Enfim, o gigante da web desperta com o Google+
Rede social é esforço do Google para impor novos rumos ao seu negócio
Da Redação
Publicado em 19 de julho de 2011 às 05h49.
São Paulo - Há cerca de três semanas, o Google decidiu se aventurar no campo de batalha do inimigo. Colocou à disposição de convidados o Google+, serviço que, embora não seja oficialmente chamado de rede social pela nave-mãe, tem todas as características de uma. O objetivo é enfrentar aquele que se tornou seu principal rival: o Facebook.
É cedo para saber se a empreitada será bem-sucedida: gigante no universo de buscas, o Google é um infante no campo de relações sociais, dominado pelo site criado e maturado por Mark Zuckerberg, que reúne mais de 750 milhões de cadastrados ao redor do planeta. Renda o que render o contra-ataque a longo prazo, é inegável que a chegada do Google+ veio acompanhada daquela fagulha de vigor que, se não garante o sucesso, é reveladora do empenho em inovar e impor novos rumos a um negócio.
Soa contraditário, mas o Google, nascido há apenas 13 anos, estava envelhecendo. Aferrado às próprias conquistas, tornou-se mais conservador e menos ágil. Criado em 1998 por dois estudantes de ciências da computação da Universidade de Stanford, Larry Page e Sergey Brin, então com 24 anos, nasceu e cresceu (de forma meteórica) apoiado em um algoritmo que pretendia organizar toda a informação disponível na internet. Seu buscador aponta, a partir de infindáveis cálculos, os sites mais "relevantes" da rede, levando em conta o número de referências que os usuários fazem a esses endereços. Foi a "era dos engenheiros" da web. O Google tornou-se um gigante, com valor de mercado estimado em 147 bilhões de dólares em 2010 (é mais valioso do que o Citigroup ou a Toyota) e faturamento que se apoia majoritariamente nos links patrocinados exibidos em suas páginas.
Facebook x Google
Mas os engenheiros tiveram dificuldades para lidar com a onda que viria logo a seguir: as redes sociais. O Facebook nasceu em 2004, conta a lenda, no dormitório de um alojamento de estudantes de Harvard. Zuckerberg, então com 19 anos, e amigos construíram um ambiente virtual restrito em que alunos da universidade podiam se expressar, organizar contatos e atividades. A era dos engenheiros começava a ceder espaço para a das relações sociais.
A consequência disso é que o Facebook comeu terreno do Google. Em maio deste ano, por exemplo, usuários de internet de todo o mundo já dedicavam, em conjunto, mais tempo a páginas da rede social do que à do buscador: 250 bilhões ante 200 bilhões de minutos, respectivamente. Na prática, essas pessoas trocaram os links provenientes das buscas do Google por informações compartilhadas por seus contatos no Facebook. A disputa pela audiência reflete, é claro, uma briga maior por dinheiro proveniente de anúncios.
Desde a ascensão do Facebook, o Google demorou a reagir. Ou melhor, falhou sucessivamente no contra-ataque no campo da interação entre usuários. Em 2005, apresentou precocemente o Dodgeball, serviço de geolocalização similar ao que atualmente é usado no Foursquare. No ano seguinte, foi a vez do Jaiku, espécie de rival do Twitter, que tombou diante da versão original. Os maiores fracassos, contudo, viriam em 2009, com o Wave, e, em 2010, com o Buzz – esse, sim, fez barulho. O serviço apresentava uma falha primária de privacidade, que permitia a exibição, sem autorização do usuário, de todos os contatos provenientes do Gmail, serviço de e-mails da empresa. O Buzz foi colocado de lado após uma enxurrada de reclamações.
Perda de talentos
Google valoriza a tecnologia, não a ciência social", afirmou em seu blog Paul Adams, um talentoso executivo cuja trajetória ilustra a mudança de maré ocorrida na internet em pouco mais de dois anos. Ele participou da fase embrionária de desenvolvimento do Google+, mas trocou o gigante de buscas pelo Facebook, onde atualmente é gerente de produtos. "O trabalho lá (no Google) se tornou uma tarefa burocrática."
