Na geladeira: o protótipo de um processador quântico da IBM fica armazenado num criostato | Andy Aaron/ IBM divulgação
Da Redação
Publicado em 2 de novembro de 2017 às 05h55.
Última atualização em 14 de novembro de 2017 às 12h14.
O escritor de ficção científica William Gibson afirma que “o futuro já está aqui; só não está igualmente distribuído”. Para conhecê-lo, é preciso pesquisar em laboratórios de ponta, empresas visionárias e mercados pujantes. É o que fizemos neste ensaio, em que apresentamos sete projetos grandiosos. São sete futuros, em variados estados de “presente”. Alguns, como afirma Gibson, já estão aí, só não estão em todo lugar. Outros vão demorar para chegar. E alguns, talvez, já estejam no passado — sonhos que dificilmente vão se realizar. Todos eles mostram, porém, o extraordinário avanço do conhecimento e o exuberante poder da vontade humana. A computação quântica, com máquinas muito mais potentes do que as de hoje, a ligação de chips diretamente aos neurônios e o fim do câncer são algumas dessas promessas.
QUANTO O QUANTUM FAZ
O progresso tecnológico às vezes exige que se quebre uma lei ou outra. No atual caso da computação, o que ocorre é o oposto: a Lei de Moore está perdendo sua validade — e por isso é necessário inventar algo substancialmente novo.
Pela Lei de Moore, o tamanho dos transistores cai e o poder de processamento dobra a cada um ou dois anos. Isso tem valido desde os anos 60, mas agora está se atingindo o limite de miniaturização das estruturas de silício. A solução para esse impasse parece ser a computação quântica. Em vez de lidar com zeros e uns, a linguagem binária dos computadores de hoje, as máquinas quânticas lidam com a nuvem de probabilidades da posição de uma partícula subatômica (um conceito tão simples que o físico Albert Einstein, um de seus criadores, recusou-se a aceitá-lo, dizendo que “Deus não joga dados com o universo”).
Como há infinitos valores entre zero e 1, um computador que utilize essa propriedade pode ser milhões de vezes mais potente. Pelo menos em teoria. E esse é o eldorado da computação. Uma das pioneiras nesse campo é a empresa canadense D-Wave, que construiu uma máquina de 1 000 qubits (os bits quânticos). Entre seus clientes estão o Google, a Nasa e a empresa de aviação Lockheed Martin.
Microsoft e IBM também têm seus projetos. Em outubro, a Intel anunciou que também está avançando na computação quântica, tendo entregado um chip de 17 qubits para uma empresa de pesquisas holandesa.
Por enquanto, esses computadores não fizeram cálculos mais rápidos nem mais acurados do que os construídos com chips de silício. E eles têm um problema extra: qualquer abalo pode destruir o “campo de probabilidades”. Por isso, os computadores quânticos precisam ser envolvidos em cápsulas de proteção térmica e de choque, do tamanho de um tanque de aquecedor, para funcionar perto do zero absoluto (273 graus Celsius negativos).
É, portanto, uma tecnologia que ainda está em fase embrionária. Mas já se trata de uma indústria bilionária.
No início do século, o mundo praticamente não usava energia elétrica convertida da luz solar. No final do ano passado, 300 gigawatts (GW) vinham dessa fonte — o equivalente a 20 usinas de Itaipu. Esse número aumentou porque a tecnologia se tornou mais acessível. E agora esse processo tende a acelerar. Segundo a Agência Internacional de Energia Renovável, o custo da energia solar deverá cair 60% ou mais no futuro próximo, o que levará a mais 80 ou 90 GW de capacidade instalada no mundo por ano daqui a cinco ou seis anos.
Entre os grandes avanços recentes ou por vir estão tetos feitos de materiais que aproveitam a luz do Sol para gerar energia. Um dos projetos é o de um teto curvo desenvolvido pelo Instituto Federal de Tecnologia da Suíça, com várias camadas de concreto, de menos de 12 centímetros de espessura, sobre as quais vai uma fina camada de polímeros que absorvem a luz solar e a transformam em energia. Outro é o teto solar da Tesla. Em vez de pôr placas no telhado, as próprias telhas são as placas. E o teto é bonito — e mais barato do que um telhado tradicional. Mais uma novidade são os painéis solares transparentes, que podem ser colocados em janelas, vidros de carros e até na tela de celulares.
Fora esses avanços, há projetos de ambições mais, digamos, estratosféricas: um time de engenheiros da Universidade de Strathclyde, na Escócia, propõe colocar placas de captação de luz solar em satélites na órbita da Terra. É uma ideia que data dos anos 60. Em órbita, as placas não teriam o obstáculo das nuvens e, se bem posicionadas, poderiam aproveitar a luz continuamente (com apenas 44 horas de noite por ano). A energia acumulada seria enviada à Terra por um intenso raio laser infravermelho ou por um cone de micro-ondas. Mas o custo dessa solução ainda deve permanecer proibitivo durante muitos anos.
