Frigorífico: o Brasil exportou 3,15 milhões de toneladas de carne bovina, gerando US$ 16,18 bilhões. Desse total, 1,52 milhão de toneladas (48,3%) tiveram como destino a China (Erlon Silva - TRI Digital/Getty Images)
Repórter de agro e macroeconomia
Publicado em 31 de dezembro de 2025 às 09h32.
O Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) reagiu com cautela à decisão da China, anunciada nesta quarta-feira, 31, de impor uma tarifa adicional de 55% sobre as importações de carne bovina que ultrapassarem cotas pré-estabelecidas a partir de 2026.
Segundo Luis Rua, secretário de Comércio e Relações Internacionais da pasta, a abertura de uma investigação de salvaguarda pelo governo chinês já indicava que haveria algum tipo de contenção nas importações, para proteger a produção doméstica.
“Quando se abre uma investigação de salvaguarda, o objetivo é justamente conter importações e fortalecer a produção interna. Uma redução de volume era esperada”, disse Rua à EXAME.
Segundo ele, o foco do Brasil foi preservar sua participação percentual nas compras chinesas, mais do que manter os volumes excepcionais registrados recentemente.
No fim de 2024, a China abriu uma investigação para avaliar o impacto das importações de carne bovina no mercado doméstico. O processo cobre o período de 1º de janeiro de 2019 a 30 de junho de 2024, segundo comunicado oficial.
Nesse recorte, o Brasil respondeu por cerca de 44% das importações de carne bovina, enquanto em 2025 esse número chegou perto de 50% em função do tarifaço dos Estados Unidos, que fez o Brasil diversificar seus mercados.
“O ano de 2025 foi atípico, marcado por um aumento de embarques decorrente do tarifaço. A China preferiu desconsiderar esse pico”, afirmou.
Nesta quarta, a China anunciou que a cota total de importação de carne bovina para 2026 será de 2,7 milhões de toneladas.
O Brasil ficou com a maior fatia, 41,1% do total (cerca de 1,1 milhão de toneladas), seguido por Argentina (19%), Uruguai (12,1%), Austrália (205 mil toneladas) e Estados Unidos (164 mil toneladas) — volumes excedentes estarão sujeitos à tarifa adicional de 55%.
De janeiro a novembro de 2025, o Brasil exportou 3,15 milhões de toneladas da proteína, gerando US$ 16,18 bilhões. Desse total, 1,52 milhão de toneladas (48,3%) tiveram como destino a China, o que representou quase metade da receita do período, segundo dados da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec).
Diante da nova política, Rua afirmou informou que está analisando detalhadamente os documentos divulgados por Pequim.
O secretário destacou que o Acordo de Salvaguardas da Organização Mundial do Comércio (OMC) prevê a possibilidade de compensações, dependendo do impacto sobre os países exportadores.
“Vamos fazer essa análise técnica e, se necessário, recorrer aos fóruns internacionais ou aprofundar o diálogo bilateral com a China”, disse.
Entre os pontos a serem discutidos está o tratamento das cargas já embarcadas. “Muita carne saiu do Brasil em dezembro e só chegará à China em janeiro. Vamos avaliar se esses volumes podem ser excluídos da nova cota, considerando apenas embarques realizados após 1º de janeiro”, disse.
Rua reconheceu que se trata de uma decisão soberana da China, com validade até 31 de dezembro de 2028, mas ressaltou que há margem para negociação. “Agora, vamos avaliar o que é possível fazer para buscar alternativas e ajustes”.
A decisão de impor a medida de salvaguarda atendeu a uma solicitação da Associação Chinesa de Agricultura Animal (CAAA), que representa os interesses da indústria local.
A entidade argumenta que o crescimento das importações tem causado prejuízos significativos à cadeia doméstica de carne bovina, impactando diretamente sua saúde financeira.
Criadores de gado, associações setoriais e especialistas afirmam que a presença crescente da carne estrangeira no mercado doméstico tem comprimido as margens de lucro, gerado prejuízos generalizados e ameaçado a sustentabilidade da cadeia produtiva local, segundo reportagem do jornal chinês Global Times.
Diante desse cenário, representantes do setor pediram a adoção imediata de medidas de salvaguarda até o fim de 2025, para estabilizar o mercado e proteger a renda dos produtores locais.
Segundo Liu Qiangde, vice-secretário-geral da Associação Chinesa de Agricultura Animal (CAAA), o setor de criação de bovinos acumula perdas desde 2023, na maioria em função ao crescimento das importações.
“Muitos criadores foram forçados a abater vacas reprodutoras para reduzir custos”, disse Liu em entrevista ao jornal.
Criadores relatam que, com o avanço da carne importada, os preços dos bezerros caíram, reduzindo drasticamente a rentabilidade da criação de matrizes.
Um produtor da região de Tacheng, em Xinjiang, afirmou ao jornal que, após uma breve recuperação no início de 2025, os preços voltaram a cair rapidamente, com bezerras vendidas entre 3.000 e 4.000 yuans (cerca de R$ 3 mil a R$ 4 mil).
O aumento dos custos de alimentação antes do inverno agravou ainda mais o quadro, levando muitos pecuaristas a tentar vender os animais sem sucesso, em razão dos preços baixos.
“Alguns perderam a confiança no mercado, deixaram de repor o rebanho e aceleraram a redução do plantel”, disse o produtor, defendendo a adoção urgente de medidas de proteção.
Nos últimos anos, as importações chinesas de carne bovina cresceram de forma expressiva, com alta acumulada de 73,2% entre 2019 e 2024. Nesse período, os preços da carne importada chegaram a ficar mais de 50% abaixo dos praticados no mercado interno, diz a CAAA.
Segundo a entidade, o número de vacas reprodutoras no país caiu 3% em 2024. Já as empresas de abate domésticas relataram prejuízos de 500 a 1.000 yuans (aproximadamente R$ 400 a R$ 800) por cabeça abatida.