadual. Ela me contava que lá era cheio de grades. Eu ia morrer sufocada. Aqui não tem grades”, comenta Ana Suellen Sousa da Silva, de 14 anos, que fez na escola todo o ensino fundamental.
Ao atuar ativamente na resolução de conflitos, a professora Valéria Vieira acredita que os alunos também começam a se preparar para os desafios da vida adulta.
“Principalmente quando ele entrar para o mercado de trabalho, quando terá que resolver problemas, se relacionar com outras pessoas”.
Novas atitudes
As mudanças de atitude, no entanto, já podem ser sentidas no cotidiano e nas relações pessoais dos estudantes.
“Às vezes, minha mãe chega estressada do trabalho e joga a culpa toda em cima de mim e do meu irmão. Eu chego e digo: 'Mãe, não é assim que você tem que fazer. Se você está estressada, deve conversar com quem te deixou raivosa. Você não tem que descontar em nós' ”, conta Felipe sobre como tenta resolver os conflitos dentro da própria casa.
“Eu acho que me ajudou. Porque antes eu era muito perdida em horário, hoje sou mais esperta”, afirma Ana Gabriela Cruz, de 14 anos, sobre os novos hábitos motivados pelo método pedagógico.
Além do crescimento pessoal, Gabriela gosta da troca de experiências proporcionada pelo projeto.
“Eu posso virar a professora da Ana Suellen, de matemática, ou ela pode virar a minha professora de português. Isso é legal pra caramba, a gente pode trocar uma ideia. Não aquele negócio de que não pode conversar, nem olhar para o colega. Aqui é totalmente ao contrário”, ressalta.
A participação ativa dos estudantes e a reavaliação do papel dos educadores foi, segundo Amélia, fundamental para dar coerência ao método.
“A cada 45 minutos entrava um novo professor na sala de aula. Cada professor que entrava tinha uma escola na sua cabeça, uma concepção e critérios de avaliação. Quando começava a se interessar por algo, chegava um novo professor, apagava a lousa”.
A carga de atribuições e responsabilidades não impede, entretanto, que mesmo os bons alunos se deem ao luxo de cometer algumas travessuras.
“Admito que também já fiz isso. É legal, você desce escorregando [no corrimão da escada]”, diz Lauren Stephani Sales (10 anos).
O deslize, porém, durou pouco. A jovem conta que logo foi lembrada que deveria dar exemplo aos demais. “Um dia a professora viu e falou assim: você é da comissão”.
Mesmo tendo adotado, há 12 anos, um modelo pedagógico inovador, a Escola Municipal Pres. Campos Salles ainda tem de lidar com episódios de violência.
Com cerca de mil alunos, o colégio fica em Heliópolis, comunidade da zona sul de São Paulo .
Em um desses incidentes, o aluno do 4º ano Felipe Rodrigues presenciou um colega cuspir em uma professora.
Como parte de sua responsabilidade, coube ao jovem, de 11 anos, conversar com o agressor.
“Olha, pede desculpa à professora. Você tinha que pensar antes de fazer isso”, contou sobre o tom usado com o estudante indisciplinado.
Felipe faz parte da comissão mediadora de sua sala, um grupo de 10 a 15 alunos, eleito pela própria turma para cuidar dos problemas enfrentados ao longo do ano letivo.
“Há estudantes que têm dificuldade em matemática. Outros, na educação física. E há estudantes que têm dificuldade nas atitudes”, ressalta a coordenadora pedagógica da escola, Amélia Arrobal Fernandez.
As comissões fazem parte do projeto pedagógico adotado pela escola de ensino fundamental, que tem como base a integração com a comunidade e a gestão participativa. O modelo é inspirado na portuguesa Escola da Ponte.
“Os problemas da escola são os da comunidade. Os problemas da comunidade também são da escola”, diz Amélia.
Em agosto deste ano, o projeto pedagógico foi aprovado oficialmente pelo Conselho Municipal de Educação de São Paulo.
Com a deliberação, foi recomendada a divulgação da proposta para outras escolas da rede de ensino da capital.
Após a abordagem, o colega indisciplinado se sentiu mais à vontade para contar a Felipe um pouco de seus problemas pessoais.
