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Voz feminina

As mulheres dominam as indicações ao Grammy deste ano. O que isso diz sobre a música pop atual

Billie Eilish: aos 18 anos, é a mais jovem concorrente ao prêmio de Álbum do Ano (Krista Schlueter/The New York Times/Fotoarena)

Billie Eilish: aos 18 anos, é a mais jovem concorrente ao prêmio de Álbum do Ano (Krista Schlueter/The New York Times/Fotoarena)

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Da Redação

Publicado em 16 de janeiro de 2020 às 05h15.

Última atualização em 16 de janeiro de 2020 às 10h17.

As mulheres estão literalmente ganhando voz. As cantoras tomaram conta das principais indicações ao Grammy, maior prêmio da indústria fonográfica internacional, cuja cerimônia de entrega será realizada em 26 de janeiro no Staples Center, em Los Angeles — o canal pago TNT deverá transmitir o evento ao vivo para o Brasil. Apenas nas quatro principais das 84 categorias (chamadas de The Big Four), são 20 entre 32 indicações (62%) para artistas do sexo feminino. Números iguais aos do ano passado, porém desta vez com um peso maior.

Em 2019, a lista de mais indicados teve predominância masculina: Kendrick Lamar com oito, Drake com sete e Boi-1da com seis. Também com seis aparecia a primeira artista feminina, Brandi Carlile, seguida de quatro mulheres com cinco indicações (junto com três homens). Desta vez, o domínio é feminino. No total de categorias, Lizzo lidera com oito indicações e a menina-prodígio Billie Eilish soma seis (empatada com o jovem rapper LGBT Lil Nas X).

Na sequência, Ariana Grande e H.E.R. concorrem a cinco prêmios, junto com Finneas O’Connell, irmão de Billie Eilish — e todas as nomeações dele são relacionadas a lançamentos dela. Lizzo e Billie também concorrem a todos os prêmios Big Four (Disco do Ano, Álbum do Ano, Canção do Ano e Melhor Revelação), fato raro na história do Grammy. Se tiver uma noite perfeita, com oito prêmios em oito nomeações, Lizzo vai igualar o recorde de troféus de Michael Jackson em 1984 e do Santana em 2000. E superar o número de conquistas de uma mulher numa edição: seis Grammys (Beyoncé em 2010 e Adele em 2012).

Lizzo | William T Wade Jr/Ace Pictures/Zuma Press/Fotoarena

A guinada para uma presença maior das artistas é consequência da repercussão negativa da cerimônia de 2018, quando apenas uma mulher venceu no Big Four, o que fez a hashtag #GrammysSoMale se espalhar pelas redes sociais. Para piorar, Neil Portnow, então presidente da Recording Academy, entidade americana que organiza o Grammy, disse à revista Variety que as mulheres deveriam se esforçar mais — previsivelmente, tentou se retratar depois, sem sucesso. Os acontecimentos geraram contestações ao sistema de votação do Grammy.

Meses depois, a Recording Academy deu poder de voto a 900 novos membros e acrescentou outros 1 340 em 2019, todos podendo votar online (até 2017, os votos podiam apenas ser enviados pelo correio). Outro lance decisivo foi a troca de comando na entidade. Em agosto passado, Deborah Dugan sucedeu a Portnow e tornou-se a primeira mulher a presidir a Recording Academy, com uma agenda assumidamente pró-diversidade. Este será o primeiro Grammy sob o comando dela.

Ariana Grande: a mais indicada do ano e a veterana | Kevin Mazur/Getty Images

Nas últimas dez edições, de 2010 a 2019, a média de indicações para mulheres aos prêmios Big Four foi de 44%, menor do que os 62% desta edição e da anterior. A quantidade de indicações não necessariamente se traduz em vitórias. Dos quatro prêmios principais, só houve mais triunfos femininos nos anos em que a cantora Adele faturou três troféus, em 2012 e 2017. Houve anos em que as mulheres não levaram nada no Big Four, como em 2013 e 2015. Neste último, elas tinham quatro das cinco indicações para Disco do Ano e ainda assim perderam para o único homem concorrente (Stay with Me, de Sam Smith).

No ano passado, os 62% de indicações no Big Four se traduziram em duas vitórias: a cantora pop-country Kacey Musgraves levou Álbum do Ano (e foi a grande vencedora da noite, com quatro troféus) e a inglesa Dua Lipa venceu como Revelação. Disco do Ano e Canção do Ano ficaram com um homem (nos dois casos, o rapper Childish Gambino). Considerando todas as categorias, não é tão frequente que mulheres sejam as maiores vencedoras de uma edição. Além de Kacey Musgraves no ano passado, nesta década isso só ocorreu com Beyoncé em 2010 (seis vitórias em dez indicações) e Adele em 2012 (seis vitórias em seis indicações).

Adele (no alto) e Beyoncé (abaixo): cantoras que mais venceram em uma única edição, com seis prêmios cada uma | Phil Walter/Getty Images
Larry Busacca/PW18/Getty Images

Por ser um prêmio da indústria, o Grammy sempre leva mais em consideração o sucesso do que a realização artística, pelo menos nas categorias principais. Mesmo assim, as principais indicadas de 2020 não são meras pecinhas de uma máquina de fazer milhões. Lizzo, a estrela maior das nomeações, é uma cantora negra plus-size que preenche os arranjos sintonizados com o R&B dos tempos atuais e uma voz cheia e poderosa. Apesar de indicada também como Revelação, ela tecnicamente não é uma novata.

Tem 31 anos e já tinha feito dois álbuns independentes antes de Cuz I Love You, seu primeiro lançamento apoiado por uma gravadora de grande porte. Sua reputação foi favorecida por um culto crescente nas redes sociais. Posar nua na capa do álbum com seu corpo fora do padrão ajudou a aumentar a popularidade.

Billie Eilish é outro fenômeno da era da internet. Com 18 anos completados em dezembro, é a mais jovem indicada ao prêmio de Álbum do Ano (Lorde, com 17 anos em 2014, nem foi indicada, apesar de ter vencido a Canção do Ano). Em comparação a Lizzo e Billie Eilish, outras cantoras são até veteranas. Ariana Grande e H.E.R. já frequentam há anos o rol das indicadas.

E, com quatro nomeações em categorias mais específicas, chamam a atenção a cantora de raiz Yola e a veterana do country Tanya Tucker. Hoje com 61 anos, Tanya foi estrela precoce da música caipira americana. Tinha 13 anos quando foi indicada a um Grammy pela primeira vez. Não venceu nessa nem nas outras nove ocasiões seguintes. Agora, com quatro chances embaladas por seu álbum “de retorno” While I’m Livin’, pode enfim levar seu pequeno gramofone.

A recordista na história do Grammy é alguém que está longe de ser uma superstar: a cantora e violinista folk americana Alison Krauss, que coleciona 27 troféus e é a terceira no geral (atrás dos maestros Georg Solti, com 31, e Quincy Jones, com 28). Algumas conquistas de Alison aconteceram com sua banda Union Station, e as principais foram em 2009 numa parceria com Robert Plant, ex-vocalista do Led Zeppelin — seis vitórias, entre elas as de Disco do Ano e Álbum do Ano. Mesmo que alcance 100% de vitórias, Lizzo ainda estará distante de Alison. Mas, se a torcida ajudar, está no caminho para isso.

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