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Com Macron e champanhe, Europa celebra limites a Zuckerberg

Fundador do Facebook foi à Europa explicar o vazamento de informações no mesmo momento que bloco aprova nova lei para garantir privacidade de seus cidadãos

Zuckerberg: personifica tudo que os parlamentares europeus querem combater com a nova regulamentação
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Da Redação

Publicado em 26 de maio de 2018 às 09h24.

Última atualização em 26 de maio de 2018 às 11h40.

PARIS – Na beira do Sena no 16º arrondissement de Paris, fica um charmoso prédio de três andares construído no fim do século 19. Ele abriga atualmente o Centro Americano Mona Bismarck, responsável por divulgar a cultura e a arte americanas do século 20 e 21. Na noite do dia 24 de maio, contudo, o objetivo foi outro: festejar a implementação da Regulamentação Geral de Proteção de Dados (GDPR, na sigla em inglês), regras desenvolvidas pela União Europeia para proteger os dados dos cidadãos europeus que entraram em vigor à meia-noite, na virada para o dia 25.

Entre os convidados, havia empreendedores, empresários, investidores e influencers participantes do festival de inovação Viva Technology, que reúne 70 mil pessoas de 120 países na capital francesa do 24 ao 26 de maio. Depois de um primeiro dia intenso do festival, onde as palavras “privacidade” e “ Facebook ” foram mencionadas em todas as apresentações, o fundador do Facebook continuava sendo o foco das conversas no jardim com vista para a Torre Eiffel.

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A implementação da GDPR, vale lembrar, vem depois de múltiplos casos de vazamentos de dados no último ano envolvendo empresas como Yahoo e LinkedIn. O fato de Mark Zuckerberg, fundador e CEO do Facebook, finalmente ter aceitado vir à Europa para esclarecer para parlamentares como sua equipe evitará um novo escândalo como o da Cambridge Analytica é um macro importante no continente. Ele aproveitou para fazer uma visita ao presidente francês e participar de um bate-papo no Viva Tech.

O homem da vez

Zuckerberg praticamente personifica tudo que os parlamentares europeus querem combater com a nova regulamentação. O Facebook já tinha se envolvido com polêmicas em relação à utilização indevida dos dados de seus usuários, mas nada perto do escândalo revelado em março, quando o The New York Times e o inglês The Observer revelaram que dados de 50 milhões de usuários tinham sido utilizados com propósitos eleitorais pela empresa Cambridge Analytics, contratada pela equipe de Donald Trump.

Ao Parlamento Europeu, na quarta-feira, Zuckerberg explicou medidas que estão sendo tomadas pela empresa para evitar novos problemas, como a restrição de informações que podem ser acessadas por aplicativos e o desenvolvimento de ferramentas de inteligência artificial para detectar contas falsas. Ele contou que 200 aplicativos já foram banidos da rede social, e que esse número deve aumentar nos próximos meses.

Mas quando os parlamentares perguntaram se os usuários poderão escolher não receber publicidade direcionada, ou se os dados dos usuários do Facebook seriam separados dos dados dos usuários do Whatsapp, ele se disse “preocupado com a duração” da reunião e prometeu enviar as respostas por escrito nos próximos dias.

No dia seguinte, foi a vez de o presidente Emmanuel Macron recebê-lo, junto a executivos de outras 58 empresas de tecnologia, no Palais de l’Élysée, sede do governo francês. Zuckerberg e os executivos da IBM, Microsoft, Uber e SAP foram convidados para bate-papos particulares com o político.

Depois, foi a vez de Zuckerberg fazer a sua apresentação no Festival Viva Technology, organizado por Maurice Lévy, diretor do conselho de supervisão do Publicis Groupe, terceira maior empresa de publicidade do mundo. Só no primeiro dia, o evento reuniu CEOs de várias gigantes da tecnologia, como Satya Nadella (Microsoft), Ginni Rometty (IBM), Dara Khosrowshahi (Uber), Sébastien Missoffe (vice-presidente da Google França) e até o presidente francês Emmanuel Macron.

Macron criticou os modelos de mercado americano (conduzido por atores privados mesmo em questões que afetam toda a população, como a privacidade) e o chinês (muito centralizado) e defendeu que a Europa estabeleça as suas próprias regras, como começou a fazer com o GDPR. “É uma grande mudança porque estamos criando uma soberania europeia na questão de dados, e temos que fazer o mesmo com a nuvem e outros ecossistemas”, disse. “Nós estabelecemos as regras do jogo, tudo está claro, as empresas têm que seguir.”

