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Produtora de games sociais cresce com ajuda de brasileiros

Berlim - “Nesta época do ano, a temperatura normalmente está na faixa dos 20 graus.” É num tom de quase desculpa pelo frio de bater o queixo que Jens Begemann aparece...

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Da Redação

Publicado em 3 de setembro de 2013 às 13h28.

Berlim - “Nesta época do ano, a temperatura normalmente está na faixa dos 20 graus.” É num tom de quase desculpa pelo frio de bater o queixo que Jens Begemann aparece para a sessão de fotos, no terraço do prédio com vista para a Berliner Fernsehturm, torre instalada na Alexanderplatz, um dos cartões­ postais de Berlim. Só de camisa, apesar da temperatura de 1 grau, o alemão de 36 anos e 2 metros de altura tenta andar sem escorregar no gelo acumulado depois da última nevasca.

O inverno mais rigoroso das últimas duas décadas na capital alemã contrasta com o efervescente momento da Wooga (pronuncia­-se “vúga”), produtora de games que Begemann ajudou a fundar, há quatro anos. Com 280 funcionários (18 deles brasileiros, a segunda maior comunidade depois dos alemães), oito jogos (o mais novo, Pocket Village, foi lançado em abril), mais de 100 milhões de jogadores no título mais famoso (o Diamond Dash) e o terceiro lugar na lista dos games casuais mais populares do Facebook, a Wooga é uma estrela do Silicon Allee, como ficou conhecida a cena de startups de Berlim.

Quem anda pelos corredores da empresa tem a sensação de estar em uma startup do Vale do Silício. A decoração é colorida e descontraída, com os personagens e objetos que fazem parte dos jogos espalhados pelo chão e pendurados nas paredes. As salas de reuniões têm nomes divertidos, como Bat Caverna, e sofás confortáveis são usados para fazer negócios usando o Skype. Fliperamas foram instalados em pontos estratégicos, com os jogos da empresa adaptados. E quem quiser pode levar o cachorro para o escritório.

Mas são claros os pontos que diferenciam a Wooga das startups americanas. A empresa é um retrato da diversidade encontrada em Berlim: 54% dos funcionários são estrangeiros, vindos de 40 países. Tem gente de Estados Unidos, Itália, Sérvia, Colômbia, México, Eslováquia, Paquistão e Japão. Mas a maior comunidade é a formada pelos brasileiros. Não foi uma estratégia pensada, aconteceu meio por acaso. Um brasileiro foi contratado. Daí indicou um amigo, que sugeriu outro e a turma foi crescendo.

Hoje, quase todos os brasileiros da Wooga trabalham com programação de jogos, engenharia de software, design e arte. O título de maior comunidade estrangeira não é o único ostentado pelo Brasil. Nenhum outro país tem um gerente dedicado. Essa decisão foi planejada. Thiago Apella, 27 anos, foi contratado em 2012 para ajudar a Wooga a fazer negócios no Brasil.

Forte na Europa e nos Estados Unidos, a produtora quer crescer na América do Sul. “O Brasil é o maior país da região, o mais forte na internet entre os emergentes e tem muita gente ligada em redes sociais”, diz Apella. “E tem suas peculiaridades.” Uma delas: quando a novela das 9 começa, o número de pessoas online aumenta. Isso porque 70% dos jogadores da Wooga são mulheres. Elas jogam enquanto assistem à novela Salve Jorge (ainda no ar durante o fechamento da matéria).

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A função de Apella é fechar parcerias com fabricantes de dispositivos móveis para ter os games da empresa instalados em telefones e tablets na fábrica ou para explorar novas formas de anunciar e ganhar jogadores.

Nascido em São Paulo, Apella é formado em desenvolvimento de jogos e já trabalhou em empresas como a EA e a Blizzard. Apesar do foco no Brasil, ele fica em Berlim. A Wooga prefere manter todos os funcionários sob o mesmo teto. A miríade de nacionalidades no escritório é um dos segredos do sucesso da empresa.