OS ROBÔS SOMOS NÓS
Há os que temem que os robôs ocupem o lugar dos seres humanos. Mas é crescente o número de cientistas, empreendedores e investidores que apostam numa evolução conjunta de humanos e máquinas. Em outras palavras, as máquinas não nos substituiriam; elas se mesclariam a nós.
De certa forma, isso já acontece, se você considerar que os smartphones são praticamente uma extensão de nosso corpo hoje em dia. Mas o verdadeiro avanço deverá vir com implantes.
Os primeiros deles foram os implantes cocleares — que ajudam as pessoas com deficiência auditiva a levar uma vida normal. Em outubro, a Apple celebrou uma parceria com a companhia australiana Cochlear para que o implante auditivo seja integrado a iPhones, iPads e iPods.
Mas isso foi só o primeiro estágio. Os projetos agora são bem mais ambiciosos. O Facebook está investindo em interfaces entre cérebro e computador para que as pessoas digitem com a mente; Elon Musk, da Tesla, criou a Neuralink para produzir aparelhos a ser implantados no cérebro. Na França, pesquisadores colocaram um implante que estimula um nervo crucial do cérebro num paciente em estado vegetativo há 15 anos — e relataram aumento de atividade cerebral (incluindo o que talvez sejam respostas a comandos simples).
Outra equipe francesa está testando implantes para curar ou amenizar os problemas de paralisia causados por acidentes — no experimento mais recente, um implante fez o cérebro de um macaco conseguir mover uma perna paralisada. Na Austrália, cientistas desenvolvem implantes para ajudar vítimas de paralisia a controlar máquinas; ao mesmo tempo, os implantes monitoram e preveem convulsões. Entre as habilidades extras que os implantes poderiam trazer aos humanos estão ouvir com mais clareza, enxergar no escuro, melhorar o senso de direção, curar a depressão, controlar mudanças de humor, buscar informações na web e traduzir frases ditas em outras línguas.
Esses avanços, porém, ainda estão a pelo menos dez ou 15 anos de distância, segundo pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts.
ESPAÇO — A FRONTEIRA INTERMEDIÁRIA
Se os humanos não colonizarem o espaço em breve, não será por falta de otimismo. Em julho, o bilionário inglês Richard Branson afirmou que, se não viajasse para o espaço dentro de seis meses (até o final do ano, portanto) ficaria muito desapontado. Ele montou a Virgin Galactic para realizar voos comerciais ao espaço e, depois de uma freada nos planos por causa de um desastre com uma nave em 2014, está voltando à carga.
Seu maior rival para realizar a proeza é o também bilionário sul-africano Elon Musk, que em setembro deu um prazo de sete anos para sua SpaceX estar pronta para levar pessoas a Marte. Para alguém que não está conseguindo cumprir os prazos de fabricação de carros (em uma de suas outras empresas, a Tesla), soa como bravata.
É bem possível que esse sonho demore algumas gerações para se realizar — ou não se realize nunca. A Nasa acaba de divulgar o relatório preliminar de um estudo sobre os efeitos da viagem espacial no corpo humano. “Nós vemos uma explosão, como fogos de artifício, assim que o corpo humano sai da Terra — milhares e milhares de genes mudam a maneira como são ligados e desligados”, afirmou um dos pesquisadores, Chris Mason.
Outros cientistas alertam que, fora do campo magnético protetor da Terra, estaremos vulneráveis a riscos horríveis de saúde, provocados por raios cósmicos repletos de partículas de alta energia.
Mesmo se Marte estiver descartado pelas próximas décadas, no entanto, ainda existe a hipótese de usar os foguetes reutilizáveis para visitar… a Terra. Nos planos de Musk estão viagens entre cidades distantes que poderiam ser feitas em questão de minutos. Uma vez no espaço, segundo ele, não há turbulência nem tempo ruim. E o foguete atingiria uma velocidade de até 27 000 quilômetros por hora. Uma viagem entre Nova York e Shangai seria feita em 39 minutos; de Tóquio a Délhi, em 30 minutos. Seria quase como visitar outro país fazendo uma breve escala na Lua.
A INVASÃO DAS MÁQUINAS
Com cerca de 150 000 robôs industriais vendidos por ano, um número com viés de alta, fica menos difícil acreditar no bilionário japonês Masayoshi Son, fundador e líder do Softbank, quando ele disse recentemente que a população de robôs deverá ultrapassar a de seres humanos em 2030 — e que o robô médio terá um QI de 10 000, comparado à média de 100 dos humanos (200, se você for um gênio).
