Como Mark Zuckerberg pretende virar o Facebook de "cabeça para baixo"
Mais criptografia, integração de WhatsApp e Messenger e até mesmo "briga" com governos opressores estão entre planos do Facebook para futuro próximo
Gustavo Gusmão
Publicado em 6 de março de 2019 às 19h08.
Última atualização em 6 de março de 2019 às 19h09.
São Paulo — O Facebook dará uma guinada em direção à privacidade dentro dos próximos anos, por mais irônico que isso possa parecer. Quem garante é o próprio Mark Zuckerberg, CEO e fundador da rede social, que publicou nesta quarta-feira (6) um extenso texto em que detalha os rumos da empresa — e sinaliza algumas mudanças importantes na companhia, que incluem uso intenso de criptografia e até mesmo uma "fusão" entre WhatsApp e Messenger.
"Muitas pessoas preferem ter intimidade para se comunicar com apenas uma outra pessoa ou com poucos amigos por vez. Elas também estão mais cuidadosas em relação a ter um registro permanente de tudo que compartilharam", escreveu o executivo. "Eu acredito que o futuro da comunicação vai mudar cada vez mais para serviços privados e criptografados. E é esse o futuro que eu espero que consigamos trazer."
Segundo Zuckerberg, que já perdeu (e recuperou) alguns bilhões de dólares em fortuna com os escândalos de privacidade da empresa, o primeiro foco do Facebook para os próximos anos será em tornar as interações mais privadas. A mudança deverá ficar centrada na criptografia de ponta a ponta — ou seja, proteger as mensagens com chaves armazenadas nos aparelhos dos próprios usuários, de forma que nenhum agente externo consiga espionar o conteúdo. A proteção já existe no WhatsApp, mas a ideia é inclui-la também no Messenger, inclusive nas chamadas feitas por usuários no aplicativo.
A medida pode livrar o Facebook de alguns problemas, como os que acontecem quando governos pedem por dados pessoais em investigações. Ao criptografar as informações de ponta a ponta, a empresa fica incapaz de acessá-las, já que não tem as "chaves", e entregá-las às autoridades. Assim, também não poderão prender mais nenhum funcionário do Facebook, como já aconteceu no Brasil em 2017.
Não quer dizer, no entanto, que a rede social vai deixar de colaborar com a polícia. "É uma ferramenta poderosa para privacidade, mas isso também inclui a privacidade de pessoas fazendo coisas erradas", escreveu Zuckerberg. "Por isso, estamos trabalhando para melhorar nossa capacidade de identificar e impedir esses autores em nossos apps ao detectar padrões de atividades ou mesmo por outros meios, mesmo sem vermos o conteúdo das mensagens."
WhatsApp e Messenger integrados
A implantação da criptografia de ponta a ponta no Messenger também deverá permitir a integração do aplicativo com o WhatsApp, um plano sobre o qual Zuckerberg já havia falado abertamente em janeiro. Essa "junção" não será exatamente uma fusão, mas sim um recurso opcional que permitirá a uma mesma pessoa enviar mensagens a contatos do Messenger pelo WhatsApp e vice-versa. Zuckerberg também dá a entender que a novidade pode incluir também a própria plataforma do Facebook — para que um usuário do Marketplace possa direcionar potenciais compradores ao seu WhatsApp sem precisar divulgar o número do telefone, por exemplo.
O objetivo é ainda incluir o SMS nesse "bolo". Mas existem restrições, como as impostas pela Apple no iOS, que não permite esse tipo de interoperabilidade com mensagens de texto. Isso sem contar os obstáculos legais, como os impostos pela Alemanha, que já vetou a combinação de dados de WhatsApp com Instagram no mês passado e pode não encarar muito bem uma nova tentativa. Por isso, o executivo ainda não deu uma data para essa integração acontecer.
Posts autodestrutivos e questões governamentais
Fora essas mudanças, Zuckerberg sinalizou que o Facebook deverá abraçar de vez a efemeridade do Instagram Stories em outras plataformas. No Messenger, por exemplo, o executivo disse que mensagens poderão começar a ser apagadas automaticamente dentro de um mês ou um ano, por padrão. Já no Facebook, a ideia seria arquivar fotos e publicações depois de um tempo, para preservar as memórias com menos riscos. Mas nenhum dos recursos tem data para estrear — são, por ora, apenas possibilidades.
O que o executivo definiu como certo é a não-colaboração com governos opressores. "Nós escolhemos não construir data centers em países com um histórico de violação de direitos humanos, como privacidade e liberdade de expressão", escreveu Zuckerberg. "Defender esse princípio pode significar que nossos serviços serão bloqueados em alguns países, ou que não poderemos entrar em outros tão cedo. Mas é um preço que estamos dispostos a pagar."
"Eu entendo que muita gente não acredita que o Facebook possa ou mesmo queira fazer isso [construir uma plataforma que priorize a privacidade] — até porque, francamente, nós não temos a melhor reputação hoje em relação ao assunto. Mas nós já mostramos que podemos evoluir", concluiu o executivo. As ideias já estão definidas. Resta saber como elas poderão afetar o negócio do Facebook, que é a publicidade, e quantas delas serão de fato colocadas em prática.