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3 linhas de raciocínio sobre um eventual Trump brasileiro

Conversamos com três pesquisadores brasileiros sobre uma possível ascensão de um fenômeno semelhante ao de Donald Trump no Brasil. Veja as respostas

Donald Trump: para analistas, o Brasil ainda não tem as condições para a tempestade perfeita que repetiria fenômeno por aqui (Getty Images)

Donald Trump: para analistas, o Brasil ainda não tem as condições para a tempestade perfeita que repetiria fenômeno por aqui (Getty Images)

Talita Abrantes

Talita Abrantes

Publicado em 15 de novembro de 2016 às 06h00.

Última atualização em 15 de novembro de 2016 às 10h00.

São Paulo - Perguntamos para três especialistas se o Brasil poderia assistir a ascensão de um político com perfil semelhante ao do republicano Donald Trump, protagonista da surpreendente vitória na eleição presidencial americana. Eis as respostas.

Roberto Romano, professor emérito de ciências políticas da Unicamp

"Essa eleição do Trump não é inédita, nem sua propaganda.

Com o fracasso dos governos em cumprir políticas públicas, há populações cada vez mais insatisfeitas com os serviços do Estado. Junto a isso, a revolução tecnológica aumenta exponencialmente o exército de reserva de multidões que ficam fora do mercado de trabalho. Há ainda a questão da corrupção: a tese de que o Estado e a política são essencialmente corrompidos.

O que é genial na política dos anti-políticos é que eles encontraram uma solução muito simples: nós tiramos a gestão da coisa pública dos políticos [clássicos] para concedê-la a técnicos eficazes ou para populistas.

Essa estratégia tem seu início glorioso na Itália de Silvio Berlusconi. Com a Operação Mãos Limpas e o fracasso da democracia cristã, as populações da Itália estavam desempregadas e sem chances de entrar na revolução tecnológica. Berlusconi, então, se apresentou como um empresário bem sucedido. Claro que essa bravata não deu certo porque, sete meses depois que virou primeiro ministro, ele foi obrigado a sair por corrupção.

No Brasil, alguém que assumir esse modelo do [João] Doria, sobretudo se ele conseguir algumas vitórias em São Paulo, terá uma fórmula praticamente infalível.

Sobre o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC), eu acho muito precoce [acreditar em sua ascensão para as eleições de 2018]. Aqui, no Brasil,  não chegamos a esse ponto em que a escolha é entre a extrema direita ou nada. Você tem alternativas políticas, sim”.

Fernando Schüler, professor de ciências políticas do Insper

“O Trump é um fenômeno muito complexo. Fica difícil enquadrá-lo em uma categoria política de esquerda e direita. Ele reúne muitos elementos dispersos, por isso, é um fenômeno imprevisível.

Boa parte das propostas que ele tem para o campo econômico são tradicionalmente de esquerda: protecionismo econômico, antiglobalização, nacionalismo. De outro lado, ele aderiu a um certo conservadorismo comportamental, mas nunca foi um cristão fundamentalista.

Ele, realmente, tem o charme do outsider [alguém de fora da política]. Pelo fato de ser um ícone da comunicação e ter uma percepção muito acurada do gosto popular, conseguiu fazer um discurso mais próximo do senso comum americano. O establishment político democrata perdeu a mão do pensamento do cidadão comum que pagou uma parte da conta da globalização ao perder  emprego e ver empresas saírem dos Estados  Unidos.

Uma resposta mais imediata a esse problema é o retorno ao nacionalismo, que é uma resposta fácil para momentos de crise e que soa bem a uma parte da sociedade americana. O Trump soube expressar esse sentimento.

Todo fenômeno populista não pode se desvincular da atuação de seu personagem, do líder populista. Um fenômeno populista não é reproduzível. Da mesma forma que não existe o peronismo sem o Perón, não existe o trumpismo sem Trump.

O Bolsonaro, por outro lado, não é um outsider, um empresário, é um político de carreira há muito tempo.

No Brasil, há dois fenômenos. O primeiro é uma fragilização dos modelos de representação tradicional. Além disso, você tem o crescente peso do voto evangélico. Nos últimos anos, houve um avanço muito grande da chamada sociedade dos direitos e há uma reação do outro lado, que também é democrática.

A perspectiva para as eleições de 2018, contudo, não aponta para um outsider. O que nós vimos nas eleições municipais foi a vitória de um partido bastante tradicional, o PSDB, e de forças aliadas ao governo federal. Se houver esse descontentamento [como nos Estados Unidos], isso não apareceu nas urnas.”

Bernardo Conde, professor de Antropologia do Consumo da PUC-Rio

“Há uma queixa muito forte de uma grande parte da população americana com relação aos efeitos da globalização. Tradicionalmente, os democratas sempre tiveram uma posição mais cosmopolita, mais progressista e globalizante. Uma parcela do centro americano sofreu um revés com esse tipo de política. Por outro lado, quem se apresentou para se opor a Trump, a Hillary Clinton, não tinha o apelo político de mudança que essa parcela pedia.

Quanto ao Brasil, há uma crise de representatividade que se dá com o tempo. Se você fizer uma análise de comportamento, sociedade e cultura, verá que há ondas mais conservadoras e outras mais progressistas.

No fim da ditadura, você tem todo um movimento progressista de esquerda em que 90% do Congresso se denominava de centro-esquerda ou de esquerda — as pessoas tinham vergonha de dizer que eram de direita ou qualquer coisa que parecesse lembrar a ideia de Ditadura.

O ápice dessas questões progressistas se dá com a chegada ao poder de um PT mais moderado. Em reação, começa a surgir uma população conservadora que, de alguma maneira, estava retraída  e passa a ter representação.

O ciclo de conservadorismo no Brasil tem causas diferentes que o dos EUA porque a gente não sofre com a falta de trabalho por causa de imigrantes, a gente não sofre de um gasto público alto em função de imigrantes.

Há um descontentamento do americano branco do interior que está muito associado a uma sociedade que se globalizou demais no sentido econômico e cultural. É a mesma lógica do radicalismo islâmico que é uma contra-força à ocidentalização do mundo árabe.

Falando dos últimos 50 anos, toda vez que houve uma escassez na oferta de  trabalho, os imigrantes passam a ser um problema dentro daquela sociedade. Aqueles que são nacionalistas e xenófobos começam a ter uma força de discurso.

O Bolsonaro é aquele franco-atirador do filme “Um Dia de Fúria” em que as pessoas depositam nele uma imensa insatisfação com uma série de coisas. Mas ele tem um potencial limitado, fica nessa faixa de 10% e nunca vai sair disso.

No Brasil, nunca o discurso radical venceu. Sempre teve um percentual garantido de apoio, mas para vencer, precisa de uma proposta moderada."

 

 

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