Adams não foi o único. Na verdade, a empresa perdeu vários talentos em postos-chave, inclusive no Brasil. De quebra, nos Estados Unidos, perdeu (justamente para o Facebook) o almejado posto de melhor empresa para se trabalhar, sinal de que a aura de empregador que oferece um ambiente informal e estimulante – que inclui mesas de ping-pong e pebolim – já não seduzia tanto quanto o também despojado chinelo Adidas do criador da rede social.
O primeiro sinal de que o Google de fato empreenderia a mudança que ganha corpo agora surgiu em janeiro, quando Eric Schmidt, então presidente da companhia, postou a seguinte mensagem em sua conta no Twitter: "A supervisão diária de adulto não é mais necessária." Depois de conduzir a empresa à maturidade, uma tarefa que consumiu uma década, o experiente executivo de 56 anos devolvia, assim, a gestão do gigante ao cofundador Larry Page, de 37. Schmidt disse que, de fato, a empresa perdera agilidade na tomada de decisões por manter uma espécie administração compartilhada entre ele próprio, Page e Brin. A mudança deveria recuperar a agilidade perdida.
Foi o que aconteceu. Desde abril, quando Page reassumiu o comando, o Google se tornou novamente uma máquina de lançamentos. Apresentou netbooks com sistema operacional Chrome OS (uma aposta arriscada), o botão +1 (semelhante ao "Curtir", do Facebook), um serviço de música on-line (Google Music), um site de compartilhamento de fotos (Photovine) e remodelou os tradicionais Gmail e YouTube. "As declarações que Page fez desde o início do ano já permitiam antever que essas mudanças estavam em curso", diz Marcelo Coutinho, professor da Fundação Getúlio Vargas e pesquisador do mercado digital. "Havia claramente a preocupação com o fato de a empresa ter ficado lenta em relação ao mercado."
Com exceção do computador movido a Chome OS, as demais apostas do Google têm claro objetivo social. Atraindo adeptos a seus serviços, o gigante pode reunir um tipo de informação valiosíssima: hábitos e preferências de usuários compartilhados na rede. É uma mina de ouro para ações publicitárias nas páginas internas do site.
A inclusão do botão +1 entre seus recursos, por exemplo, é nada menos do que uma guinada na maneira do Google de fazer buscas. "Com o uso cada vez mais frequente do +1, as buscas passarão a ser influenciadas pelas preferências do usuário", explica Alexandre Campos, gerente de contas do IDC América Latina, grupo de análise de mercado. Ele aposta ainda que a aparente evasão de talentos será contida: "As empresas atravessam ciclos naturais de desenvolvimento. O Google já teve os melhores cérebros do mercado e certamente os retomará para manter seus objetivos."
Reinventar-se ou morrer
Costuma-se dizer que, para as empresas, reinventar-se não é uma opção, mas um dever. Serve para o Google, serve para as demais. Em 1975, surgiu uma empresa que, nos anos seguintes, colocaria em prática uma ideia que até então parecia inconcebível: o computador pessoal. Para isso, a Microsoft criou uma interface amigável que permitia ao não especialista comandar a máquina: o sistema operacional Windows.
Apesar de ter comandado essa revolução, a Microsoft perdeu o bit da história seguinte: a internet. A companhia de Bill Gates aferrou-se a seu software e franqueou terreno ao avanço de outros – Google e Facebook são dois deles. Recentemente, tentando recuperar o tempo perdido, desembolsou 8,5 bilhões de dólares para comprar o Skype, serviço de telefonia via internet. Continua gigante, com valor estimado em 240 bilhões de dólares, mas não é mais sinônimo de inovação.
O Google+ parece indicar que o Google compreende a lição. Nas primeiras duas semanas de atividade, com acesso restrito a convidados, atraiu estimados 10 milhões de usuários, que em geral avaliam bem o que viram lá dentro. Seu sucesso, vale repetir, ainda é incerto. Mas já está claro que, quando a gigante desperta, quem ganha é o usuário.
