Tecnologia

Sensor identifica insetos pelo batimento das asas

Desenvolvido na USP, dispositivo identifica mosquitos transmissores da dengue e febre amarela, além de pragas agrícolas, de forma mais rápida, barata e precisa


	Malária: sinais extraídos pelo sensor são filtrados e amplificados por meio de uma placa de circuitos eletrônicos
 (James Gathany / CDC/Reprodução)

Malária: sinais extraídos pelo sensor são filtrados e amplificados por meio de uma placa de circuitos eletrônicos (James Gathany / CDC/Reprodução)

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Da Redação

Publicado em 7 de julho de 2014 às 11h07.

São Paulo – Os serviços de vigilância à saúde de países como o Brasil poderão contar em alguns anos com uma tecnologia para identificar focos de mosquitos transmissores de doenças como a dengue, a malária e a febre amarela, de forma mais rápida, barata e precisa.

Um grupo de pesquisadores do Laboratório de Inteligência Computacional do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da Universidade de São Paulo (USP), campus de São Carlos, desenvolveu – em parceria com colegas do Bourns College of Engineering da University of California Riverside (UCR) e da filial norte-americana da empresa brasileira Isca Tecnologias – um sensor capaz de identificar e quantificar automaticamente diferentes espécies de insetos voadores causadores de doenças ou pragas agrícolas.

Resultado de um projeto realizado com apoio da FAPESP, da Fundação Bill & Melinda Gates e da Vodafone Americas Foundation, o sensor foi descrito em um artigo publicado na edição de junho do Journal of Insect Behavior.

“O sensor permite monitorar populações de insetos nocivos à saúde humana ou que causam danos à agricultura e ao meio ambiente de uma forma muito mais rápida, precisa e inteligente”, disse Gustavo Enrique de Almeida Prado Alves Batista, professor do ICMC e coordenador do projeto, à Agência FAPESP.

“Em vez de pulverizar inseticida sobre toda uma região onde se estima que uma determinada espécie de inseto voador nocivo à saúde ou às lavouras esteja presente, é possível aplicá-lo somente nas áreas identificadas como focos do inseto pelo sensor”, avaliou.

O aparelho começou a ser desenvolvido em 2010, quando Batista iniciou o pós-doutorado na UCR, com Bolsa da FAPESP, e uma colaboração com o grupo de Eamonn John Keogh, professor de Ciência da Computação da universidade norte-americana, e com Agenor Mafra-Neto, pesquisador principal da Isca Tecnologias.

Na época, Keogh estava interessado em desenvolver um sistema de classificação automática de insetos baseado em técnicas de reconhecimento de voz e aprendizado de máquina – área da inteligência artificial voltada ao desenvolvimento de algoritmos (sequências de comandos) e técnicas que permitem ao computador aperfeiçoar seu desempenho na execução de tarefas.

A solução desenvolvida por Batista em parceria com o grupo de Keogh foi um sensor a laser baseado na análise da frequência sonora do batimento de asas de insetos durante o voo.

“Os insetos voadores batem as asas em velocidades diferentes, de acordo com seu tamanho e outras características morfológicas, e em frequências sonoras que variam tipicamente entre 100 e 1.500 Hertz”, explicou Batista.

“Nossa ideia foi desenvolver um sistema que identificasse a frequência sonora em que diferentes insetos voadores batem as asas, além de outros dados, para classificá-los”, disse.

Funcionamento do sensor

O sensor desenvolvido pelos pesquisadores é composto por um feixe de laser de baixa potência direcionado para uma matriz com uma série de fototransistores – como uma ponteira a laser apontada para uma parede.

Ao voar entre o feixe de laser e a matriz com fototransistores, as asas de um inseto voador bloqueiam parcialmente e causam pequenas variações na luz.

As oscilações na luz provocadas pelas asas do inseto voador são capturadas pela fototransistor matriz como sinais similares aos de áudio – como os capturados por um microfone convencional, com a diferença de que não são originários de variação nas ondas sonoras, mas da variação da luz.

Os sinais extraídos pelo sensor são filtrados e amplificados por meio de uma placa de circuitos eletrônicos. Com um gravador de som digital conectado à saída da placa é possível registrar os sinais em arquivos de áudio e transferi-los para um computador a fim de analisá-los

“Cada espécie de inseto voador produz um sinal ligeiramente diferente da outra. Isso possibilita comparar computacionalmente os sinais de cada uma das diferentes espécies”, disse Batista.

Os dados para calibração e classificação de espécies pelo sensor foram coletados por meio da colocação dos insetos em caixas de acrílico contendo sensores acoplados e com luminosidade, temperatura e umidade controladas.

Cada uma das caixas com o sensor recebeu dezenas de insetos voadores pré-classificados como pertencentes a uma única espécie. Entre elas os mosquitos Aedes aegypti (transmissor da dengue e da febre amarela), Anopheles gambiae (vetor da malária), Culex quinquefasciatus (vetor da filariose linfática) e Culex tarsalis (vetor da encefalite de Saint Louis e da encefalite equina ocidental), além das espécies de mosca Drosophila melanogaster (conhecida popularmente como mosca da banana), a Musca domestica, a Psychodidae dípteros (conhecido como mosca do banheiro), o escaravelho Cotinis mutabilis e a abelha Apis mellifera.

