Tecnologia

A fantástica fábrica de mosquitos

Thiago Lavado A necessidade, para ficar numa frase batida, é a mãe da invenção. Pois essa lógica chegou ao mundo dos insetos. O verão brasileiro se aproxima e com ele uma conhecida ameaça deve voltar a rondar a casa dos brasileiros: mosquitos. Para combater o mais temido deles, o Aedes Aegypti, transmissor tanto da Dengue […]

FÁBRICA DE MOSQUITOS: a instalação tem capacidade de produzir 60 milhões de mosquitos modificados por semana e proteger até 3 milhões de pessoas do Aedes Aegypti / Alexandre Carvalho

FÁBRICA DE MOSQUITOS: a instalação tem capacidade de produzir 60 milhões de mosquitos modificados por semana e proteger até 3 milhões de pessoas do Aedes Aegypti / Alexandre Carvalho

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Da Redação

Publicado em 26 de outubro de 2016 às 11h02.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 17h59.

Thiago Lavado

A necessidade, para ficar numa frase batida, é a mãe da invenção. Pois essa lógica chegou ao mundo dos insetos. O verão brasileiro se aproxima e com ele uma conhecida ameaça deve voltar a rondar a casa dos brasileiros: mosquitos.

Para combater o mais temido deles, o Aedes Aegypti, transmissor tanto da Dengue quanto do Zika e da Febre Amarela, a empresa de sintetização biológica Oxitec, braço da Intrexon, uma gigante mundial do setor, investe, desde 2002, em mosquitos geneticamente modificados. Nesta quarta-feira 26 a estratégia para combater os bichinhos ganha um aliado tamanho família: a empresa inaugura em Piracicaba a primeira fábrica de mosquitos modificados, que pode produzir até 60 milhões de seres vivos em uma semana, um volume capaz de proteger até 3 milhões de pessoas do Aedes aegypti.  A fábrica é realmente um pólo industrial tecnológico, colocando o mosquito na lógica de produção com imensos galpões para criação e armazenamento . Em uma planta de 5.000 m² e um investimento de mais de 20 milhões de reais, a produção da Oxitec irá aumentar em 30 vezes. É a primeira empreitada empresarial desse tipo no Brasil, e deve ser um impulso decisivo no combate a doenças.

O quadro clínico é grave. Os esforços para conter as pragas são pouco correspondidos. Em março, o governo federal havia anunciado um plano de 1,2 bilhão de reais em investimentos e canais de crédito em pesquisa contra o Aedes Aegypti. A conta é cara e a guerra parece muito longe de estar ganha: só em 2015, a dengue matou 843 pessoas em todo o Brasil, com mais de 1,6 milhão de casos prováveis — o número é 178% maior do que em 2014. O Zika, só na primeira metade do ano, já havia deixado 165.900 casos suspeitos e mais de 66.000 confirmados. Não há dados anteriores sobre a doença.

Novos métodos de combate à proliferação do inseto, além de colocar areia nos pratinhos das plantas, são mais do que bem vindos. Nesse sentido, surgiu a Oxitec, inicialmente como um projeto de pesquisa na Universidade Oxford no Reino Unido. A empresa é líder na pesquisa e desenvolvimento de mosquitos geneticamente modificados. Segundo Andrew McKemey, entomologista e chefe de operações de campo da Oxitec, 40% da população mundial está sob risco direto do Aedes Aegypti.

Como funciona

A ideia é relativamente simples: o mosquito consiste em uma linhagem de machos do Aedes Aegypti, conhecida pelo nome de OX513A, ou, mais popularmente, Aedes do Bem. Segundo a Oxitec, o processo teve início com a injeção de dois genes modificados com DNA sintético em uma cepa de ovos de mosquitos, que impede que cheguem à vida adulta. Os mosquitos que saem do laboratório vão para a natureza e transmitem aos descendentes o gene eliminador, que acaba limitando o crescimento populacional do inseto no decorrer das gerações. Como somente as fêmeas picam os seres humanos, a empresa realiza um processo de filtragem para que haja somente machos entre aqueles que são soltos.

O mosquito modificado já foi utilizado em duas cidades no interior da Bahia, Juazeiro e Jacobina. Na primeira, a população de Aedes Aegypti caiu 94% após alguns meses de tratamento com os mosquitos transgênicos. Em Jacobina, a queda foi de 92%. A tecnologia também foi implementada em um bairro da cidade de Piracicaba, onde chegou a diminuir em 90% a população de mosquito em comparação com uma região da cidade onde não houve interferência. Em todos os casos, o Aedes do Bem foi utilizado ao lado de métodos já conhecidos de prevenção, como eliminar os focos de reprodução, visitas de agentes de saúde e mutirões de limpeza. Testes também foram realizados na Malásia, nas Ilhas Cayman e no Panamá.

