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Da Redação
Publicado em 30 de outubro de 2008 às 18h52.
A indústria nacional de eletroeletrônicos quebrou um recorde em 2007. Pela primeira vez, o brasileiro comprou mais computadores do que aparelhos de televisão: 10 milhões de PCs ante 9,5 milhões de TVs. A base de computadores em operação no Brasil chegou a 40 milhões no ano passado, um cenário praticamente impensável para um país que até uma década atrás tinha apenas 7 milhões de máquinas, segundo dados da Fundação Getúlio Vargas. O ciclo virtuoso dos computadores, que teve o ápice em 2007, começou há três anos e foi motivado por uma combinação de fatores: crédito amplo e dólar em queda. O pontapé inicial para a popularização aconteceu em 2005, com a medida provisória 252 - batizada de MP do Bem -, que cortou impostos e reduziu os preços dos computadores em até 9%. Na seqüência, a possibilidade de financiamentos extensos e a queda na cotação do dólar - que determina o preço de cerca de 80% das peças de um computador - tornou os equipamentos mais acessíveis para boa parte dos consumidores do país, inclusive da classe C, praticamente excluída desse mercado até então. Mas os bons ares que incluíram mais brasileiros na era da computação e puxaram alta da indústria de eletrônicos - que cresceu 7,3% e faturou 111,7 bilhões de dólares em 2007 - são incertos para o fim deste ano. E para o início do próximo também.
A Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) indica que a crise que atinge os mercados globais respinga nos dois atributos que mais movimentaram o setor nestes últimos tempos. Inevitavelmente haverá uma diminuição no ritmo de atividade industrial com a alta nos preços trazida pelo dólar. Esse setor tem uma grande quantidade de insumos importados e é bastante vulnerável à restrição do crédito, diz Humberto Barbato, presidente da Abinee. Os preços deverão passar por ajustes já nas próximas semanas em decorrência da valorização do dólar, segundo os especialistas, interrompendo uma trajetória expressiva de queda nos últimos anos. Um modelo intermediário de mesa, que custava 1 669 reais no primeiro trimestre de 2006, no início deste ano, havia baixado para cerca de 1 495 reais, segundo a consultoria IT Data. Entre os portáteis, os números foram ainda mais gritantes. Um notebook, que custava 4 807 reais há dois anos, caiu para 2 147 reais, nesse mesmo horizonte de tempo. Depois de um período expressivo de queda, é provável que os preços desses equipamentos subam entre 15% a 20% até o final do ano, diz Ivair Rodrigues, diretor geral da IT Data.
A justificativa principal está na taxa de câmbio utilizada pelos fabricantes para comprar os componentes necessários para essas máquinas e repassadas aos varejistas. Os equipamentos que estão no mercado hoje levaram em consideração o dólar a 1,70 real. Com a moeda passando de 2 reais, o reajuste será inevitável, afirma.
O momento é especialmente delicado porque as redes de varejo estão fazendo as encomendas para o Natal. O prazo médio entre uma encomenda das lojas até o equipamento estar disponível nas prateleiras é de cerca de 30 dias. Assim, com os pedidos feitos ao novo câmbio, a maior probabilidade é de que os equipamentos estejam mais caros na época mais lucrativa do ano para o varejo. A Abinee é cautelosa ao fazer projeções, mas acredita que, se as instabilidades persistirem, a indústria de eletroeletrônicos - que tem quase 30% de seu faturamento procedente de equipamentos de informática - não atingirá o crescimento de 11% esperado para 2008, a 124 bilhões de dólares. Da mesma forma, as vendas dos computadores não chegarão a 13 milhões de unidades, conforme previsto. As áreas mais comprometidas serão aquelas de produtos destinados ao consumo popular, como informática, telecomunicações e eletrodomésticos, diz Barbato.
