Farmácia: o setor teve crescimento bruto de mais de 19% (Leandro Fonseca/Exame)
Da Redação
Publicado em 13 de setembro de 2022 às 06h00.
Desde que a britânica Margaret Keenan, uma avó de 90 anos na época, deu o ombro para a primeira agulhada mundial de uma vacina contra a covid-19, o mundo parece ter não apenas experimentado certo alívio com a chegada do premente e promissor antídoto, mas também despertado pelo simbolismo das palavras de Maggie.
“Estou muito orgulhosa por ter sido a primeira, por rolar a bola e mostrar que esse é o caminho”, declarou, no histórico 8 de dezembro de 2020, diante das câmeras de TV aglomeradas no University Hospital em Coventry, na Inglaterra. “Agora, espero a segunda dose [ministrada 18 meses depois] para sair de férias, viajar e ver meus filhos e netos... Estou sozinha há mais de um ano.”
O antídoto, a esperança, a vontade de viajar, um toque de spray no cabelo — que ela pediu à enfermeira May Parsons que lhe aplicasse antes da vacinação transmitida via satélite; afinal, autoestima também é saúde —, são todos símbolos de algo que aflorou no início da pandemia e se estendeu por 2021: a busca prioritária e incessante pelo bem-estar, uma busca que se traduz na percepção de que não há nada mais importante do que isso no momento.
É como se o mundo parasse (e parou) para que as pessoas refletissem sobre a real necessidade de se cuidar, de todas as formas. Parafraseando James Carville, assessor e marqueteiro preferido de Bill Clinton: “É a saúde, estúpido!” Física, mental, social e até espiritual. Todo o resto é detalhe.
Ora, parece um tanto óbvio dizer que a prioridade de um mundo curvado a um vírus letal é a incessante corrida para debelar a doença ou, pelo menos, mitigar seus danos, seja com campanhas públicas de saúde, com estímulo ao isolamento, seja com medidas individuais preventivas, entre elas a corrida aos balcões de farmácia.
Em cenários assim, a venda de produtos que ajudam a fortalecer mente e corpo tende a aumentar, o que explica, em parte, o crescimento bruto de mais de 19% do setor farmacêutico e de beleza na comparação com 2020, como mostra o ranking da EXAME MELHORES E MAIORES.
“Estamos falando de um crescimento líquido de 9% e de uma rentabilidade média de 17%, margem não tão usual assim para esses setores”, diz Samuel Barros, pró-reitor de pós-graduação no Ibmec do Rio de Janeiro e no de Belo Horizonte e coordenador técnico do anuário.
Dados do Sindusfarma, o sindicato que reúne a indústria farmacêutica, mostram que a procura por vitaminas, em geral a C e a D, cresceu mais de 70% no biênio 2020/2021, e a compra de antitussígenos e antigripais foi 28% maior do que em 2020. Isso sem contar o aumento do receituário de produtos para o sistema nervoso central.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), houve um crescimento de mais de 25% nos casos mundiais de depressão e ansiedade durante a pandemia. “Tivemos, por um lado, uma atitude preventiva, a busca por maior proteção física por meio de vitaminas, antigripais. Por outro, a busca pelo equilíbrio mental”, afirma Nelson Mussolini, presidente do Sindusfarma.
É essa atitude preventiva, elevada a padrões inéditos, que conta mais do que os números. Dito de outra forma: a percepção do que realmente importa. “As pessoas sabem que essa não é a última pandemia do mundo e estão cada vez mais atentas ao futuro e à qualidade de vida”, diz Mussolini.
A consultoria McKinsey mapeou recentemente — e pela primeira vez — a percepção do que se pode chamar de wellbeing ou wellness (o bem-estar), por meio de uma pesquisa com 1.000 cidadãos de 19 países. As perguntas foram formuladas com base nas quatro dimensões do que os especialistas do recém-criado McKinsey Health Institute estruturaram para compor a sensação holística do mens sana in corpore sano.
São elas: saúde física, mental, social e espiritual (que nada tem a ver com religião, e sim com aspectos como o propósito de fazer algo, a identidade no mundo ou a sensação de pertencimento). “Segundo a OMS, saúde é um estado de bem-estar completo, e não somente a ausência de doenças e enfermidades”, diz Marcus Frank, sócio da McKinsey.
“Um mapa de percepção teria, portanto, de ser holístico, buscar algo além do físico e do mental.” Entre outras conclusões, a pesquisa apontou que a saúde física e mental é considerada prioridade para 92% dos brasileiros, ante a média de 85% no mundo. Na saúde social, os índices ficam em 83% para o Brasil e 70% para o mundo e, na espiritual, em 78% e 62%, respectivamente.
Se a ausência de uma série histórica do recém-criado instituto impede a comparação de percepção de bem-estar com períodos pré-pandemia, outro estudo da McKinsey dá uma boa ideia da transformação provocada pelo evento covid-19 na mente e no bolso de 7.500 consumidores em seis países.
A pesquisa mostra que o mercado global do bem-estar é uma arena de 1,5 trilhão de dólares, formada por seis categorias, que cresceram entre 5% e 10% em 2021: saúde médica; saúde física; nutrição; estética e aparência; qualidade do sono; e equilíbrio psicológico.
Também revela que o investimento do brasileiro em bem-estar aumentou na pandemia, chegando a ser duas vezes maior do que o de consumidores dos outros países pesquisados (estamos falando, claro, de um estrato social com alguma renda, capaz de driblar a conjuntura e comprar bem-estar sem precisar fazer escolhas — uma parcela cada vez menor da população).
Em valores, esse gasto equivale a 1.200 reais per capita por ano, sobretudo com as categorias saúde médica e bem-estar psicológico. A tendência, segundo o estudo, é de que 80% dos consumidores mantenham ou aumentem os gastos com corpo e mente.
“A visão geral é de investimento maior no ‘eu’, no equilíbrio interno”, diz Frank. “Observe as novas gerações, o apego ao propósito, às questões sociais, ao bem-estar... É um movimento que já vinha se consolidando, a pandemia foi só o acelerador da tendência.”
Essa mudança de percepção sobre as várias dimensões da saúde, claro, alcançou as empresas. Cresce o número de companhias que adicionaram a seus benefícios a categoria mental health, com psicólogos à disposição dos funcionários, ou que estudam novas formas de manter o equilíbrio emocional do time, sem comprometer a produtividade.
Experiências recentes na Europa e nos Estados Unidos — e algumas no Brasil — com a semana de quatro dias mostram que a produtividade se manteve intacta ou até mesmo cresceu ao se instituir o respiro de um dia, geralmente às quartas-feiras.
É inteligente de todas as formas. Reduz custos com estrutura, algo que já se observava com o advento dos sistemas híbridos de expediente, preserva a saúde física e mental do funcionário e aumenta os níveis de engajamento.
“O mundo precisa descansar. Como diz um amigo do mercado financeiro, a gente vem nos últimos 40 anos numa batida de fundo de investimento, em que tudo tem de gerar resultado financeiro a qualquer custo”, diz Barros, do Ibmec. “Isso não é necessariamente uma verdade. As empresas também têm de gerar riqueza num aspecto mais amplo para a sociedade, e isso passa pelo bem-estar coletivo.”
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