Mercado de carbono movimentou 126 bilhões de dólares em 2008. (Getty Images)
Da Redação
Publicado em 28 de março de 2014 às 19h29.
Nova York - As perdas e danos provocados por cheias, secas e ondas de calor aumentarão neste século, a menos que a humanidade se antecipe à catástrofe, destaca um relatório de um painel de especialistas da ONU, que será publicado na próxima sexta-feira.
Em uma extensa avaliação de 800 páginas, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) - co-ganhador do Nobel da Paz em 2007 juntamente com o ex-vice-presidente dos Estados Unidos, Al Gore - afirma que o aquecimento global intensificará a frequência e a força de eventos climáticos extremos e que é preciso preparar defesas agora para evitar danos maiores no futuro.
"A natureza e a severidade dos impactos dependem não apenas dos [eventos] extremos em si, mas também da vulnerabilidade e da exposição" a eles, destaca a versão resumida do relatório, obtida pela AFP.
O documento de 20 páginas está sendo examinado esta semana durante reunião do IPCC, formado por 194 países em Kampala, Uganda.
Na segunda-feira, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, enviou uma mensagem clara neste sentido, pedindo ao mundo que "se prepare" durante fórum climático celebrado em Dacca, Bangladesh.
"Os perigos naturais não precisam causar uma catástrofe humana", disse. "Há muitas soluções com boa relação custo-benefício que comunidades e países podem adotar para reduzir o impacto de eventos climáticos extremos", acrescentou.
Os países pobres, com estreita margem de manobra, serão os primeiros e os mais duramente afetados.
Mas a onda de calor, que matou 70 mil pessoas na Europa em 2003, e as cheias provocadas pelo furacão Katrina, em Nova Orleans (EUA), em 2005, são lembretes letais de que os países ricos também devem se preparar para os impactos.
O relatório lembra, no entanto, que todos os esforços de adaptação podem ser superados a menos que as emissões de carbono que causam o aquecimento global sejam contidas.
O relatório, produto de três anos de trabalho com base em milhares de artigos científicos, é o primeiro do IPCC dedicado a esquadrinhar os vínculos entre as mudanças climáticas e os eventos extremos.
Também se trata da primeira vez que o Painel costura ciência climática e gestão de risco em uma única análise.
Desde que o IPCC publicou seu primeiro relatório de avaliação, em 1990, "comunidades de pesquisa historicamente distintas" trabalharam de forma independente e produziram relatórios separados.
Esta separação foi, provavelmente, um equívoco, afirmaram à AFP especialistas das duas áreas.
"Especialistas em calamidades têm experiências que podem servir de base para a adaptação às futuras mudanças climáticas", afirmou Tom Downing, diretor da consultoria Global Climate Adaptation Partnership, de Oxford (Inglaterra).
"É encorajador ver o IPCC levar essa integração adiante em um relatório inovador", acrescentou.
"Uma das mensagens chave deste relatório é a ênfase na exposição e na vulnerabilidade", avaliou Will Steffen, diretor do Instituto de Mudanças Climáticas da Universidade Nacional da Austrália.
"A ciência é apenas parte do quebra-cabeça. As outras têm a ver com a resiliência e adaptabilidade das pessoas", acrescentou.
Neville Nicholls, professor da Universidade Monash, em Melbourne, e principal autor de um capítulo estritamente científico sobre como as mudanças climáticas afetam o clima, disse que a colaboração "fortalece os dois lados".
Ela "fez os cientistas se concentrarem muito mais no que a comunidade de risco realmente precisa e a comunidade de gestão de catástrofes tem uma ideia melhor do que nós podemos e não podemos dar a eles", disse, por telefone.
A mudança de rumo ocorre após alguns equívocos no renomado Quarto Relatório de Avaliação, publicado em 2007, que arranharam a imagem do IPCC.
A maior parte dos erros, inclusive uma estimativa grosseiramente imprecisa sobre o ritmo de derretimento das geleiras do Himalaia, teve origem em parte na pobre coordenação entre estas comunidades, reconhecem os cientistas do Painel.
O novo relatório, orientado para a busca de soluções para o problema, identifica ações relativamente fáceis e baratas, tais como sistemas de alerta precoce em áreas propensas a ser atingidas por enchentes e ondas de calor.
Códigos de construção melhorados e capacidade de antecipação também podem a salvar vidas em regiões afetadas por furacões.
Mas quanto mais estas soluções forem adiadas, mais caras ou ineficazes se tornarão, alerta o documento.
Muitas estratégias de adaptação já foram implantadas, especialmente ao nível local.
Por exemplo, manguezais recém-plantados em Vietnã, Camboja e Mianmar ajudam a reduzir a força destrutiva de ciclones, aumentada por mares mais quentes e elevados. Além disso, novas cepas de milho, arroz e feijões resistentes ao calor podem salvar milhares de vidas.
Segundo o Grupo Consultivo de Pesquisa Agrícola Internacional (CGIAR, na sigla em inglês), mais de 350 milhões de pessoas em todo o mundo vivem em meio a uma combinação de fatores que pode levar ao desastre alimentar.
Mas, às vezes simplesmente não há soluções, ressalta o relatório, como no caso dos moradores de algumas nações insulares, que precisarão ser relocados definitivamente por causa da elevação do nível do mar.