A americana Ginni Rometty, CEO da IBM, ressaltou que a política da empresa é que os dados pertencem às pessoas, acima e antes de tudo. Uma jornalista encurralou Chuck Robbins, CEO da Cisco, para saber qual era a diferença entre a forma como eles e o Facebook lidavam com dados de usuários. Jimmy Wales, o fundador do Wikipedia, disse que Zuckerberg tinha a obrigação de fazer algo para remediar os problemas já que ele tem a vantagem de ser fundador e CEO da empresa, o que significa que ele “não pode demitido nem nada parecido”.

O CEO do Facebook subiu ao palco às 17h30, aplaudido de pé por uma plateia lotada. Do lado de fora do salão, cerca de 50 pessoas esperavam sem se importar com o aperto ou com o calor, cheias de esperança de que alguém fosse desistir de assistir ao bate-papo entre o empresário e o organizador do evento, Maurice Lévy (um interlocutor muito mais dócil do que os parlamentares europeus). Durante uma discussão de 40 minutos, Mark repetiu o que já havia dito na sessão parlamentar, ressaltando algumas vezes a missão do Facebook de “conectar pessoas e criar comunidades”. Quando questionado sobre o GDPR, ele disse que a “regulamentação é baseada em princípios que o Facebook sempre seguiu: controle, transparência e prestação de contas”.

O que é a GDPR

A nova regulamentação tem como objetivo dar aos cidadãos europeus mais poder sobre as suas informações pessoais assim como explicitar e padronizar as regras que regem a utilização de dados dos usuários pelas empresas. Até agora, os estados membros seguiam a diretiva europeia aprovada em 1995, mas também as próprias leis nacionais.

As regras não se aplicam exclusivamente à empresas europeias, mas à qualquer companhia que detenha dados de cidadãos europeus. O texto exige, por exemplo, que empresas com mais de 250 funcionários preparem um documento detalhando quais informações estão sendo armazenadas e processadas, a justificativa, como aqueles dados estão sendo protegidos e por quanto tempo eles serão armazenados.

Para processar dados de menores de 16 anos, é obrigatório ter a autorização dos pais. Casos de vazamento de dados de usuários devem ser notificados às autoridades e aos usuários em até 72 horas. Os usuários também passam a ter o direito de exigir que a empresa delete todas as suas informações pessoais caso ela retire o seu consentimento a ceder as informações, ou se provar que os dados não são mais necessários para o propósito declarado pela empresa, não há um interesse legítimo ou que o processo de obtenção ou processamento dos dados foi ilegal.

A aplicação dessas regras será monitorada por uma autoridade presente em cada estado membro da União Europeia. Caso haja um descumprimento das regras, a autoridade local poderá determinar multas que devem ser pagas pelas empresas. O valor deve ser determinado caso a caso, mas pode chegar a 20 milhões de euros ou ao correspondente a 4% do valor de negócios da empresa.

No caso do Facebook, por exemplo, que não notificou os usuários sobre o vazamento de dados no escândalo da Cambridge Analytica, isso significaria uma multa de 1,6 bilhão de dólares, levando em conta a renda de 40 bilhões de dólares de 2016. No Reino Unido, um estudo mostrou que se a nova regulamentação tivesse entrado em vigor no ano passado, as multas aplicadas pela autoridade local seriam 79 vezes mais altas.

Em sua reunião com os membros do parlamento europeu, Zuckerberg afirmou que o Facebook estará pronto para seguir as novas regras já no dia 25, e que logo essas regras devem ser aplicadas globalmente pela empresa. “A questão não é se deve ou não haver regulamentação, mas sim qual é a regulamentação certa”, disse. “O importante é fazer isso direito, garantir que tenhamos marcos regulatórios que ajudem a proteger pessoas, que sejam flexíveis, que permitam inovação, que não impeçam que novas tecnologias, como inteligência artificial, possam se desenvolver, e que garantam que as novas startups ou estudantes sentados em seus quartos da universidade, como eu estava há 14 anos, não tenham dificuldades desnecessárias para conseguir construir os próximos grande produtos”.

Resta saber em quais pontos Zuckerberg está mesmo disposto a dar o braço a torcer. Eis outra grande dúvida dos presentes na celebração do Centro Americano Mona Bismarck, entre uma e outra taça de champanhe.

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