A maioria dos fabricantes de equipamentos como telefones celulares ou mesmo computadores prefere não comentar o momento de incertezas que vive a indústria. No entanto, essas empresas tentam responder à pergunta com qual dólar negociar? para a compra de componentes para montar seus equipamentos e a que preço vendê-los ao varejo. Algumas, como a Semp Toshiba, tomaram medidas drásticas na segunda semana do mês de outubro, como suspender as vendas dos produtos em virtude da oscilação do câmbio. Já a Positivo Informática decidiu reajustar os preços em até 15% para tentar reduzir a disparidade. Além de viver o dilema do dólar, a Positivo tem enfrentado uma de suas piores fases desde a abertura de capital, em 2006, com as ações derretendo na Bolsa. Os papéis, que eram cotados a cerca de 47 reais há 12 meses, chegaram a 3,40 reais nas primeiras semanas do mês.
A Positivo é uma empresa voltada ao varejo, que é absolutamente sensível a crédito e preço. Ela está vivendo a reversão dos fatores que a fizeram crescer nos últimos tempos, diz Luciana Leocádio, chefe de análise da Ativa Corretora. A corretora, que havia estabelecido o preço-alvo das ações da Positivo, em maio, em 33 reais, ainda não fez revisões em virtude das oscilações do mercado, mas acredita que dificilmente o patamar anterior será mantido.
Mas se o cenário não é dos mais otimistas especialmente para os fabricantes de eletrônicos de consumo, para os exportadores, um ajuste no câmbio pode ser benéfico. Entre alguns setores que sofriam com o real desvalorizado e que perderam em exportações ao longo dos últimos dois anos estão, sobretudo, material elétrico de instalação - que viu suas vendas externas recuaram 6% entre 2006 e 2007 -, equipamentos de informática, com queda de 17%, e telecomunicações, com 20% de redução. Esses declínios contribuíram para que o volume total de eletroeletrônicos exportados ficasse praticamente estagnado, no ano passado, em 9,3 bilhões de dólares. Por outro lado, a valorização abrupta do dólar em momentos de crise não pode ser considerada positiva, especialmente porque diante das instabilidades globais, os compradores em potencial dos fornecedores do Brasil ficam reticentes em fazer seus pedidos.
Não somos felizes sozinhos. Seria bom que o dólar chegasse a 2,53 reais, mas com a economia funcionando. Com o cenário atual, o cliente não está comprando. A moeda está valorizada, mas é um cenário irreal para o exportador, diz Barbato, da Abinee. Segundo ele, uma taxa de dólar entre 2,10 e 2,15 reais seria aceitável para um exportador garantir a competitividade dos investimentos.
O Brasil é hoje o quinto maior mercado de computadores em 2007, atrás apenas de Estados Unidos, China, Japão e Reino Unido, segundo a consultoria IDC. Até 2010, as perspectivas são de que o país assuma a terceira colocação. Para subir no ranking dentro desse horizonte de tempo, é necessário ao menos que o país continue com o mesmo ritmo verificado nos últimos anos, de mais de 20% ao ano. O cenário para o próximo ano, a um do cronograma estipulado, não é dos melhores. Embora analistas não arrisquem falar em números, é consenso de que o patamar do dólar vai estar acima do que se viu ao longo de 2007 e, inevitavelmente, haverá um consumo menor do que aquele que a indústria de PCs estava acostumada. Em meio a nuvens tão densas, porém, existe a percepção de que a compra de equipamentos de informática, ainda que seja abatida relativamente pelos respingos da crise, já é tendência disseminada no Brasil. Poderá sim, ficar um pouco aquém do ritmo de crescimento verificado nos últimos anos, mas não deverá recuar. Não acabou o ciclo virtuoso dos PCs. É possível que a indústria não cresça como vinha acontecendo há anos, mas o assunto continuará em pauta. Nunca houve um interesse tão grande em tecnologia, assinala Rodrigues, da IT Data. Talvez as restrições de crédito e dólar em elevação freiem a escalada do Brasil rumo ao terceiro lugar do ranking de PCs no prazo esperado. Mas essa é apenas uma questão de tempo e não de tendência de mercado.