Criada em 2009 por Begemann e pelo também alemão Philipp Moeser para fazer jogos casuais para a web, a produtora sempre teve como objetivo conquistar o mercado internacional. “Não dá para fazer uma empresa de games com base apenas na cultura alemã”, diz Begemann. “Correríamos o risco de criar jogos que fariam sucesso aqui, mas que teriam de ser adaptados para outros países.” A estratégia deu resultado. O game mais popular da Wooga, o Diamond Dash, em que o jogador tem de destruir fileiras de diamantes no menor tempo possível, é popular em vários países.

Begemann associa a cultura da empresa a seu rápido crescimento. Todos os jogos são criados e geridos por equipes independentes, com autonomia para tomar decisões. “A palavra final é sempre do líder do projeto.”

Outra marca registrada da Wooga é uma técnica emprestada de cientistas e de empresas do varejo: a obsessão pelos testes e pelas métricas. Os jogos são exaustivamente analisados antes, durante e após o lançamento, com a ajuda de testes A/B. Se uma nova funcionalidade, como um botão de compras, é acrescentada ao game, ela é apresentada a uma pequena parcela dos jogadores, algo em torno de 5%. Se a resposta à novidade é boa, ela será levada para os outros usuários. Se não for, a empresa tira a ideia do ar e tenta encontrar uma solução melhor.

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Os testes A/B foram adotados no século 16 pelo italiano Galileu Galilei, considerado o pai da ciência moderna, e usados pela primeira vez na internet pela Amazon. Eles são feitos hoje com milhões de pessoas ao mesmo tempo.

Nos primeiros 60 segundos do game Monster World, uma espécie de Farmville habitado por simpáticos monstrinhos, existem até 15 pontos de checagem. Um novo usuário tem os passos seguidos a cada 3 ou 4 segundos. Os testes feitos na Wooga geram relatórios diários de cada um dos títulos, com dados como o número de novos jogadores, os ativos nas últimas 24 horas e até quantos chegaram ao fim do tutorial.

Os testes ajudam a mapear de onde vêm os jogadores e onde enfrentam dificuldades para passar de fase. Isso pode significar a diferença entre o sucesso e o fracasso de um título. Lançado em abril de 2010 como o primeiro jogo da empresa a cobrar por bens virtuais, o Monster World estagnou, quatro meses depois, na faixa de 300 mil jogadores por dia, um número baixo para os padrões dessa indústria.

Ninguém conseguia encontrar uma explicação para o fracasso. O líder do game analisou o comportamento de 39 mil jogadores para entender em que momento eles deixavam o jogo de lado. Com essas informações, a equipe de criação criou alternativas que foram implementadas e testadas. O procedimento foi repetido em todas as fases do game. Funcionou. Em novembro de 2010, o Monster World atingiu a marca de 1 milhão de jogadores ao mês. “Sempre acreditei que os testes podem mudar a sorte de um jogo mesmo após o lançamento”, diz Begemann. “Mas essa foi a primeira vez que conseguimos provar essa tese.”

Os jogos da Wooga estão disponíveis no Facebook e nas lojas App Store e Google Play, além de no Kindle, o tablet da Amazon. Quem acessa os games não verá anúncios na tela. O modelo de negócios é baseado na venda de ferramentas que ajudam o jogador a passar de fase. Paga­se por mais vida, por poção que aumenta o tempo da partida ou por uma varinha que faz com que a plantação cresça mais rápido. A empresa não informa quanto isso gera de receita. Limita­se a dizer que já é lucrativa.

A receita estimada da Wooga está entre 18 milhões e 30 milhões de dólares ao ano. Metade vem da internet, a outra dos aparelhos móveis. Um dos poucos números que o fundador revela aponta que menos de 5% dos jogadores gastam dinheiro real para comprar bens virtuais. “São alguns dólares, alguns euros, às vezes na casa dos dois dígitos”, diz Begemann. Um dos desafios é fazer com que mais pessoas se disponham a gastar, para incrementar um mercado que deve chegar a 5 bilhões de dólares até 2015, de acordo com estudo realizado pelo instituto Parks Associates.

