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Chuvas em São Paulo e seca nos EUA comprovam tese do IPCC

Avaliação foi feita por pesquisadores a partir das conclusões do mais recente relatório publicado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas

Chuva em São Paulo: uma das principais conclusões do relatório é o aumento na frequência de eventos climáticos extremos (Agliberto Lima/ Veja São Paulo)
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Da Redação

Publicado em 28 de março de 2014 às 19h32.

São Paulo - Apesar de necessitar de mais estudos para reiterar evidências e esclarecer algumas incertezas sobre os níveis de confiança de algumas previsões, as conclusões do Relatório Especial sobre Gestão dos Riscos de Eventos Climáticos e Desastres (SREX, na sigla em inglês) – elaborado e recentemente divulgado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) – podem ser corroboradas pela maior ocorrência de eventos climáticos extremos em diferentes regiões do mundo, como a atual seca nos Estados Unidos, e pelo aumento de gastos realizados nos últimos anos por países como o Brasil para sanar os prejuízos causados por enchentes e deslizamentos provocados por chuvas intensas.

A avaliação foi feita por pesquisadores participantes do workshop “Gestão dos riscos dos extremos climáticos e desastres na América do Sul – O que podemos aprender com o Relatório Especial do IPCC sobre os extremos?”, realizado nos dias 16 e 17 de agosto, em São Paulo.

Realizado pela Fapesp e pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em parceria com o IPCC, o Overseas Development Institute (ODI) e a Climate and Development Knowledge Development (CKDN), ambos do Reino Unido, e apoio da Agência de Clima e Poluição e do Ministério de Relações Exteriores da Noruega, o objetivo do evento foi debater as conclusões do SREX e as opções para o gerenciamento dos impactos dos extremos climáticos, especialmente nas Américas do Sul e Central.

Uma das principais conclusões do relatório, elaborado pelo IPCC a pedido do governo da Noruega e da Estratégia Internacional para a Redução de Desastres (EIRD), da Organização das Nações Unidas (ONU), é o aumento na frequência de eventos climáticos extremos no mundo nas últimas décadas em função das mudanças climáticas.

Consequentemente, também aumentaram os impactos socioeconômicos desses fenômenos nos últimos anos devido a maior vulnerabilidade e exposição da população humana a eles, em função de fatores como o aumento desordenado da urbanização em regiões como a América do Sul.


Entretanto, de acordo com os pesquisadores, há incertezas a respeito de se alguns fenômenos climáticos extremos tendem a ocorrer em escala global, devido à escassez de dados.

O relatório indica, por exemplo, que é muito provável um aumento na frequência de dias e noites quentes nos próximos anos em diferentes regiões do planeta, tendência já detectada em observações meteorológicas realizadas em grande parte das regiões Sul e Sudeste do Brasil e no sudeste da América do Sul.

Por outro lado, o documento aponta dúvidas em relação ao aumento da frequência de chuvas intensas em todo o mundo, indicando regiões que apresentam aumento e outras onde ocorreu redução do evento climático – o que impossibilita generalizar a conclusão de que o fenômeno deve acontecer mais frequentemente em todo o planeta.

Contudo, as chuvas torrenciais em São Paulo com maior frequência nas últimas décadas indicam que têm ocorrido mais fortes precipitações de chuvas, pelo menos em escala regional.

“Se ainda há incertezas sobre a tendência de aumento da frequência de chuva em escala global, no caso de São Paulo não restam dúvidas de que as chuvas intensas têm aumentado muito na cidade nos últimos 50 ou 70 anos”, disse Carlos Nobre, secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), membro da coordenação do Programa Fapesp de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG) e do IPCC e um dos autores do SREX.

“Hoje temos três vezes mais chuvas intensas, que causam enchentes e desastres em São Paulo, do que há 70 anos. E as evidências de que esse tipo de evento climático extremo ocorre com maior frequência na capital paulista estão muito bem documentadas”, afirmou Nobre.

Em função de existir evidências mais concretas e consistentes do aumento na frequência de chuvas intensas em São Paulo nas últimas décadas, de acordo com Nobre, a cidade poderia servir como um laboratório excelente para a realização de estudos que relacionem os impactos socioeconômicos causados pelo aumento da frequência de eventos climáticos extremos com o nível de exposição e vulnerabilidade das populações a eles, de modo a reiterar as conclusões do IPCC.


“Seria muito interessante realizar pesquisas para quantificar as enormes mudanças climáticas em São Paulo causadas pelo impacto da urbanização e do efeito de ilha urbana de calor na cidade”, avaliou Nobre.

Impactos socioeconômicos

Nobre deu alguns exemplos de estudos publicados recentemente por pesquisadores do Estado de São Paulo que relacionam o aumento nos riscos à população causados pela maior frequência de chuvas intensas.

Um dos estudos apontou um aumento do número de áreas suscetíveis a alagamentos e que apresentam risco mais elevado de deslizamentos de terra na capital paulista. Outro estudo demonstrou que, com a urbanização, as áreas de chuva intensa se expandem e aumenta o risco de contaminação por leptospirose – doença transmitida pela urina do rato.