Com essa quantidade e essa capacidade, fica fácil entender o temor de que os robôs tomem o lugar dos humanos no trabalho. Já existem robôs nas linhas de montagem há décadas, mas agora eles estão ocupando posições de fiscais (o Walmart os está colocando em lojas para checar estoques e preços), tradutores (o Google os treina para compreender humanos forçando-os a assistir a vídeos no YouTube), damas de companhia, bombeiros, cirurgiões (embora os humanos ainda façam cirurgias com mais rapidez e mesmo número de erros — repare no termo “ainda”). Nem mesmo os bichos de estimação estão com emprego garantido: a Sony vai voltar a produzir cães-robôs, como fez na virada do milênio, mas, desta vez, capazes de responder a comandos e aprender truques, como os cachorros de verdade.
Até aí, tudo bem. Os defensores das máquinas dizem que os humanos sempre encontrarão novas ocupações — e que 65% das crianças de hoje trabalharão em profissões que ainda não foram inventadas, muito melhores do que realizar tarefas… mecânicas.
Mas o que dizer dos barmen? Se um robô pode servir bebidas melhor do que pessoas, responder a dúvidas existenciais com muxoxos bem colocados (tão ou mais eficientes do que anos de terapia, segundo alguns estudos), e nem cobram gorjeta, talvez só nos reste mesmo encher a cara.
INTELIGÊNCIA HUMANA PARA QUÊ?
Inteligência artificial é a expressão do momento. As principais companhias de tecnologia travam uma guerra para assumir a dianteira no que pode ser o grande campo do futuro: sistemas inteligentes devem guiar carros, estabelecer comunicações entre objetos, facilitar todo tipo de interação entre seres humanos e máquinas. Mas a inteligência artificial vai muito além da ajuda que seu aparelho celular pode lhe dar para fazer uma busca pela web, com os sistemas Siri, Cortana, Alexa e outros. Uma demons-tração disso foi dada em outubro deste ano pelo programa de computador AlphaGo, do Google.
Apenas 19 meses depois de vencer Lee Se-Dol, o principal jogador do milenar Go do mundo (uma tarefa ainda mais surpreendente que a vitória de um computador no xadrez, dado o maior número de probabilidades do jogo), o programa demonstrou que pode atingir níveis nunca antes alcançados… sem ajuda humana.
A nova versão do programa, AlphaGo Zero, começou sem nenhuma noção de estratégia pré-programada e sem nenhum treinamento feito por humanos. Em apenas três dias, ela inventou estratégias avançadas que não haviam sido formuladas por nenhum humano em milênios de história do jogo.
Esse feito abre um leque de promessas para o futuro da inteligência artificial, talvez superando obstáculos que desafiam a inteligência humana há muito tempo. Mas aponta para outra conclusão, essencial: os computadores poderão desenvolver um tipo de inteligência completamente diferente da humana — possivelmente, incompreensível para nós.
CÂNCER? O QUE ERA ISSO?
Há décadas os cientistas sonham com tratamentos genéticos — formas de alterar os genes de pacientes que apresentam -doenças graves. Nos últimos três meses, esse sonho deu não apenas um, mas dois saltos significativos para se tornar realidade. Primeiro em agosto, depois em outubro, o Food and Drugs Administration — órgão de regulação de alimentos e remédios nos Estados Unidos — aprovou tratamentos contra o câncer que utilizam a engenharia genética.
O primeiro tratamento, Kymriah, da farmacêutica Novartis, é uma forma de combater um tipo agressivo e agudo de leucemia — mas a empresa deve pedir sua extensão para tratar linfoma e outros tipos de câncer do sangue. O segundo, Yescarta, da Kite Pharma, foi aprovado para pacientes com câncer de sangue que não apresentaram uma boa resposta à quimioterapia.
A engenharia consiste em retirar células T (um tipo de célula branca do sangue) do paciente e modificá-las em laboratório para que se tornem assassinas de células B — as que mais costumam se tornar malignas em casos de câncer. Uma vez feito isso, as novas células T são congeladas, enviadas ao hospital e reinseridas no paciente. O tratamento é promissor. Num estudo preliminar, realizado com 111 pacientes tratados com o Yescarta, 54% tiveram remissão completa do tumor, e 28% tiveram remissão parcial. Mas os efeitos colaterais são temíveis: dois pacientes morreram em consequência deles. Por isso, ambos os tratamentos serão liberados de maneira bem gradual. O otimismo em relação ao futuro da engenharia genética, porém, não teve nada de gradual. Tanto que, em agosto deste ano, a companhia farmacêutica Gilead comprou a Kite, produtora do Yescarta, por 12 bilhões de dólares.