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Clonagem não se opõe a deus, afirma cientista coreano famoso por pesquisa com embriões humanos

Em novo documentário da Netflix, o polêmico geneticista Hwang Woo-suk conta como se reinventou no campo de clonagem animal após ser desacreditado no setor de células-tronco humanas

Hwang Woo-suk: coreano pioneiro na clonagem de animais (JUNG YEON-JE/Getty Images)

Hwang Woo-suk: coreano pioneiro na clonagem de animais (JUNG YEON-JE/Getty Images)

André Lopes
André Lopes

Repórter

Publicado em 27 de junho de 2023 às 13h58.

Última atualização em 13 de outubro de 2023 às 14h49.

A produção cientifíca é conhecida por seu rigoroso autopoliciamento entre a comunidade acadêmica. Afinal, trata-se de um campo baseado em fatos, onde a confiança é parte da bússola moral que permeia o progresso. No entanto, a fraude científica e procedimentos que fogem à ética sempre se mostram a espreita.

Em "O Rei dos Clones" (2023), um novo documentário da Netflix estreado recentemente, a plataforma de streaming resgata a bizarra história de Hwang Woo-suk, um cientista sul-coreano que ganhou notoriedade há 20 anos por afirmar ter clonado embriões humanos, e prometido a cura para enfermos crônicos a partir de células tronco.

Depois de deixar a área em descrédito por resultados superestimados, Hwang narra no longa como encontrou uma nova oportunidade e atualmente dedica seus dias à clonagem de camelos para a realeza dos Emirados Árabes Unidos.

Mas, para entender melhor o peso de sua história na ciência moderna, é preciso considerar que, em meados dos anos de 1990, clonagem era a palavra da vez. A técnica de manipulação genética prometia avanços que poderiam resultar, por exemplo, na cura de doenças e o contorno da finitude  da vida humana.

O passo que a ciência dava previa que, com as próprias células dos pacientes, da pele ou de outro tecido, seria possível criar embriões, que funcionariam como uma fonte quase infinita de células tronco, o tipo de células capaz de criar qualquer tecido do corpo, com a assinatura genética do doador, que então poderiam ser usadas para tratar doenças. Hwang era o porta-voz dessa promessa e ganhou status de pop-star muito antes do grupo musical BTS surgir na Coreia.

Mas nem tudo estava bem no laboratório de Hwang, conhecido como a "fábrica de clones". Um aclamado correspondente da revista científica Nature na região Ásia-Pacífico, David Cyranoski, descobriu que a pesquisa de Hwang vinha de práticas bastante escusas, com violações éticas para a obtenção de óvulos humanos, que envolvia, entre outras coisas, manipular jovens pesquisadoras a serem doadoras.

Como mostra o documentário, a reviravolta na carreira de Hwang veio no final de 2006, quando as duas publicações celebradas foram retratadas por falsificar dados sobre embriões clonados. Como consequência, a fábrica de clones foi fechada e ele foi indiciado por fraude, violação da lei de bioética da Coreia do Sul e desvio de verba.

Sua derrocada também pós uma pá de cal sobre a panaceia da clonagem. Ainda que, por anos, apoiadores do trabalho de Hwang tenham pedido pela volta do cientista. Para muitos, ele era símbolo de uma coreia moderna e que avançava rapidamente se comparada a outras nações.

"Entre os críticos da técnica da clonagem, alguns insistem que a clonagem se opõe à ordem ou autoridade do criador, e que é uma tentativa de bancar deus. Entretanto, como alguém é capaz de dizer que esse campo só pertence a deus?", disse o geneticista, ao analisar sua trajetória.

Segunda Chance

Porém, mesmo assim, Hwang encontrou uma saída. Em 2006, enquanto as investigações sobre o escândalo de clonagem de células-tronco humanas estavam em andamento, Hwang fundou a Sooam Biotech Research Foundation, uma empresa privada de clonagem de cães, com o apoio financeiro de seus fãs mais fervorosos na indústria. A clientela incluía departamentos de policiais que usavam cães treinados e proprietários de animais de estimação em luto.

Na próxima década, o nome de Hwang foi associado a uma série de esforços de clonagem animal, desde a reprodução intensiva de animais de fazenda até tentativas implausíveis de trazer espécies extintas, como o mamute lanoso, de volta do cemitério evolutivo.

Em 2021, um grupo liderado por Hwang produziu 11 clones de Mabrokan, um camelo premiado que havia morrido repentinamente. Nos dias atuais, ele dirige um laboratório de clonagem de última geração no deserto ao redor de Abu Dhabi e vive em uma vila no terreno de um hotel sete estrelas, onde pratica natação diariamente.

O caso de Hwang ilustra as graves deficiências na autoregulação da ciência. Ele perdeu sua posição acadêmica e foi condenado por violações bioéticas e desvio de verba, mas nunca cumpriu pena.

Embora seus esforços em clonar embriões humanos tenham terminado em falha e fraude, eles lhe proporcionaram as oportunidades e recursos de que precisava para assumir outros projetos, como a clonagem de cães, que estavam além do alcance de outros laboratórios.

A fama que ganhou na academia provou ser um ativo em negócios para os quais não existe má publicidade.

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