Já uma pesquisa feita no Departamento de Ecologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Rio Claro, em parceria com o Inpe, identificou que Campinas e Ribeirão Preto são as duas regiões no Estado de São Paulo que apresentam maior vulnerabilidade às mudanças climáticas nas próximas décadas.

A grande concentração populacional em Campinas potencializa as consequências de uma enchente. Já no caso de Ribeirão Preto, além de ser populosa, a região deverá registrar temperaturas mais altas nas próximas décadas.

“Podemos discernir em algumas regiões os impactos socioeconômicos causados pela aceleração dos eventos climáticos extremos, que estão associados a maior vulnerabilidade das populações em função da crescente urbanização do mundo e, em particular, das cidades da América Latina, onde esse processo ocorreu nas últimas décadas de forma caótica”, avaliou Nobre.


Segundo ele, no Brasil, por exemplo, os recursos para reconstrução de regiões assoladas por desastres causados por eventos climáticos extremos tiveram uma evolução muito rápida nos últimos dez anos e ultrapassaram o patamar de R$ 1,6 bilhão em 2011. “O impacto econômico dos desastres causados por eventos climáticos extremos já é sensível no país”, afirmou.

Alguns dos exemplos dados pelos pesquisadores para ilustrar o aumento da frequência de eventos climáticos extremos no Brasil nos últimos anos são a baixa umidade do ar registrada atualmente no Centro-Oeste do país e no sudeste de São Paulo, além das constantes enchentes no verão em São Paulo, Rio de Janeiro e em outras regiões do oeste do Brasil, e das secas no oeste da Amazônia.

Já no exterior, a seca que atinge os Estados Unidos atualmente é apontada pelos pesquisadores como um exemplo bastante consistente de evento climático extremo de ocorrência e dimensões raras, que corrobora as conclusões do SREX.

“É um evento climático que talvez ocorre somente a cada cem anos e que provoca um enorme impacto econômico e social, na medida em que perturba todo o sistema de preço de commodities agrícolas e afeta, inclusive, a segurança alimentar do país”, avaliou Nobre.

De acordo com Nobre, a seca nos Estados Unidos não foi documentada no SREX, mas deve ser incluída no próximo relatório do IPCC, previsto para ser publicado em 2013, que deve esclarecer algumas das incertezas sobre o nível de confiança de algumas previsões apontadas no documento atual.

“Muitas das informações publicadas no SREX serão atualizadas no quinto relatório do IPCC, por meio do qual esperamos ter uma melhor compreensão dos eventos climáticos extremos”, disse José Marengo, pesquisador do Centro de Ciência do Sistema Terrestre do Inpe, membro do IPCC e um dos autores do SREX.

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São Paulo - Apesar de necessitar de mais estudos para reiterar evidências e esclarecer algumas incertezas sobre os níveis de confiança de algumas previsões, as conclusões do Relatório Especial sobre Gestão dos Riscos de Eventos Climáticos e Desastres (SREX, na sigla em inglês) – elaborado e recentemente divulgado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) – podem ser corroboradas pela maior ocorrência de eventos climáticos extremos em diferentes regiões do mundo, como a atual seca nos Estados Unidos, e pelo aumento de gastos realizados nos últimos anos por países como o Brasil para sanar os prejuízos causados por enchentes e deslizamentos provocados por chuvas intensas.

A avaliação foi feita por pesquisadores participantes do workshop “Gestão dos riscos dos extremos climáticos e desastres na América do Sul – O que podemos aprender com o Relatório Especial do IPCC sobre os extremos?”, realizado nos dias 16 e 17 de agosto, em São Paulo.

Realizado pela Fapesp e pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em parceria com o IPCC, o Overseas Development Institute (ODI) e a Climate and Development Knowledge Development (CKDN), ambos do Reino Unido, e apoio da Agência de Clima e Poluição e do Ministério de Relações Exteriores da Noruega, o objetivo do evento foi debater as conclusões do SREX e as opções para o gerenciamento dos impactos dos extremos climáticos, especialmente nas Américas do Sul e Central.

Uma das principais conclusões do relatório, elaborado pelo IPCC a pedido do governo da Noruega e da Estratégia Internacional para a Redução de Desastres (EIRD), da Organização das Nações Unidas (ONU), é o aumento na frequência de eventos climáticos extremos no mundo nas últimas décadas em função das mudanças climáticas.

Consequentemente, também aumentaram os impactos socioeconômicos desses fenômenos nos últimos anos devido a maior vulnerabilidade e exposição da população humana a eles, em função de fatores como o aumento desordenado da urbanização em regiões como a América do Sul.


Entretanto, de acordo com os pesquisadores, há incertezas a respeito de se alguns fenômenos climáticos extremos tendem a ocorrer em escala global, devido à escassez de dados.

O relatório indica, por exemplo, que é muito provável um aumento na frequência de dias e noites quentes nos próximos anos em diferentes regiões do planeta, tendência já detectada em observações meteorológicas realizadas em grande parte das regiões Sul e Sudeste do Brasil e no sudeste da América do Sul.