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Outro desafio da Wooga é ganhar espaço no crescente mercado de jogos para celulares e tablets. Estudo feito pela empresa mostra que até o final deste ano existirão 2 bilhões de aparelhos com tela sensível ao toque em funcionamento no mundo. É um para cada 3,5 habitantes da Terra. Para comparar, cerca de 40 milhões de consoles como PlayStation e Xbox são vendidos por ano. Hoje, quatro dos sete títulos da Wooga são oferecidos nas plataformas móveis. O mais recente deles é o Pocket Village, no qual o jogador constrói cidades com a ajuda de vários personagens virtuais.

Esse game tem como líder o brasileiro Daniel Garcia, 37 anos. É um projeto que carrega muita expectativa dentro da empresa, porque trata-se do primeiro jogo da Wooga feito exclusivamente para dispositivos móveis.

Quem vê o Pocket Village pela primeira vez (INFO teve acesso ao jogo antes do lançamento mundial) tem a impressão de que se parece com outros jogos adaptados para a tela do celular ou do tablet. A diferença só é perceptível quando a partida começa. Cada sessão dura cerca de 30 segundos. O Pocket Village foi criado para ser jogado por quem está na fila do café, do elevador ou do ônibus. A empresa quer que as pessoas entrem no jogo pelo menos 20 vezes ao dia para fazer uma tarefa.

“O game levou pouco mais de um ano para ficar pronto e é muito moderno”, afirma Garcia. Nascido em Santos (SP), ele chegou a Berlim no início de 2012. “É a cidade mais legal da Europa”, afirma. “O lugar certo para estar agora.” Daniel Garcia e os outros funcionários da Wooga foram atraídos por um pacote de benefícios interessante. A empresa conta com 20 apartamentos decorados para hospedar os estrangeiros que chegam à cidade. Eles ficam neles até que consigam um lugar para morar e não pagam aluguel durante o período. Quando um novo funcionário assina o contrato de trabalho, recebe ainda um iPhone de última geração. No Natal, todos podem escolher entre um iPad ou trocar o smartphone. A Wooga tem ainda uma verba de 2 mil dólares ao ano para treinamento. O que falta no pacote é o pagamento de bônus para os funcionários. “Não acredito em bônus”, afirma Begemann. Ele entende que a prática ameaça a cultura de colaboração. “Aqui não há competição”, diz o fundador da Wooga. A cada 15 dias, a empresa organiza jantares com quatro pessoas de equipes distintas para que se conheçam melhor.

Todos os dias, por volta das 6 da tarde, os funcionários da Wooga se encontram no auditório para uma reunião de no máximo 15 minutos. O tema? Uma atualização rápida sobre o desempenho dos jogos lançados e o dos que ainda estão em desenvolvimento.

A Wooga está instalada nos três últimos dos cinco andares de um prédio localizado no badalado bairro de Prenzlauer Berg, na antiga Berlim Oriental. Antes da queda do muro, em novembro de 1989, no Backfabrik, como é chamado o complexo, funcionava uma padaria para abastecer os habitantes da República Democrática Alemã. Alguns dos equipamentos usados para a produção de pães ainda estão pendurados no teto das salas.

A concentração de startups nesse lado da cidade é explicada pela história de Berlim. Após a reunificação do país, os amplos espaços da região ficaram abandonados e foram alugados ou vendidos por preços baixos. Berlim é considerada a capital mais barata da União Europeia. Por esse motivo atrai artistas e empreendedores com uma grande ideia e pouco dinheiro para começar seu negócio.

Foi assim que se formou o Silicon Allee, que ganhou esse nome porque a maioria das startups está instalada em allees, ou alamedas, em alemão. Mas o ambiente para a criação de novas empresas ainda esbarra em dois obstáculos: a dificuldade do idioma e a escassez de investidores. “A geração pós-guerra é avessa a riscos”, diz o investidor Simon Schäfer. A Wooga levantou 32 milhões de dólares com três fundos de fora da Alemanha, e agora está pronta para dar um novo salto e conquistar jogadores pelo mundo.

*Foto: Daphne Kougea

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