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Da Redação
Publicado em 9 de outubro de 2008 às 12h20.
Um milhão de dólares economizados. Foi com esse mimo que o economista Luís Antônio Madureira conquistou de vez o coração dos chefes, dois anos depois de assumir a diretoria de tecnologia da informação da fabricante de caminhões Scania. A economia surgiu após uma migração, aquela mudança -- normalmente caótica -- na estrutura de informática. Mas os detalhes podem esperar. O que importa é que o projeto foi o início da trajetória de Madureira para cima -- e para o norte. Este mês, ele assume a presidência da recém-criada Scania Informatics, na Suécia. Queremos a Scania auto-suficiente nas tecnologias que dêem vantagem competitiva.
Esse paulistano de 45 anos não faz o tipo presidente-show. É tímido, fica constrangido ao ser fotografado e pensa bem antes de falar. Sua boa fama tem mais a ver com pequenas decisões cotidianas, das que mexem no cofre da empresa sem ninguém perceber. Ele vem da área econômica, insiste muito em controle de gastos, diz um subordinado. Sempre fala para usarmos o dinheiro com carinho, como se fosse nosso, afirma outro. Aqui, a área de TI faz os planos junto com os usuários, para não investir errado, afirma o próprio Madureira. Em suma, o homem parece capaz de tirar leite de um motor de caminhão.
Deve ter ajudado o fato de a América Latina, há alguns anos, ter toda a atenção da Scania. O Brasil é o maior mercado de ônibus da empresa. No ano passado, tornou-se o país no qual a Scania tem maior participação no mercado de caminhões (33%), depois da Suécia. A empresa é líder em caminhões pesados no Brasil. E o Mercosul compõe um mercado para veículos pesados comparável aos maiores da Europa, como a Alemanha.
E ajudou muito, também, Madureira ter feito uma entrada triunfal -- a tal que economizou 1 milhão de dólares. Quando ele chegou à empresa, em 1994, a Scania Latino-Americana estava nascendo. A companhia tentava trocar os antigos computadores de grande porte por uma estrutura mais aberta, de fácil manutenção, que facilitasse a troca de informações entre países. Uma companhia americana estava com o serviço. Madureira, então recém-contratado, avaliou o que precisava ser feito, o preço combinado e o andamento do trabalho. E disparou: Isso não está bom. Vamos cancelar o contrato. Decisão ousada para um recém-chegado? Pior foi a segunda parte: Vamos treinar nosso pessoal e fazer a migração nós mesmos.
Começava uma sessão de ginástica corporativa que só foi terminar dois anos depois, em 1996. Ao desligar o último computador de grande porte da velha geração, a equipe havia cumprido as metas de prazo e de custos. Melhor ainda: o ganho de eficiência e o barateamento da manutenção somaram 1 milhão de dólares no primeiro ano de funcionamento da nova estrutura. Questionado sobre a racionalidade de uma montadora de caminhões fazer implementação de sistemas, em vez de terceirizar o serviço, Madureira resume: Naquele caso, fazia sentido. Assumi o risco. É o meu papel.
Nem por isso a equipe de tecnologia da informação ganhou tratamento de estrela. O investimento da Scania Latino-Americana no setor não é generoso. Foram 3,5 milhões de dólares em 2000, ou 0,5% da receita. Foi com sua, digamos, sovinice inteligente que Madureira aumentou sua lista de belos feitos. Por exemplo: a adaptação para enfrentar o bug do milênio terminou cedo, em 1998, a um custo de 480 mil dólares para toda a América Latina, bem abaixo do esperado. Outro feito: um sistema comum para as linhas de montagem permitiu que a Scania lançasse uma linha de caminhões na América Latina simultaneamente ao lançamento europeu, em 1998 (o primeiro caminhão mundial Mercedes-Benz, da líder mundial DaimlerChrysler, só sairá em 2002). Mais um: a rede de transmissão de dados entre a fábrica e as concessionárias, em implementação, diminuiu 20% a conta de telefone da empresa.
Não é o caso de chamar Madureira de salvador da pátria. Mesmo com os avanços, ele deixará importantes pendências tecnológicas para seu sucessor no Brasil. Muitas das 150 concessionárias Scania na América Latina ainda não estão conectadas à rede de transmissão de dados, nem têm prazo para isso. E a implementação já dura quase três anos. O programa de gestão integrada (ERP) tem várias metas a cumprir até o fim de 2002. E os processos precisam ser mais padronizados. A impressão geral é que a Scania Latino-Americana ficou afastada demais da matriz.
GELO À FRENTE
Os feitos, de qualquer forma, foram suficientes para carimbar o passaporte do brasileiro. A Scania recomenda até uma leitura para os transferidos (Vivendo e Trabalhando na Suécia), mas ele não espera obstáculos culturais. Não vejo dificuldade de ambientação. Pode ser minha chance de parecer um bom jogador de futebol, diz o são-paulino Madureira. O vice-presidente e diretor de finanças da Scania Latino-Americana, o sueco Ulf Elkström, também se mostra tranqüilo e satisfeito com a indicação: Ele pegou uma área atrasada e a transformou em motivo de orgulho, gastando pouco. O Madureira trabalha bem em equipe, é metódico e muito, muito calmo. Acho que é um brasileiro com um toque sueco. Elkström, aliás, aproveita para se esbaldar sem vergonha no chavão sobre executivos brasileiros e nórdicos. Concordo com o clichê. Os suecos são bons em método e os brasileiros são muito criativos. E muito ambiciosos, como o Madureira.
Apesar do ambiente de festa de despedida, porém, o trabalho na Scania Informatics será para lá de estressante. Madureira já esteve na Suécia, em 1998, mas voltou para o Brasil antes do pior do frio. Desta vez, chega com a mulher e a filha caçula à cidade de Södertälje (pronuncia-se Sodertálie), a 100 quilômetros de Estocolmo, direto no inverno sueco. E com a obrigação de criar vantagens competitivas diante de concorrentes maiores, como DaimlerChrysler e Volvo. A Scania está para se tornar centenária (começou a operar em 1902) e faturou 5,6 bilhões de dólares em 2000, mas tem um quê de empresa pequena: só lançou ações nas bolsas de Estocolmo e Nova York em 1996 e tem participação discreta nos mercados americano e asiático. As diferenças que Madureira terá de criar vão de produtos tecnológicos -- como veículos com acesso à internet e desempenho monitorado a distância -- a sistemas administrativos para gestão de marketing, vendas e assistência técnica.
Talvez surja logo a oportunidade para Madureira tomar outra decisão radical, como aquela em que economizou 1 milhão de dólares, e atrair os holofotes -- mesmo que não goste deles. Ou talvez encare um trabalho de formiga pela frente, para provar seu ponto de vista: Tecnologia da informação não é área de apoio, nem mesmo numa empresa de caminhões. É o negócio principal -- porque influi em todos os produtos e serviços.