Por outro lado, o documento aponta dúvidas em relação ao aumento da frequência de chuvas intensas em todo o mundo, indicando regiões que apresentam aumento e outras onde ocorreu redução do evento climático – o que impossibilita generalizar a conclusão de que o fenômeno deve acontecer mais frequentemente em todo o planeta.

Contudo, as chuvas torrenciais em São Paulo com maior frequência nas últimas décadas indicam que têm ocorrido mais fortes precipitações de chuvas, pelo menos em escala regional.

“Se ainda há incertezas sobre a tendência de aumento da frequência de chuva em escala global, no caso de São Paulo não restam dúvidas de que as chuvas intensas têm aumentado muito na cidade nos últimos 50 ou 70 anos”, disse Carlos Nobre, secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), membro da coordenação do Programa Fapesp de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG) e do IPCC e um dos autores do SREX.

“Hoje temos três vezes mais chuvas intensas, que causam enchentes e desastres em São Paulo, do que há 70 anos. E as evidências de que esse tipo de evento climático extremo ocorre com maior frequência na capital paulista estão muito bem documentadas”, afirmou Nobre.

Em função de existir evidências mais concretas e consistentes do aumento na frequência de chuvas intensas em São Paulo nas últimas décadas, de acordo com Nobre, a cidade poderia servir como um laboratório excelente para a realização de estudos que relacionem os impactos socioeconômicos causados pelo aumento da frequência de eventos climáticos extremos com o nível de exposição e vulnerabilidade das populações a eles, de modo a reiterar as conclusões do IPCC.


“Seria muito interessante realizar pesquisas para quantificar as enormes mudanças climáticas em São Paulo causadas pelo impacto da urbanização e do efeito de ilha urbana de calor na cidade”, avaliou Nobre.

Impactos socioeconômicos

Nobre deu alguns exemplos de estudos publicados recentemente por pesquisadores do Estado de São Paulo que relacionam o aumento nos riscos à população causados pela maior frequência de chuvas intensas.

Um dos estudos apontou um aumento do número de áreas suscetíveis a alagamentos e que apresentam risco mais elevado de deslizamentos de terra na capital paulista. Outro estudo demonstrou que, com a urbanização, as áreas de chuva intensa se expandem e aumenta o risco de contaminação por leptospirose – doença transmitida pela urina do rato.

Já uma pesquisa feita no Departamento de Ecologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Rio Claro, em parceria com o Inpe, identificou que Campinas e Ribeirão Preto são as duas regiões no Estado de São Paulo que apresentam maior vulnerabilidade às mudanças climáticas nas próximas décadas.

A grande concentração populacional em Campinas potencializa as consequências de uma enchente. Já no caso de Ribeirão Preto, além de ser populosa, a região deverá registrar temperaturas mais altas nas próximas décadas.

“Podemos discernir em algumas regiões os impactos socioeconômicos causados pela aceleração dos eventos climáticos extremos, que estão associados a maior vulnerabilidade das populações em função da crescente urbanização do mundo e, em particular, das cidades da América Latina, onde esse processo ocorreu nas últimas décadas de forma caótica”, avaliou Nobre.


Segundo ele, no Brasil, por exemplo, os recursos para reconstrução de regiões assoladas por desastres causados por eventos climáticos extremos tiveram uma evolução muito rápida nos últimos dez anos e ultrapassaram o patamar de R$ 1,6 bilhão em 2011. “O impacto econômico dos desastres causados por eventos climáticos extremos já é sensível no país”, afirmou.

Alguns dos exemplos dados pelos pesquisadores para ilustrar o aumento da frequência de eventos climáticos extremos no Brasil nos últimos anos são a baixa umidade do ar registrada atualmente no Centro-Oeste do país e no sudeste de São Paulo, além das constantes enchentes no verão em São Paulo, Rio de Janeiro e em outras regiões do oeste do Brasil, e das secas no oeste da Amazônia.

Já no exterior, a seca que atinge os Estados Unidos atualmente é apontada pelos pesquisadores como um exemplo bastante consistente de evento climático extremo de ocorrência e dimensões raras, que corrobora as conclusões do SREX.

“É um evento climático que talvez ocorre somente a cada cem anos e que provoca um enorme impacto econômico e social, na medida em que perturba todo o sistema de preço de commodities agrícolas e afeta, inclusive, a segurança alimentar do país”, avaliou Nobre.

De acordo com Nobre, a seca nos Estados Unidos não foi documentada no SREX, mas deve ser incluída no próximo relatório do IPCC, previsto para ser publicado em 2013, que deve esclarecer algumas das incertezas sobre o nível de confiança de algumas previsões apontadas no documento atual.

“Muitas das informações publicadas no SREX serão atualizadas no quinto relatório do IPCC, por meio do qual esperamos ter uma melhor compreensão dos eventos climáticos extremos”, disse José Marengo, pesquisador do Centro de Ciência do Sistema Terrestre do Inpe, membro do IPCC e um dos autores do SREX.

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