São Paulo - Há cerca de três semanas, o Google decidiu se aventurar no campo de batalha do inimigo. Colocou à disposição de convidados o Google+, serviço que, embora não seja oficialmente chamado de rede social pela nave-mãe, tem todas as características de uma. O objetivo é enfrentar aquele que se tornou seu principal rival: o Facebook.
É cedo para saber se a empreitada será bem-sucedida: gigante no universo de buscas, o Google é um infante no campo de relações sociais, dominado pelo site criado e maturado por Mark Zuckerberg, que reúne mais de 750 milhões de cadastrados ao redor do planeta. Renda o que render o contra-ataque a longo prazo, é inegável que a chegada do Google+ veio acompanhada daquela fagulha de vigor que, se não garante o sucesso, é reveladora do empenho em inovar e impor novos rumos a um negócio.
Soa contraditário, mas o Google, nascido há apenas 13 anos, estava envelhecendo. Aferrado às próprias conquistas, tornou-se mais conservador e menos ágil. Criado em 1998 por dois estudantes de ciências da computação da Universidade de Stanford, Larry Page e Sergey Brin, então com 24 anos, nasceu e cresceu (de forma meteórica) apoiado em um algoritmo que pretendia organizar toda a informação disponível na internet. Seu buscador aponta, a partir de infindáveis cálculos, os sites mais "relevantes" da rede, levando em conta o número de referências que os usuários fazem a esses endereços. Foi a "era dos engenheiros" da web. O Google tornou-se um gigante, com valor de mercado estimado em 147 bilhões de dólares em 2010 (é mais valioso do que o Citigroup ou a Toyota) e faturamento que se apoia majoritariamente nos links patrocinados exibidos em suas páginas.
Facebook x Google
Mas os engenheiros tiveram dificuldades para lidar com a onda que viria logo a seguir: as redes sociais. O Facebook nasceu em 2004, conta a lenda, no dormitório de um alojamento de estudantes de Harvard. Zuckerberg, então com 19 anos, e amigos construíram um ambiente virtual restrito em que alunos da universidade podiam se expressar, organizar contatos e atividades. A era dos engenheiros começava a ceder espaço para a das relações sociais.
A consequência disso é que o Facebook comeu terreno do Google. Em maio deste ano, por exemplo, usuários de internet de todo o mundo já dedicavam, em conjunto, mais tempo a páginas da rede social do que à do buscador: 250 bilhões ante 200 bilhões de minutos, respectivamente. Na prática, essas pessoas trocaram os links provenientes das buscas do Google por informações compartilhadas por seus contatos no Facebook. A disputa pela audiência reflete, é claro, uma briga maior por dinheiro proveniente de anúncios.
Desde a ascensão do Facebook, o Google demorou a reagir. Ou melhor, falhou sucessivamente no contra-ataque no campo da interação entre usuários. Em 2005, apresentou precocemente o Dodgeball, serviço de geolocalização similar ao que atualmente é usado no Foursquare. No ano seguinte, foi a vez do Jaiku, espécie de rival do Twitter, que tombou diante da versão original. Os maiores fracassos, contudo, viriam em 2009, com o Wave, e, em 2010, com o Buzz – esse, sim, fez barulho. O serviço apresentava uma falha primária de privacidade, que permitia a exibição, sem autorização do usuário, de todos os contatos provenientes do Gmail, serviço de e-mails da empresa. O Buzz foi colocado de lado após uma enxurrada de reclamações.
Perda de talentos
Google valoriza a tecnologia, não a ciência social", afirmou em seu blog Paul Adams, um talentoso executivo cuja trajetória ilustra a mudança de maré ocorrida na internet em pouco mais de dois anos. Ele participou da fase embrionária de desenvolvimento do Google+, mas trocou o gigante de buscas pelo Facebook, onde atualmente é gerente de produtos. "O trabalho lá (no Google) se tornou uma tarefa burocrática."
