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Caixa promete financiamento, mas não libera recursos

Em fevereiro a Caixa anunciou a liberação de R$ 8,2 bilhões para a linha pró-cotista, mas na prática financiamentos não têm sido concedidos


	Financiamento: correspondentes imobiliários relatam problemas na liberação de recursos da linha pró-cotista
 (Thinkstock/bee32)

Financiamento: correspondentes imobiliários relatam problemas na liberação de recursos da linha pró-cotista (Thinkstock/bee32)

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Da Redação

Publicado em 28 de março de 2016 às 09h35.

São Paulo – Em fevereiro deste ano, a Caixa Econômica Federal anunciou a liberação de 8,2 bilhões de reais para financiamentos de imóveis pela linha pró-cotista. Mas, ao que tudo indica, os recursos não estão chegando às mãos de compradores, ou estão chegando a conta-gotas.

A linha pró-cotista é usada para o financiamento de imóveis de até 400 mil reais e suas taxas só não são mais baratas do que as praticadas pelo banco no programa Minha Casa Minha Vida.

A professora Penélope Rodrigues afirma que no início de fevereiro recebeu um e-mail da Caixa que confirmava que a carta de crédito para o financiamento do seu imóvel pela linha pró-cotista havia sido aprovada, mas até o momento o crédito não foi liberado. “Fiz algumas ligações e enviei e-mails para a gerente para saber quando o contrato ficaria pronto e depois de alguns dias tive a notícia de que a Caixa não tinha dotação para o financiamento e também não tinha previsão para a liberação da verba”, conta.

Ela comprou um apartamento na planta e como as obras foram concluídas neste ano, a fase de pagamento das prestações à construtora se encerrou e ela precisa urgentemente da liberação do financiamento da Caixa para pagar o imóvel à construtora e seguir com o financiamento. "Já liguei várias vezes e a gerente continua dizendo que não há previsão para a liberação do financiamento, e a parcela das chaves [tarifa cobrada pela construtora na entrega do imóvel] venceu no dia 1º de março.”

O caso de Penélope não é isolado. EXAME.com entrou em contato com um gerente e três correspondentes imobiliários da Caixa (agentes autorizados a conceder financiamentos do banco) e todos relataram que, mesmo depois de aprovar a carta de crédito para seus clientes, o financiamento não é finalizado na grande maioria dos casos pela falta de dotação de recursos.

Roberta Picoli, agente do correspondente imobiliário Paulista Cred, afirma que as irregularidades na linha pró-cotista têm se arrastado desde setembro do ano passado. “Nós fazemos a avaliação do cliente, realizamos todo o processo que deve ser feito, conforme o normativo da Caixa, a carta de crédito é aprovada, nós fazemos o dossiê e quando o processo chega na agência, o contrato não é emitido porque eles afirmam que não têm verba orçamentária.”

Roberta acrescenta que o problema tem ocorrido apenas com a linha pró-cotista. “Os financiamentos do Minha Casa Minha Vida estão saindo normalmente, em 30 dias, assim como os financiamentos das demais linhas. Agora, na pró-cotista, temos um processo que está parado desde setembro, por exemplo”, diz.

Humberto Mota Garófalo, agente da GM Financiamentos, outro correspondente imobiliário da Caixa, confirma que a liberação de recursos para o programa Minha Casa Minha Vida tem sido priorizada pela Caixa. “Para o Minha Casa Minha Vida os recursos estão vindo, mas para a linha pró-cotista demora mais. Em alguns casos, nós aprovamos o financiamento pela linha pró-cotista, emitimos a carta de crédito, que tem validade de 60 dias, mas como o dinheiro não veio nesse prazo tivemos de cancelar o processo e começar tudo de novo.”

Ele afirma, no entanto, que a partir desta semana os problemas parecem ter começado a ser sanados. “O governo alocou os recursos na segunda-feira (21) e agora acho que é uma questão de regularização da operação até que a linha volte ao normal”, diz Garófalo.

Vinicius Costa, consultor jurídico da Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação (ABMH), afirma que diversos mutuários procuraram a entidade para relatar problemas no recebimento dos recursos da linha pró-cotista. “Houve a liberação de recursos no final de fevereiro, mas até hoje, na prática, eles não foram operacionalizados. Eu tive notícia de apenas um mutuário que conseguiu a aprovação, mas a maioria ainda está enfrentando problemas.”

Os relatos ouvidos pela reportagem mostram que, no geral, ainda não é possível dizer que os recursos para a linha pró-cotista estão sendo liberados normalmente. Ainda que em alguns casos pontuais o financiamento tenha sido aprovado a partir desta semana, é um consenso que as verbas têm sido distribuídas a conta-gotas.

Conforme relata Penélope Rodrigues, pelo menos até quinta-feira (24) sua gerente continuava sem previsão sobre a liberação do seu financiamento. “Ela disse que não está conseguindo a dotação nem para mim, nem para outros clientes. E a Caixa segue sem previsão”.

