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Alegria e resistência no bloco da Cracolândia no carnaval

Blocolândia desfila na região desde 2015 em clima de "resistência brincante"

São Paulo: concentração do bloco de carnaval Blocolândia, que desfila desde 2015 na região da Cracolândia, com trabalhadores da região, usuários de drogas e militantes, próximo a estação Julio Prestes (Rovena Rosa/Agência Brasil)

São Paulo: concentração do bloco de carnaval Blocolândia, que desfila desde 2015 na região da Cracolândia, com trabalhadores da região, usuários de drogas e militantes, próximo a estação Julio Prestes (Rovena Rosa/Agência Brasil)

AB

Agência Brasil

Publicado em 10 de fevereiro de 2018 às 15h10.

Os paulistanos já começaram a aproveitar o carnaval nesta sexta-feira (9) com os blocos que desfilaram pelo centro da cidade. O Blocolândia, que desfila desde 2015, ocupou as ruas do entorno da Estação Júlio Prestes, região da Cracolândia, no início da tarde.

"Eu vou te contar porque isso aqui tem uma grande participação na nossa vida: a gente se diverte, a gente esquece um pouco da droga. Você fica com amigos, você se sente uma pessoa acolhida. Isso que faz a grande diferença para um dependente químico, é você se sentir acolhido, não ser julgado, pressionado, sofrer uma opressão", disse Felipa Drumot, que morou na Cracolândia por três anos, já foi usuária de crack e hoje está há três meses sem usar drogas e morando fora das ruas com o companheiro.

"A gente se sente bem, alegre, é muito difícil você ver alguém triste, a gente se alegra, se contagia, começa a dançar, todo mundo vai pra lá e vem pra cá, é muito bom. Acho que o próprio governo deveria fazer isso pra gente, não vir atacar bomba e borracha na gente. Mas acho que isso [bloco] é bom para eles verem que aqui não é só droga, é diversão também, é alegria, é amizade, é família, é a diversidade e estamos juntos", acrescentou.

Por volta de 13h, trabalhadores da região, usuários de drogas e militantes se concentraram na rua Helvétia e percorreram as ruas próximas em uma "resistência brincante", exatamente na região em que houve disputas políticas e ações violentas por parte do estado durante o ano passado, além da mudança do programa municipal De Braços Abertos para o programa Redenção, o que gerou críticas de especialistas e ativistas.

Segundo os organizadores, que integram o coletivo Sem Ternos, o bloco tem o objetivo de reunir as pessoas "em uma ação que visa a desconstruir estigmas da população em situação de rua e dar visibilidade para a violência de Estado. Trata-se de incentivar ações de redução de danos, favorecendo a ocupação do espaço público e a participação política".

De acordo com Leôncio Nascimento, redutor de danos do Centro de Convivência É de Lei, o bloco carnavalesco vem resistir diante dessa realidade.

"A gente consolida esse espaço de resistência e de festa, porque, apesar de tudo que se fala a respeito da Cracolândia, isso aqui se configura como uma comunidade e, como dentro de qualquer comunidade, construir espaços para melhorar a convivência e, de alguma maneira, trazer algum bem-estar sempre foi uma das motivações [do bloco]. Então seguimos na mesma pegada de todos os anos: resistindo e agora festejando".

Integrante do coletivo A Craco Resiste, Rafael Escobar, disse que é importante lembrar que tem histórias de vida por trás dos moradores da região e não só o crack. "O pessoal fala muito sobre crack, falam que é só zumbi. O Blocolândia é a prova de que não é isso. Esse ano, em específico, a importância é lembrar que essa galera existe. É importante o Blocolândia estar lá entre os blocos oficiais do carnaval de São Paulo".

Infantil

Também no início da tarde, foliões se concentraram no entorno da Praça Rotary, centro da cidade, no Bloco das Emílias e Viscondes, pensado para as crianças. Com bonecos gigantes representando os personagens do Sítio do Picapau Amarelo, criação de Monteiro Lobato, o bloco percorreu as ruas em volta da praça. Segundo os organizadores, o objetivo é a preservação e resgate de uma tradição apoiada em festejos de rua, celebrando a literatura infantil e as marchinhas carnavalescas, com as crianças como protagonistas.

O bloco surgiu em 2006, em homenagem aos 70 anos da Biblioteca Monteiro Lobato, uma das parceiras na organização. No ano seguinte, o bloco comemorou os 90 anos da obra de Lobato "O inquérito do Saci". Após 12 anos de folia, o bloco continua atraindo os paulistanos, com destaques como a bateria formada por crianças, jovens e adultos, e o casal infantil de mestre-sala e porta-bandeira, vestidos de Emília e Visconde.

Levando a sobrinha Rosa, de nove anos, Paloma Franca Amorim pulou carnaval com o bloco. "Eu acho que tem um dado que é importante nesse bloco, que ele tem a ver com literatura, tem a ver com o imaginário. Embora tenha a ver com um imaginário controverso hoje em dia, que tenha questões [controversas] com Monteiro Lobato, ainda assim um [ponto] positivo é que as crianças estão vivendo uma realidade de personagens que abre a cabeça delas, para elas poderem imaginar mais", disse.

Cultura africana

Desde as 19h, o público já se concentrava na Praça da República para acompanhar o Bloco Afro Ilú Obá De Min, que é composto exclusivamente por mulheres ritmistas e leva influências afro-brasileiras para as ruas da capital paulista, incluindo a memória musical, corporal e artística existentes no candomblé, no jongo, no maracatu, na ciranda, além de outras expressões da cultura popular.

Desde 2005 desfilando nas ruas da capital e composto atualmente por 90 mulheres ritmistas e pelo Corpo de Dança Ilú Obá De Min, o bloco faz um cortejo nesta noite passando pela Avenida São Luís, ruas Xavier de Toledo, Praça Ramos, rua Conselheiro Crispiniano até chegar ao Largo Paissandu. O público aplaudia e cantava com o bloco, que trouxe também bailarinos em pernas de pau com fantasias carregadas de muitos detalhes representando orixás.

Este é o primeiro desfile de Sandra Oliveira Rodrigues de Brito no bloco, tocando o instrumento xequerê, mas ela já acompanhava e admirava o carnaval do Ilú Oba De Min. "Eu acompanho há alguns anos o trabalho e me emociono todas as vezes que eu acompanhava como público. [Escolhi participar ] pela proposta de mulheres tocarem para Xangô e para me envolver um pouco mais com a cultura afro".

A preparação do grupo ocorre desde outubro do ano passado, com ensaios na região central da cidade. "[A preparação] foi bem intensa, principalmente para mim, que não tinha nenhuma experiência, então tive que aprender a tocar, cantar, dançar, tudo que o grupo pede", disse orgulhosa do aprendizado. As mulheres que quiserem integrar o grupo de ritmistas do bloco no próximo carnaval podem encontrar informações no site http://iluobademin.com.br/.

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