Tecnologia

Software identifica espécies de animais pelo som que emitem

Cientistas estão desenvolvendo tecnologia para a identificar espécies pela vocalização, como o canto de pássaros, o coachar de sapos ou o cricrilar de insetos


	Pássaros: cada espécie de animal possui uma vocalização específica e “canta” sempre com um padrão de determinadas frequências
 (Alberto Paroni / SXC)

Pássaros: cada espécie de animal possui uma vocalização específica e “canta” sempre com um padrão de determinadas frequências (Alberto Paroni / SXC)

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Da Redação

Publicado em 9 de março de 2015 às 10h42.

Biólogos que realizam estudos em campo, voltados à identificação de espécies de animais, poderão contar, em breve, com uma nova ferramenta computacional.

Pesquisadores da Fonoteca Neotropical Jacques Vielliard (FNJV) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em colaboração com colegas dos Laboratórios de História Natural de Anfíbios Brasileiros (LaHNAB) e de Sistemas de Informação (LIS) da mesma universidade, estão desenvolvendo um software para a identificação de espécies de animais pela vocalização, como o canto de pássaros, o coachar de sapos ou o cricrilar de insetos.

Resultado do projeto de pesquisa “NavScales: navegando através de escalas no espaço, tempo e domínios do conhecimento”, realizado com apoio da FAPESP no âmbito de um acordo de cooperação com a Microsoft Research, e coordenado por Claudia Maria Bauzer Medeiros, professora do Instituto de Computação da Unicamp, a versão beta (em fase de desenvolvimento) do software – batizado de Wildlife Animal Sound Identification System (WASIS) – pode ser baixada gratuitamente.

“A ideia é que o software seja utilizado tanto por pesquisadores, para a identificação de espécies em campo, como por consultores ambientais, que precisam fazer levantamentos de espécies de animais presentes em uma determinada área, ou ainda pelo público leigo apreciador dos cantos dos animais”, disse Luís Felipe Toledo, professor do Instituto de Biologia da Unicamp e um dos participantes do projeto.

De acordo com o pesquisador, que também é curador da fonoteca, cada espécie de animal possui uma vocalização específica e “canta” sempre com um padrão de determinadas frequências (do grave ao agudo) e potência (volume) em um tempo determinado.

“Isso é resultado da seleção natural e sexual. Há animais que só cantam na faixa de frequência de 2 quilohertz (kHz), enquanto outros emitem sons sempre na faixa de 4 kHz”, comparou.

Com base nesses dois parâmetros – potência e frequência –, o software consegue distinguir vocalizações de diferentes espécies, como pássaros, anuros e insetos, entre diversos outros.

Comparação de registros

Para fazer o reconhecimento da espécie, o software carrega um arquivo de áudio de vocalização de um animal captado por um pesquisador em uma pesquisa em campo, por exemplo.

Em seguida, o sistema computacional seleciona as faixas de frequência do arquivo e verifica o maior pico de potência em cada uma delas.

Por fim, o software armazena essas faixas de frequência selecionadas e as compara com registros de vocalização de animais armazenados um banco de dados que está sendo construído a partir do acervo da FNJV.

Por meio de análises de correlação, o sistema indica se o arquivo de áudio analisado tem semelhanças com algum registro de vocalização de animal no banco de dados.

“O software indica qual a probabilidade de um registro de áudio de animal ser semelhante a um registro de vocalização já catalogado no banco de dados”, explicou Toledo.

A fim de facilitar o trabalho de identificação da espécie, o usuário pode estabelecer filtros de comparação. Se o usuário acha que o áudio registrado é de vocalização de um pássaro, por exemplo, ele pode solicitar que o software compare o arquivo apenas com os registros de vocalizações de aves presentes no banco de dados.

Se não tiver ideia do animal que emitiu o som, porém, ele pode solicitar que o software compare o arquivo com todos os registros existentes na base de dados.

“O software também possui um filtro de local da gravação, porque é sabido que um animal de uma determinada localidade vocaliza de uma forma diferente de outros animais de outra região”, disse Leandro Tacioli, técnico da FNJV e participante do projeto de desenvolvimento do software.

“Esse dado pode auxiliar e refinar a busca”, afirmou Tacioli, que realiza treinamento técnico com Bolsa da FAPESP.

A versão beta do software está disponível apenas para o sistema operacional Windows, mas ainda neste semestre os pesquisadores deverão lançar uma versão 1.0 final que rodará também em Linux e Mac OS. Atualmente, o banco de dados da versão beta do software possui cerca de 200 vocalizações do acervo da FNJV.