Adams não foi o único. Na verdade, a empresa perdeu vários talentos em postos-chave, inclusive no Brasil. De quebra, nos Estados Unidos, perdeu (justamente para o Facebook) o almejado posto de melhor empresa para se trabalhar, sinal de que a aura de empregador que oferece um ambiente informal e estimulante – que inclui mesas de ping-pong e pebolim – já não seduzia tanto quanto o também despojado chinelo Adidas do criador da rede social.
O primeiro sinal de que o Google de fato empreenderia a mudança que ganha corpo agora surgiu em janeiro, quando Eric Schmidt, então presidente da companhia, postou a seguinte mensagem em sua conta no Twitter: "A supervisão diária de adulto não é mais necessária." Depois de conduzir a empresa à maturidade, uma tarefa que consumiu uma década, o experiente executivo de 56 anos devolvia, assim, a gestão do gigante ao cofundador Larry Page, de 37. Schmidt disse que, de fato, a empresa perdera agilidade na tomada de decisões por manter uma espécie administração compartilhada entre ele próprio, Page e Brin. A mudança deveria recuperar a agilidade perdida.
Foi o que aconteceu. Desde abril, quando Page reassumiu o comando, o Google se tornou novamente uma máquina de lançamentos. Apresentou netbooks com sistema operacional Chrome OS (uma aposta arriscada), o botão +1 (semelhante ao "Curtir", do Facebook), um serviço de música on-line (Google Music), um site de compartilhamento de fotos (Photovine) e remodelou os tradicionais Gmail e YouTube. "As declarações que Page fez desde o início do ano já permitiam antever que essas mudanças estavam em curso", diz Marcelo Coutinho, professor da Fundação Getúlio Vargas e pesquisador do mercado digital. "Havia claramente a preocupação com o fato de a empresa ter ficado lenta em relação ao mercado."
Com exceção do computador movido a Chome OS, as demais apostas do Google têm claro objetivo social. Atraindo adeptos a seus serviços, o gigante pode reunir um tipo de informação valiosíssima: hábitos e preferências de usuários compartilhados na rede. É uma mina de ouro para ações publicitárias nas páginas internas do site.
A inclusão do botão +1 entre seus recursos, por exemplo, é nada menos do que uma guinada na maneira do Google de fazer buscas. "Com o uso cada vez mais frequente do +1, as buscas passarão a ser influenciadas pelas preferências do usuário", explica Alexandre Campos, gerente de contas do IDC América Latina, grupo de análise de mercado. Ele aposta ainda que a aparente evasão de talentos será contida: "As empresas atravessam ciclos naturais de desenvolvimento. O Google já teve os melhores cérebros do mercado e certamente os retomará para manter seus objetivos."
Reinventar-se ou morrer
Costuma-se dizer que, para as empresas, reinventar-se não é uma opção, mas um dever. Serve para o Google, serve para as demais. Em 1975, surgiu uma empresa que, nos anos seguintes, colocaria em prática uma ideia que até então parecia inconcebível: o computador pessoal. Para isso, a Microsoft criou uma interface amigável que permitia ao não especialista comandar a máquina: o sistema operacional Windows.
Apesar de ter comandado essa revolução, a Microsoft perdeu o bit da história seguinte: a internet. A companhia de Bill Gates aferrou-se a seu software e franqueou terreno ao avanço de outros – Google e Facebook são dois deles. Recentemente, tentando recuperar o tempo perdido, desembolsou 8,5 bilhões de dólares para comprar o Skype, serviço de telefonia via internet. Continua gigante, com valor estimado em 240 bilhões de dólares, mas não é mais sinônimo de inovação.
O Google+ parece indicar que o Google compreende a lição. Nas primeiras duas semanas de atividade, com acesso restrito a convidados, atraiu estimados 10 milhões de usuários, que em geral avaliam bem o que viram lá dentro. Seu sucesso, vale repetir, ainda é incerto. Mas já está claro que, quando a gigante desperta, quem ganha é o usuário.