Após 15 dias de coletas de dados, os pesquisadores registraram os sinais gerados pela simples passagem dos insetos pelo feixe de laser do sensor dentro das caixas acrílicas, descartando qualquer ruído de fundo. Os sinais obtidos pelos sensores nas diferentes caixas com insetos foram gravados misturados em um único arquivo.

Ao submeter o arquivo de áudio para análise de um software com um algoritmo de classificação, também desenvolvido pelos pesquisadores, o sistema computacional foi capaz de diferenciar e identificar as espécies de insetos com uma porcentagem de acerto que variou entre 98% e 99%.


“Atualmente só estamos explorando a frequência de batimento de asas e outros atributos intrínsecos ao sinal no sensor”, disse Batista. “Há outras variáveis que podem ser adicionadas para melhorar ainda mais a taxa de sucesso do sensor na identificação de espécies de insetos.”

Entre essas variáveis estão o momento durante o dia em que os insetos voam, além da temperatura, pressão e umidade do ar ambiente – os três fatores meteorológicos que mais afetam a atividade dos insetos.

Estima-se que a elevação da temperatura provoque mudanças no metabolismo e aumento da frequência de batimento de asas dos insetos, contou Batista.

Por meio de uma pesquisa realizada pelo doutorando Vinícius Mourão Alves de Souza, também com Bolsa da FAPESP, os pesquisadores estudam como o sinal obtido pelo sensor varia conforme as condições ambientais em que estão os insetos. “Queremos avaliar como o sensor funciona sob diferentes condições de temperatura, umidade, e pressão do ar”, disse Batista.

Já por meio de uma pesquisa realizada por Diego Furtado Silva, também com Bolsa da FAPESP, os pesquisadores extraíram outros dados (atributos) dos sinais que podem fornecer mais informações além da frequência de batimento de asas.

“Estamos utilizando uma série de técnicas baseadas principalmente em reconhecimento de voz para extrair melhores atributos do que somente a frequência do batimento de asas”, contou Batista.

Armadilha inteligente

O sensor a laser foi utilizado em um protótipo de armadilha inteligente desenvolvida pelos pesquisadores do ICMC em colaboração com a filial da Isca Tecnologias em Riverside.

O dispositivo é capaz de identificar insetos voadores em tempo real, por meio do sensor de laser, capturar espécies-alvos, como as transmissoras de doenças ou pragas agrícolas, e permitir que outros insetos não-nocivos, como abelhas e outros insetos polinizadores ou fontes de alimentos para outros animais, sejam lançados de volta para o meio ambiente.

“Desde que começamos a desenvolver o sensor já tínhamos a ideia de utilizá-lo em uma aplicação prática, como uma armadilha inteligente de insetos”, disse Batista.

A armadilha tem formato cilíndrico e é composta por um tubo de ABS com o sensor a laser acoplado em sua entrada e a um saco coletor em sua saída – como um aspirador de pó.

O equipamento conta com uma válvula na entrada que libera dióxido de carbono – substância capaz de atrair as fêmeas de muitas espécies de mosquitos.

Ao voar diante da entrada da armadilha, o inseto é sugado por um fluxo de ar gerado por uma ventoinha como a de um computador em direção a uma câmara onde está o sensor a laser para ser classificado.

Se identificado como espécie não nociva, uma porta de saída é aberta e o inseto é empurrado para fora da armadilha por meio da inversão da direção do fluxo de ar.

Já se for identificado como espécie nociva, o inseto é empurrado pelo fluxo de ar para o saco coletor, onde fica retido em um papel adesivo semelhante ao utilizado nas armadilhas adesivas convencionais que não são seletivas – ou seja, capturam todas as espécies de insetos, inclusive as não nocivas.

“A armadilha permite identificar e quantificar com maior facilidade e precisão a presença de insetos indesejáveis em uma determinada área”, avaliou Batista.

“Desta forma, é possível monitorar em tempo real a população de insetos nocivos em uma determinada região e reportar esses dados por meio de redes sem fio para as agências de vigilância sanitária”, afirmou.

Baixo custo

Os pesquisadores estimam que o sensor tem potencial para ser amplamente utilizado em razão do baixo custo de produção – menos de R$ 30 – e por ser alimentado por energia solar ou uma bateria.

Na área da saúde, uma das principais aplicações pode estar no combate aos mosquitos do gênero Anopheles, vetores da malária, e do gênero Aedes, transmissores da dengue e da febre amarela.

Um das principais estratégias para combater a dengue, segundo Batista, é acompanhar os casos de notificação da doença para estimar os possíveis focos do mosquito transmissor e, posteriormente, realizar ações de pulverização de inseticida e conscientização da população. O problema, de acordo com ele, é que o tempo para a notificação da doença e a implementação da campanha é muito longo.

“Esse intervalo entre a notificação da doença e o início da campanha de pulverização pode ser de duas a três semanas ou mais. Isso representa mais do que o tempo de vida de um mosquito adulto”, afirmou.

“A vantagem do sensor que desenvolvemos é que ele permite identificar onde o inseto está presente e estimar a população dele em tempo real”, avaliou.

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