Casa da Bloguerinha e de outros virais, a Dia TV quer ser a nova TV aberta
Idealizado por Rafa Dias, canal faz transmissão gratuita 24 horas por dia e quer ser a TV aberta da rede social de vídeos, com foco no público LGBTQIA+
Repórter
Publicado em 3 de julho de 2024 às 10h58.
Última atualização em 4 de julho de 2024 às 15h13.
Um vídeo de um homem num zoológico foi publicado na internet a quase 20 anos atrás. Na época ainda não se sabia, mas a inofensiva gravação de 19 segundos “Eu no zoológico” foi a primeira de bilhões de postagens feitas no YouTube. Desde então, a plataforma se reinventou completamente: virou o primeiro lar oficial dos criadores de conteúdo, estabeleceu a relação desta nova profissão com a publicidade e, agora, se tornou um espaço tão oportuno que já supera a TV aberta em visualizações – e até já contribui para o PIB no Brasil. Um estudo da Oxford Economics feito em 2023 mostra que o YouTube teve impacto de R$ 4,55 bilhões no PIB brasileiro e gerou mais de 140 mil empregos em tempo integral em 2022.
Mas muito antes desse potencial lucrativo, em 2014, um ex-funcionário da MTV viu como a internet estava mudando o rumo das coisas. Rafael Dias é a mente por trás da Dia TV, um canal na plataforma que fica ao vivo 24 horas por dia e conta com uma grade feita exclusivamente por criadores de conteúdo, em sua maioria LGBTQIA+.
Completando um ano, a Dia TV já ultrapassou 1 bilhão de visualizações nas principais redes sociais e tem programas que já são bem conhecidos na esfera da internet: o programa “Corrida das Blogueiras” já está na sexta temporada e é como o “RuPaul’s Drag Race” das influencers, e o “De Frente com Blogueirinha”, estrelando a mesma numa espécie de entrevista cômica que remete a Marília Gabriela, tem quase um vídeo viral por episódio. A nova temporada vai ao ar todas às segundas e conta com patrocínio de marcas como Dove, Listerine, Neosaldina, Boca Rosa e Amazon.
Rafael Dias conta que chegava em casa e não tinha interesse em assistir ao canal onde dedicava suas horas todos os dias, mas sim os criadores de conteúdo no YouTube que, na época, ainda tentavam entender como os vídeos gravados em casa poderiam ser atrativos para marcas. O que atraía Rafa eram pessoas como ele, normalmente jovens da comunidade LGBTQIA+, que não tinham o polimento da TV aberta, mas o dobro do carisma.
“Eu dirigia programas e os assistia depois na internet, porque os fãs publicavam. Achei aquilo muito curioso e percebi que teria um caminho pelo YouTube”, disse. Dias então abriu a empresa Dia junto com a colega Andressa Mafra em 2014. Inicialmente o foco foi em ser o elo entre empresas e creators, numa época em que criar conteúdo na internet ainda não era sinônimo de publicidades caríssimas.
Alguns anos depois, decidiu investir em um estúdio e transformar a Dia no que ela é hoje. Foram R$ 10 milhões para tirar a ideia do papel e botar a Dia TV no ar. Hoje em dia, o estúdio tem 18 programas com 22 criadores de conteúdo – e o de maior sucesso, “De Frente com Blogueirinha”, ultrapassou 40 milhões de visualizações só na segunda temporada. Criado e interpretado por Bruno Matos, a Blogueirinha é uma influenciadora ácida que cutuca as celebridades como Anitta e Bruna Marquezine em seu programa de entrevistas. A personagem nasceu antes da Dia TV e também participa de coisas fora do canal — Matos chegou a ter um quadro no "Fantástico" como Blogueirinha, entrevistando os eliminados do BBB 24 —, mas atingiu a fórmula perfeita com o programa que mistura humor com entrevista.
Para Dias, o sucesso do "De Frente" está muito relacionado aos podcasts em vídeo que dominaram as redes sociais nos últimos anos. Canais como PodPah, Pod Delas e outros do gênero costumam chamar um convidado por episódio e falar por horas sobre qualquer tema, muitas vezes sem qualquer preparo de antemão. A ideia é ser tão natural quanto uma conversa de bar. "O entrevistado é colocado num lugar de conforto nessas situações, para ser acarinhado, mas quem topa ir no "Blogueirinha" quer o contrário. Ele quer ser provocado pela entrevistadora", resume.
Outro segredo do sucesso são os cortes virais, um tipo de edição i ndispensávelpara tornar um conteúdo popular na internet. Na Dia TV, são feitos rapidamente com o auxílio de inteligência artificial, e selecionados enquanto o programa está rolando. A Dia toma a frente e já publica os momentos de destaque nas redes sociais, e não espera por um fã replicar por conta própria, ainda que não seja um problema.
“Nosso modelo de receita é a publicidade. Ele fica de pé com a audiência de graça”, disse. Hoje, a Dia TV também está disponível no TCL Channel, no canal Pluto TV e na Samsung, além de ter a mesma transmissão 24 horas nos canais do YouTube de todos os influenciadores sob contrato na Dia. Mesmo expandindo para outras plataformas, uma regra sempre continuará: a gratuidade. “E essa ideia surgiu quando começamos a entender que todo dia mais pessoas estão comprando Smart TVs e mais pessoas no Brasil estão conectando esse aparelho à internet”.
Rafa Dias garante que o diferencial da Dia TV sempre será a constante disponibilidade, como qualquer canal na televisão aberta. “O caminho não é mais a antena. O caminho vai ser pela internet”.
O YouTube é a nova TV aberta
Hoje, a Dia TV se diferencia por ter uma audiência 100% do criador. Rafael explica que a identificação da audiência com a linha editorial da Dia, focada na diversidade, é um dos pontos fortes da empresa. " A diversidade não é só na frente das câmeras, nos bastidores também é ”, explica o diretor. “E isso faz com que a audiência tenha uma identificação, né? Elas estão se enxergando na tela”.
Pode-se dizer que o foco em personalidades sempre foi o segredo para o sucesso na televisão: quem ligava a TV aos domingos queria ver o Faustão ou Silvio Santos, e estranharia se tivesse algum substituto no lugar deles.
Agora, a lógica se aplica a todo o mercado de creators e, paralelamente, também já impacta a TV aberta: a influenciadora Virginia, que tem 47 milhões de seguidores no Instagram, já comanda o próprio programa no SBT. Influenciadores como o TikToker Juliano Floss também já participaram do Dança dos Famosos.
Os grandes canais também sabem que precisam do YouTube para sobreviver. SBT, CNN, Record também publicam as próprias transmissões de 24 horas, e conseguem lucrar através da monetização de anúncios que a plataforma oferece.
Outro grande exemplo é a Cazé TV, do streamer Casimiro, que oferece jogos de futebol de campeonatos diversos de forma totalmente gratuita pelo YouTube e já ultrapassou 1 bilhão de visualizações no site.“É muito interessante ver que existe uma Cazé TV, que fala com o público do futebol, e existe a gente também [para o público LGBTQIA+]. Se não fosse uma iniciativa nossa, talvez não existiria – como por tanto tempo não existiu, né?”.