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Ações isoladas ganham gravidade em contexto de plano de golpe, afirma professor da USP

Em entrevista à EXAME, Pierpaolo Cruz Bottini afirma que fatos isolados, como a suposta trama para assassinar Lula, Alckmin e Moraes, pode não ser considerada crime se analisada de forma isolada

Pierpaolo Cruz Bottini: criminalista afirma que fatos isolados podem parecer menos graves do que realmente são em uma trama golpista (Edilson Rodrigues/Agência Senado/Flickr)

Pierpaolo Cruz Bottini: criminalista afirma que fatos isolados podem parecer menos graves do que realmente são em uma trama golpista (Edilson Rodrigues/Agência Senado/Flickr)

André Martins
André Martins

Repórter de Brasil e Economia

Publicado em 24 de novembro de 2024 às 09h39.

Peças soltas de um quebra-cabeça podem parecer desconexas, mas, juntas, formam uma imagem clara. É nessa lógica que Pierpaolo Cruz Bottini, criminalista e professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP), avalia o inquérito da Polícia Federal (PF) que indiciou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e mais 36 pessoas pelos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa.

“Quando falamos de golpe de Estado, a linha entre planejamento e tentativa é mais tênue, porque envolve uma série de atos que, juntos, compõem a execução do crime”, diz em entrevista à EXAME.

Bottini ressalta que, embora ainda não tenha tido acesso ao inquérito de mais de 800 páginas enviado pela PF à Procuradoria-Geral da República (PGR), os fatos e relatórios já revelados pela imprensa indicam que os eventos precisam ser analisados em seu contexto completo.

Ele cita, por exemplo, que o plano revelado pela PF de assassinato do então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de seu vice Geraldo Alckmin e do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, analisado de forma isolada, pode não ser considerado um crime.

“Do ponto de vista do Direito Penal, há uma diferença entre atos preparatórios, que em geral não são puníveis, e a execução de um crime”, afirma.

PF afirma que investigados no inquérito tramaram um plano para assassinar Lula, Alckmin e Moraes ( Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil)

Outros episódios, como a reunião de Bolsonaro com embaixadores para questionar a segurança das urnas eletrônicas, a elaboração de uma minuta de decreto golpista e os acampamentos em frente aos quartéis são avaliados por Bottini como partes desse contexto mais amplo.

“É fundamental compreender os atos dentro de um contexto. Isoladamente, um evento como a reunião com embaixadores ou a redação de uma minuta de decreto pode parecer de menor gravidade. Mas, analisados em conjunto, eles indicam uma tentativa mais ampla de subverter a ordem democrática”, diz.

O ex-presidente Jair Bolsonaro foi um dos indiciados pela Polícia Federal (EVARISTO SA/AFP Photo)

Na entrevista, Pierpaolo Bottini destacou ainda que o fato de Alexandre de Moraes ser um dos alvos dos suspeitos e relator das ações deve ser questionado pelos investigados e avaliou a situação institucional em meio às investigações.

"As investigações e as ações judiciais em curso mostram que as instituições estão funcionando. O que é essencial é manter a vigilância constante e assegurar que os responsáveis por ameaças ou ações contra a democracia sejam devidamente investigados e julgados", afirma.

Veja a entrevista completa com Pierpaolo Cruz Bottini, criminalista e professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP)

Quais são as implicações jurídicas das revelações feitas pela Polícia Federal até agora?

A PF está conduzindo investigações complexas, que envolvem acusações gravíssimas, como a conspiração para assassinar um presidente e desestabilizar o regime democrático . Ainda não conheço todos os detalhes do relatório, mas sabemos que há evidências materiais, como documentos e mensagens, que reforçam os indícios de crimes graves. Do ponto de vista do Direito Penal, há uma diferença entre atos preparatórios, que em geral não são puníveis, e a execução de um crime. Quando falamos de golpe de Estado, a linha entre planejamento e tentativa é mais tênue, porque envolve uma série de atos que, juntos, compõem a execução do crime.

A investigação trata de um conjunto de ações articuladas. Isso fortalece o caso?

É fundamental compreender os atos dentro de um contexto. Isoladamente, um evento como a reunião com embaixadores ou a redação de uma minuta de decreto pode parecer de menor gravidade. Mas, analisados em conjunto, eles indicam uma tentativa mais ampla de subverter a ordem democrática. Cada envolvido deve responder pelos seus atos, mas o contexto é essencial para compreender a gravidade do que ocorreu.

Uma eventual anistia aos envolvidos nos atos antidemocráticos é juridicamente viável?

A anistia é uma prerrogativa do Congresso Nacional, e pode haver questionamentos judiciais sobre sua constitucionalidade. Contudo, em regra, o Legislativo tem ampla margem para concedê-la, salvo em situações muito específicas previstas na Constituição.

Há uma questão jurídica em torno da participação do ministro Alexandre de Moraes como relator, já que ele também foi alvo de ameaças?

Essa é uma discussão relevante e que já foi analisada em outros casos no STF. Em situações anteriores, o tribunal decidiu que não havia impedimento para ele atuar como relator. No entanto, isso pode voltar a ser debatido no futuro. O Supremo precisará avaliar se a atuação dele neste caso específico atende aos requisitos de imparcialidade.

O senhor acredita que mudanças na legislação são necessárias para lidar com ameaças como as investigadas?

Não vejo necessidade de mudanças. Já houve uma reforma do Código Penal que incluiu crimes contra a democracia , como os previstos na Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito. As investigações e as ações judiciais em curso mostram que as instituições estão funcionando. O que é essencial é manter a vigilância constante e assegurar que os responsáveis por ameaças ou ações contra a democracia sejam devidamente investigados e julgados.

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