A ideia é adicionar periodicamente novos registros à fonoteca. “Estamos em um processo de alimentação do banco de dados com novos registros, que é um trabalho que demanda muito tempo”, afirmou.

“Precisamos ouvir o áudio, verificar se a qualidade dele é boa, antes de inserir no banco de dados”, contou Tacioli.

Auxilio à pesquisa

O software também poderá auxiliar o trabalho de identificação de espécies de animais pela vocalização realizado pelo pesquisadores e técnicos da FNJV.

O acervo da FNJV – a maior fonoteca da América do Sul e uma das sete maiores do mundo – reúne mais de 30 mil arquivos de vocalizações de animais já digitalizados e protegidos.

Além desses 30 mil registros, feitos em grande parte a partir dos anos 1960 pelo ornitólogo francês Jacques Vielliard – pioneiro da bioacústiva no Brasil, falecido em 2010, que era professor da Unicamp e dá nome à fonoteca –, a FNJV também possui mais 10 mil arquivos de áudio para serem digitalizados e incorporados à coleção.

“Temos muitos registros de difícil identificação, porque não dispomos de dados como a espécie, a data, a hora e o lugar onde foram coletados”, disse Tacioli. “O software pode facilitar esse trabalho de identificação e auxiliar a identificação de espécies em gravações feitas hoje por pesquisadores em trabalho de campo”, afirmou.

Segundo ele, há muitos pesquisadores que deixam gravadores autônomos na mata durante a realização de estudos em campo, que ficam ligados durante dias a fio.

Escutar toda a gravação para tentar identificar vocalizações de animais é um trabalho que demanda muito tempo. “O software poderia carregar o arquivo de áudio e varrê-lo, identificando eventuais vocalizações por faixas”, avaliou.

O software deverá ser utilizado em um projeto que os pesquisadores da FNJV estão iniciando com o intuito de reunir cantos de anfíbios do mundo inteiro para tentar estabelecer a filogenia (relação evolutiva) desse grupo de animais.

“Esse trabalho só é possível tendo coleções ricas e bem diversificadas”, disse Toledo.

Depósito em coleções

No fim de janeiro, o pesquisador, junto com Cheryl Tipp, curadora de sons de vida selvagem e meio ambiente da British Library, de Londres, e Rafael Márquez, pesquisador do Museo Nacional de Ciencias Naturales de Madri, na Espanha, publicaram uma carta na revista Science reivindicando que os registros audiovisuais de animais sejam depositados em coleções científicas a fim de preservar e possibilitar o acesso a eles.

Quando um pesquisador descreve um nova espécie, ele é obrigado a coletar o animal na natureza e depositá-lo em um museu de zooologia.

Ao publicar trabalhos sobre sequências do DNA de um organismo, como o de um animal ou vegetal, ele precisa publicar os dados on-line, em bases de acesso aberto como o GenBank – banco de dados de sequências genéticas dos National Institutes of Health (NIH), dos Estados Unidos.

Esse tratamento, contudo, não é exigido para registros audiovisuais de animais, como gravações de cantos ou filmes e fotos, que são tão importantes como esses outros dados, comparou Toledo.

“Estamos sugerindo que os editores das revistas científicas passem a exigir o depósito de registros audiovisuais realizados durante as pesquisas em fonotecas, museus ou qualquer banco de dados de acesso aberto on-line, para possibilitar o acesso a esses dados”, afirmou.

No passado era mais difícil armazenar e compartilhar registros audiovisuais porque os arquivos eram pesados e demandavam muitos megabytes para serem mantidos em bancos de dados.

Atualmente, porém, é possível digitalizar os arquivos e enviá-los mais facilmente a uma fonoteca, como a FNJV, ou para um museu, a fim de serem catalogados e incorporados às coleções.

“Ao ser depositado em uma fonoteca, o registro audiovisual não somente fica preservado como permanece à disposição para a consulta da comunidade científica”, afirmou Toledo.

“Esses registros audiovisuais geram dados importantes e são de fundamental importância tanto para a conservação como para o avanço do conhecimento sobre a biodiversidade”, avaliou.

A versão beta do software WASIS pode ser baixada do site do LaHNAB em http://www.naturalhistory.com.br/wasis.html.

A carta The value of audiovisual archives (doi: 10.1126/science.347.6221.484-b), de Toledo e outros, pode ser lida na revista Science em http://www.sciencemag.org/content/347/6221/484.2

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