“Ele até desabafou. Nós conversamos e falamos que o que ele precisasse, nós ajudaríamos. O jeito de ele se expressar é bater nas pessoas. O que ele sofre, desconta aqui”, diz em referência a outro jovem que relatou sofrer agressões do tio alcoólatra.
Esse tipo de trabalho, que parte dos estudantes, tende, segundo a coordenadora, a ter resultados mais efetivos do que atitudes tomadas diretamente pelos adultos.
“Por mais que professores, família e gestores interfiram, eles falam a mesma língua. As coisas têm o mesmo sentido e significado para eles. É diferente ouvir do próprio segmento”, acrescenta Amélia.
Sem grades, nem aulas
O projeto da Campos Salles aboliu a divisão do conteúdo por matérias e do tempo por aulas.
Os alunos de diferentes idades estudam em grandes salões a partir de roteiros de estudos discutidos em assembleias.
“Aqui é uma escola que não tem aula. Não acreditamos em aula expositiva, onde o professor escolhe um conteúdo e algo a explicar que não partiu necessariamente do desejo ou da dúvida real do estudante", explica Amélia.
O aprendizado vem por meio das leituras, pesquisas e discussões mediadas pelos professores.
A resolução de conflitos garante, de acordo com a coordenadora, as condições para que a proposta funcione.
“Se não houver uma convivência democrática e respeitosa, não existirá ambiente de estudo e aprendizagem. Porque a convivência é a base de tudo”.
Apesar de aumentar a responsabilidade dos jovens, que devem tomar decisões sobre os caminhos a seguir, a proposta também aumenta a sensação de liberdade.
“Minha irmã estudava em escola estadual. Ela me contava que lá era cheio de grades. Eu ia morrer sufocada. Aqui não tem grades”, comenta Ana Suellen Sousa da Silva, de 14 anos, que fez na escola todo o ensino fundamental.
Ao atuar ativamente na resolução de conflitos, a professora Valéria Vieira acredita que os alunos também começam a se preparar para os desafios da vida adulta.
“Principalmente quando ele entrar para o mercado de trabalho, quando terá que resolver problemas, se relacionar com outras pessoas”.
Novas atitudes
As mudanças de atitude, no entanto, já podem ser sentidas no cotidiano e nas relações pessoais dos estudantes.
“Às vezes, minha mãe chega estressada do trabalho e joga a culpa toda em cima de mim e do meu irmão. Eu chego e digo: 'Mãe, não é assim que você tem que fazer. Se você está estressada, deve conversar com quem te deixou raivosa. Você não tem que descontar em nós' ”, conta Felipe sobre como tenta resolver os conflitos dentro da própria casa.
“Eu acho que me ajudou. Porque antes eu era muito perdida em horário, hoje sou mais esperta”, afirma Ana Gabriela Cruz, de 14 anos, sobre os novos hábitos motivados pelo método pedagógico.
Além do crescimento pessoal, Gabriela gosta da troca de experiências proporcionada pelo projeto.
“Eu posso virar a professora da Ana Suellen, de matemática, ou ela pode virar a minha professora de português. Isso é legal pra caramba, a gente pode trocar uma ideia. Não aquele negócio de que não pode conversar, nem olhar para o colega. Aqui é totalmente ao contrário”, ressalta.
A participação ativa dos estudantes e a reavaliação do papel dos educadores foi, segundo Amélia, fundamental para dar coerência ao método.
“A cada 45 minutos entrava um novo professor na sala de aula. Cada professor que entrava tinha uma escola na sua cabeça, uma concepção e critérios de avaliação. Quando começava a se interessar por algo, chegava um novo professor, apagava a lousa”.
A carga de atribuições e responsabilidades não impede, entretanto, que mesmo os bons alunos se deem ao luxo de cometer algumas travessuras.
“Admito que também já fiz isso. É legal, você desce escorregando [no corrimão da escada]”, diz Lauren Stephani Sales (10 anos).
O deslize, porém, durou pouco. A jovem conta que logo foi lembrada que deveria dar exemplo aos demais. “Um dia a professora viu e falou assim: você é da comissão”.