A MP 927 e o grande debate: como atenuar os efeitos da quarentena?
Um país pobre e de economia informal como o Brasil aguenta os efeitos de um isolamento prolongado como o visto na Europa?
Lucas Amorim
Publicado em 23 de março de 2020 às 15h13.
Última atualização em 23 de março de 2020 às 16h03.
Num intervalo de poucas horas o governo editou, e depois revogou parcialmente, nesta segunda-feira uma medida provisória (MP) que esquentou um debate crescente entre economistas e gestores públicos. A MP 927 permitia aos empregadores suspender por até quatro meses os contratos de trabalho de seus funcionários sem pagar salário.
Era uma forma de atenuar o peso da crise provocada pelo coronavírus sobre os empresários – mas também transferia o ônus para os funcionários. A contrapartida, segundo escreveu o presidente, Jair Bolsonaro, viria de ajuda governamental – mas o mecanismo não estava no texto da lei.
Em uma transmissão ao vivo no site da EXAME, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que a medida provisória foi editada de maneira “capenga” e que causou “pânico”. O texto, publicado em edição extra do Diário Oficial neste domingo foi alterado no começo da tarde desta segunda-feira e o artigo que permitia a suspensão de contrato foi suspenso. Mas o debate está fervendo: como evitar que os efeitos do isolamento social provocado pelo coronavírus destruam as economias dos países?
O tema começou a ganhar corpo após um editorial publicado na quinta-feira pelo jornal americano Wall Street Journal com o título “Repensando a quarentena do coronavírus”. Segundo o jornal, se a quarentena imposta em boa parte dos Estados Unidos continuar por mais uma semana ou duas o custo humano de perda de empregos e de falências vai superar em muito o que os americanos imaginam”. Nos Estados Unidos, destaca o WSJ, a economia é primariamente privada, o que dificulta medidas de quarentena total, como na China, onde o estado tem mais ferramentas para manter a renda das famílias. Bancos de investimento calcularam em até 20% o recuo na economia americana no segundo trimestre.
No domingo, Thomas Friedman, influente colunista do jornal The New York Times, fez coro aos apelos do WSJ e defendeu uma abordagem mais cirúrgica no combate à pandemia. Para ele, faz sentido proteger e isolar os grupos de risco, mas dedicar ao resto da sociedade abordagens semelhantes às que são dedicadas a ameaças como a gripe.
Desde domingo, os artigos são compartilhados por economistas, investidores e empresários brasileiros. São Paulo, a cidade mais atingida do Brasil, afinal, vai começar duas semanas de quarentena nesta terça-feira, embora uma grande parcela de seus moradores já esteja de casa há uma semana.
Por aqui, o debate ganha uma problematização adicional: a economia informal e a pobreza são maiores que países que até aqui adotaram as quarentenas mais restritas, como China, Itália ou Espanha. Uma queda contundente na atividade econômica, portanto, deve deixar um número maior de afetados pelo caminho. Por outro lado, nosso sistema de saúde também está menos preparado que o de países como a Itália, o que faz com que a redução na velocidade do ritmo de contágio seja decisiva neste momento.
Com tudo isto na mesa, o que fazer? A certeza de que a economia deve estar presente na solução à crise do coronavirus será assunto obrigatório ao longo da semana. “Dois dias atrás era politicamente incorreto colocar essa questão. Estava todo mundo, com razão, desesperado com a questão humanitária, e falar do impacto econômico não era de bom tom. Isso está mudando“, diz Celso Toledo, economista da consultoria LCA. “Uma reação radical é natural, mas se o Brasil tomar esse medida vai gerar um baque econômico violentíssimo.
Se metade da atividade econômica parar por dois meses, calcula Toledo, o impacto no PIB já será de 4% ao final do ano. “O brasil tem PIB de 7 trilhões de reais. Precisaria de um pacote de 500 bilhões de reais só para acomodar o choque“, afirma. Até aqui o maior pacote anunciado pelo ministério da Economia para combater a crise é de 147 bilhões de reais.
“No limite, não adianta dar dinheiro para as pessoas se elas não tiverem o que comprar, se elas não tiverem como chegar ao restaurante ou supermercado. Podemos ter uma disrupção da oferta que leve até a uma convulsão social num país pobre como o Brasil. Estou pintando um cenário dramático, mas possível“, diz Toledo.
A solução? Para o economista, passa por comunicar bem à população o tamanho do problema, o que não tem acontecido em nível federal. Além disso, oferecer soluções que levem a economia em conta, com senso de urgência e de preocupação social. Sai muito mais barato que este impacto de centenas de bilhões de reais construir leitos, fabricar e importar equipamentos hospitalares, isolar as pessoas do grupo de risco.
“É preciso analisar de forma razoável, sem ideologia, sem ranço. Um país pobre como o Brasil pode não aguentar um lockdown como um país rico europeu“, diz Toledo.