EXAME.com entrou em contato com a assessoria de imprensa da Caixa Econômica Federal para questionar por que os recursos da linha pró-cotista não estão sendo liberados normalmente, mesmo após a divulgação do repasse de 8,2 bilhões de reais para a linha, mas não obteve resposta. A reportagem também perguntou por que não foi divulgada nenhuma nota informando os clientes sobre os problemas, mas da mesma forma a Caixa não se manifestou.

Propaganda enganosa

Vinicius Costa, da ABMH, afirmou que a entidade deve entrar com uma ação judicial contra a Caixa. “A ação vai ser proposta não só por causa dos atrasos dos financiamentos da linha pró-cotista, mas também pela falta de informação, que causa um dano coletivo aos mutuários. Nós também estamos pensando em mencionar no processo a prática de propaganda enganosa, já que a Caixa anunciou a liberação de recursos para a linha, mas os financiamentos não estão acontecendo”, diz.

Para Marcelo Prata, presidente do Canal do Crédito, o governo pode ter anunciado a liberação de recursos para a linha pró-cotista para elevar sua taxa de aprovação junto à população. “Como a linha pró-cotista tem taxas de juros baixas, de 9,9% ao ano, fica bonito na foto dizer que os recursos estão sendo liberados. Além disso, é uma linha que atinge a população de classe média, que vem sentido mais os impactos da crise. O efeito político do anúncio é muito forte”, diz.

O presidente do Canal do Crédito explica que os recursos liberados pelo Conselho Curador do FGTS podem estar sendo canalizados para o programa Minha Casa Minha Vida, que também usa recursos do fundo de garantia.

Prata explica que parte dos recursos do Minha Casa Minha Vida é repassada pelo governo diretamente às construtoras responsáveis pelos empreendimentos que fazem parte do programa de moradia popular. “Algumas construtoras só iniciam as obras quando 70% das unidades já foram vendidas a participantes do Minha Casa Minha Vida. Por isso, o governo pode estar priorizando o repasse dos recursos do FGTS a essas construtoras para que não haja atraso na entrega das unidades”, afirma.

Ele diz ainda que os imóveis comprados no âmbito do Minha Casa Minha Vida por famílias com renda de até 1.600 reais podem contar com subsídios do governo. Assim, parte do imóvel é paga pelo participante do programa e outra parte é paga pelo governo diretamente à construtora responsável pelo empreendimento.

“Os recursos liberados pelo Conselho Curador do FTGS são usados tanto para a linha pró-cotista, quanto para o Minha Casa Minha Vida. Mas esse dinheiro não está indo para as pessoas físicas, que utilizam a linha pró-cotista, ele está sendo usado para honrar os repasses às construtoras do Minha Casa Minha Vida”, diz.

Recentemente, a Caixa também anunciou que o percentual exigido de entrada para o financiamento de imóveis usados seria reduzido de 50% para 30%. Conforme destaca Prata, o anúncio surpreendeu o presidente da Associação Brasileira das Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), Rubens Menin e outros participantes do mercado.

“Quando o presidente da associação que reúne as maiores incorporadoras do mercado fala que foi surpreendido, é um sinal claro de que a Caixa não está se falando com o setor. Parece que os anúncios de ampliação do crédito têm sido feitos para fins políticos, talvez para passar um certo otimismo e uma imagem de que existe luz no fim do túnel”, diz o presidente do Canal do Crédito

Como fazer valer seus direitos

Vinicius Mota afirma que a ABMH tem orientado clientes da Caixa a recorrer ao poder judiciário caso a carta de crédito tenha sido aprovada e os recursos não tenham sido liberados. “É como se a Caixa prometesse que vai emprestar um dinheiro que não tem. Isso fere o Código de Defesa do Consumidor”, diz.

Ele afirma que a ação deve ser proposta com o objetivo de reaver perdas e danos causados pela falsa promessa de financiamento.

Caso o mutuário não possa aguardar a decisão judicial, Costa recomenda que outra linha de crédito seja buscada pelo mutuário dentro da Caixa ou até mesmo em outro banco para evitar danos maiores, como a perda do imóvel. Assim, as diferenças entre as taxas da linha pró-cotista, que haviam sido aprovadas na carta de crédito, e as taxas praticadas no novo financiamento podem ser cobradas por meio do processo judicial.

“Se o serviço foi disponibilizado e o crédito foi aprovado, o contrato deve ser cumprido pela Caixa. O mutuário não deve arcar com o ônus causado pela falta de recursos, não é sua responsabilidade”, defende Costa.

O consultor da ABMH afirma que as chances de sucesso do mutuário ao entrar com um processo judicial como esse são grandes, mas para que a decisão seja favorável é preciso comprovar que o financiamento foi aprovado e houve atraso no cumprimento do contrato. Essa comprovação, segundo ele, pode ser feita por meio da apresentação da carta de crédito aprovada, de e-mails, documentos e até por meio do depoimento de testemunhas que afirmem que a Caixa prometeu os recursos, mas não entregou.

Ele orienta que o mutuário procure advogados já especializados nesse tipo de causa. Ainda que os honorários variem muito de acordo com o caso e o profissional, Vinicius Costa diz que alguns advogados permitem que o pagamento dos honorários seja prorrogado para o final do processo para que os serviços sejam pagos com o próprio valor obtido com a indenização paga pela Caixa.

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