O que os últimos 10 anos do agronegócio brasileiro têm a dizer sobre os próximos 10?
OPINIÃO | Hoje a discussão é sobre a expansão da agricultura digital para a transformação do relacionamento com o produtor
Sócio-líder para a Indústria de Consumer e líder para o setor de Agronegócio da Deloitte
Publicado em 2 de março de 2023 às 07h19.
Para esta primeira coluna fiz um experimento, perguntando ao ChatGPT: “Que tópicos do agronegócio interessariam ao leitor da Exame?”. Não surpreendentemente, os resultados foram: tendências de mercado, inovação e tecnologia, sustentabilidade, política pública e privada, financiamento e segurança alimentar.
Certo de que estes são itens fundamentais do interesse da indústria e de que há diversos colunistas hábeis nestes assuntos, me questionei o que eu sei que o ChatGPT não sabe.
Nos últimos 10 anos, tive o privilégio de atuar em todas as áreas operacionais das empresas que compõem a cadeia do agronegócio – da fazenda ao prato, incluindo as empresas do setor financeiro, de insumos e fabricantes de equipamentos.
Tecnologia, inovação, logística e Supply Chain (cadeia de suprimento), M&A (fusões e aquisições), reestruturação financeira, impostos, investimentos, estratégia comercial, desenvolvimento de produtos e experiencia do cliente são alguns exemplos dos projetos que me permitem perceber a evolução das discussões nos bastidores corporativos sobre o futuro do agronegócio brasileiro neste ano. E são estes tópicos que eu gostaria de trazer para discussão neste e em futuros textos.
A última década viu a ascensão da agricultura digital e a consolidação da promessa de aumento de produtividade e redução de custos como fator fundamental de valor para o produtor. Hoje a discussão é sobre a expansão da agricultura digital para a transformação do relacionamento com o produtor, seja na digitalização do relacionamento com parceiros técnicos e comerciais, seja na elaboração de serviços de Supply Chain mais próximos ao que vemos no varejo tradicional.
Mais mulheres e jovens até 29 anos no agro
Nos estudos que realizamos na Deloitte, observo também algumas mudanças importantes para os próximos 10 anos do agro brasileiro: crescimento da participação das mulheres e dos jovens de até 29 anos nas empresas e empreendimentos do setor. Pelo lado das mulheres, fica a discussão sobre a necessidade (ou facilidade) de as empresas fora do eixo Rio-São Paulo oferecerem um ambiente e políticas adaptadas a este público. Pelos jovens, perdura a discussão sobre modelos de gestão mais orientados a tecnologia e não raro a dificuldade no que se refere à sucessão. Fato é que os fornecedores do produtor devem ver grande mudança no modelo do comportamento de compra de seus clientes.
Ainda na questão geracional, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) apontava há alguns anos uma diminuição da população rural brasileira de 38.3 milhões de pessoas para 28.9 milhões entre 2000 e 2020. No mesmo período a área agrícola brasileira cresceu 5%, de 455 milhões para 477 milhões de hectares. Isto representa um crescimento de 37% na área agrícola por habitante rural, acompanhado pelo aumento da produção de soja em 300%, de 40 milhões de toneladas em 2000 para aproximadamente 120 milhões de toneladas em 2020. Um milagre da tecnologia de solo, de sementes, de manejo agrícola e certamente do digital; afinal, como expandir em área e produtividade com menos gente? Para 2022, o IBGE prevê a população rural em 33.3 milhões de habitantes, em parte refletindo o interesse das novas gerações em manter-se no campo, talvez pela digitalização e desenvolvimentos das cidades-polo do agronegócio brasileiro.
Novas possibilidades de financiamento
Outro assunto recorrente do setor é o financiamento das operações agrícolas, que historicamente tem sido uma dificuldade geral do produtor brasileiro apesar da alta das commodities nos últimos anos. Aqui, percebe-se uma expansão dos agentes financiadores do mercado, seja no âmbito das fintechs do agro, no aumento da parcela de operações de barter (pagamento pelo insumo através da entrega do grão na pós-colheita, sem a intermediação monetária) feitas por tradings e fornecedores de insumos, assim como no interesse dos bancos em expandir sua carteira junto com a melhoria dos aspectos de governança, sustentabilidade e gestão das empresas agrícolas.
É inegável a continuidade da contribuição do agro brasileiro para o mundo. E com os avanços atuais ganham todos.