Segundo informações que a Oxitec forneceu a EXAME Hoje, o mosquito não é vendido para as cidades, na medida que a empresa ainda não detém um registro junto à Anvisa para realizar esse tipo de transação comercial — a Avisa é o órgão regulador responsável pela comercialização de alimentos e remédios. Assim, a Oxitec realiza os testes em caráter de projeto de pesquisa. Com a cidade de Piracicaba, houve uma contrapartida financeira simbólica e de mão-de-obra (a cidade forneceu agentes de saúde). A empresa utiliza a parceria para aprimorar a pesquisa e o desenvolvimento do mosquito e a eficácia do projeto.

A Oxitec afirmou que já conseguiu um registro especial temporário para vender a tecnologia e que há outras cidades interessadas na parceria em forma de projeto de pesquisa.

Na fase inicial do teste em Piracicaba, a empresa soltava cerca de 1,5 milhão de insetos modificados em um pequeno bairro, com uma população de 5.000 habitantes, por semana. Conforme vai notando a diminuição da população, a taxa diminui para cerca de 800.000 mosquitos por semana. A operação dura cerca de dois anos.

Além do Brasil, a Oxitec quer realizar uma etapa de testes na região de Key Heaven, no sul da Flórida, uma área pequena de ilhas e baixo índice populacional que vive um surto do vírus Zika. Segundo a empresa o teste é menor do que aqueles já realizados no Brasil e foi aprovado pela agência reguladora nos Estados Unidos, a FDA.

Ainda falta a aprovação da comunidade local. No dia 8 de novembro, quando os moradores de Key Heaven forem votar para presidente, também poderão votar pela aprovação ou não do teste na região.

Críticas

O plano do mosquito geneticamente modificado parece um golaço. Os mosquitos são soltos, copulam com aqueles que estão no ambiente, morrem e levam consigo uma parte da próxima geração, que não chegará à idade adulta.

Mas grupos de ambientalistas afirmam que é impossível prever todas as implicações e desdobramentos da introdução de espécies geneticamente modificas na natureza. Exemplo: em 1880, quando a introdução de espécies distintas para controle de pragas era pouco estudada, fabricantes de cana-de-açúcar nas ilhas do Havaí introduziram um gambá carnívoro para comer os ratos que devastavam a produção. Problema: os gambás eram diurnos e os ratos noturnos. Resultado: os gambás acabaram se alimentando das aves da ilha e a praga de ratos continuou. Esse tipo de consequência, não pensada a priori, assusta aqueles que são críticos ao projeto, que acreditam que uma mutação pode afetar o gene elaborado em laboratório e criar uma variedade imprevisível do mosquito.

De acordo com a Oxitec, não há chance de mutação, já que os genes elaborados na linhagem do Aedes do Bem são seguros e mais de 100 gerações de mosquitos foram monitoradas.

Para o biólogo e ex-presidente da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), Fernando Reinach, a chance do tiro sair pela culatra é muito pequena e deve-se pesar os riscos ante as benesses de um projeto como esse, que pode diminuir a incidência de doenças que impactam diretamente a vida das pessoas. “O benefício é grande. Não podemos pensar nos riscos sem pensar nessas vantagens. Os riscos não são zero, mas com tudo que se sabe eles são muito baixos. Autoridades mediram esses riscos com testes e a tecnologia foi aprovada”, diz. O Aedes do Bem é uma variação liberada para uso nacional pela CTNBio, órgão regulador no Brasil que supervisiona transgênicos, além de seus impactos e aplicação para o meio ambiente e a saúde humana.

Soluções do passado

Em décadas passadas, o Brasil já tentou outras soluções para o problema dos mosquitos. Durante o início da década de 60, um composto químico conhecido por Dicloro-difenil-tricloroetano, o famoso DDT, foi responsável pela erradicação de insetos em diversos locais do mundo, inclusive no Brasil. A substância foi massivamente utilizada, de forma que o termo “dedetização” tem origem morfológica na sigla.

O retorno do DDT foi trazido à pauta por cientistas e articulistas que acreditam que seu uso pode ser uma forma de combater a Dengue e o recente surto do Zika. Os efeitos foram de fato milagrosos após o início da utilização. Entre 1960 e 1963, no Sri Lanka, os casos de Malária caíram de mais de 1 milhão para 18. No Brasil, o inseticida erradicou o Aedes Aegypti (o mosquito é um agente invasor e eliminá-lo não tem efeito ambiental no nosso ecossistema) entre o início dos anos 50 e o final dos anos 60.

Apesar dos resultados impressionantes, o custo foi alto. Estudos comprovam a toxicidade e a permanência do composto para além dos insetos, afetando o solo por décadas, bem como outros animais. Seres humanos que tiveram contato direto com o químico apresentaram problemas endócrinos, metabólicos e reprodutivos. O DDT foi banido nos Estados Unidos em 1972. Em 1991, 26 países já haviam proibido seu uso, incluindo Chile e Cuba. O Brasil entrou tardiamente para a lista: só em 2009 o DDT teve sua fabricação, importação, exportação, comercialização e uso proibidos. Entre erros e acertos da ciência, a fábrica de mosquitos de Piracicaba tem, até aqui, mais apoiadores do que críticos.  

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