Presidente da startup de recursos humanos Gupy, a administradora Mariana Dias revela as dores de ser uma das poucas mulheres à frente de negócios de tecnologia no país. Às vésperas de ver seu negócio valer mais de 1 bilhão de dólares, ela enxerga o feito como parte do caminho. O destino: espalhar diversidade nas empresas (LeandroFonseca/Exame)
Luísa Granato
Publicado em 23 de março de 2022 às 15h00.
A administradora Mariana Dias é cofundadora e presidente da Gupy, uma das startups de recursos humanos mais incensadas do momento no Brasil. O negócio da Gupy usa inteligência artificial na seleção de profissionais para grandes empresas, como Ambev, GPA, Vivo e Renner. Em janeiro, a empresa sediada em São Paulo recebeu um aporte de 500 milhões de reais numa rodada com grandes fundos, como o SoftBank.
Foi, na ocasião, o maior cheque recebido por uma startup do Brasil comandada por uma mulher. Foi, também, um ponto importante na história da Gupy. Fundada em 2015, a empresa tem 36 milhões de usuários ativos e, mantido o crescimento atual, está a caminho de virar um unicórnio em breve.
Para Dias, que largou uma carreira bem-sucedida na Ambev para empreender, tudo isso é só uma parte da história. “Ser um unicórnio é um meio do caminho, mas não é o nosso fim”, diz ela, salientando a missão da Gupy de ampliar a diversidade nas empresas com tecnologias para, entre outras coisas, eliminar vieses na contratação de profissionais de grupos sub-representados, como o de mulheres.
Na entrevista a seguir, Dias relata como lidou com o preconceito de investidores, o que faz para incentivar lideranças femininas e como o entendimento dos sócios Bruna Guimarães, Guilherme Dias e Robson Ventura sobre diversidade foi importante para arejar o debate na startup. “O ponto de virada da Gupy foi entender a importância da diversidade e das diferenças. Esse tema não é mimimi. Uma postura franca fez a gente ser uma das startups de maior crescimento no Brasil”, diz.
As mulheres ainda são minoria entre os empreendedores de tecnologia. O que a atraiu para esse ecossistema?
Trabalhei por quatro anos na Ambev. No processo de trainee, em 2011, só encontrei concorrentes homens. Pensei: “Preciso passar nesse processo”. No final, ficou uma turma de 20 pessoas e, delas, só umas cinco mulheres. Nos últimos anos, a empresa evoluiu muito. Quis fazer carreira executiva, mas não via grandes inspirações. Ao mesmo tempo, vi uma dor do mercado no recrutamento de recursos humanos. Na época o setor tinha pouca visibilidade e baixo investimento. Faltava diversidade. Até mesmo para empreender havia dificuldades. Em 2015, não via exemplos de mulheres empreendedoras no Brasil.
Com que tipo de desafio lidou por ser mulher empreendedora?
Um dos principais foi na fase de captação de recursos com investidores. Esse é um processo muito intenso de trabalho. Mais de 50% do tempo de CEO é dedicado a isso. É muita reunião, análise de material, conversa. Na captação das primeiras rodadas da Gupy, em 2017 e 2018, recebi perguntas muito ruins. Há até estudos mostrando que 66% das perguntas a mulheres CEOs nessas horas são sobre a vida pessoal. São coisas do tipo: “Se você tiver filhos, como vai ser?”; “Qual é o impacto do negócio sobre seu marido?”. Para um CEO homem, só costumam perguntar quanto o negócio pode crescer.
Esse ainda é um problema nos dias de hoje, em que boa parte do mercado financeiro diz abraçar a agenda ESG?
Os investidores estão de fato mais em contato com a diversidade e o mundo feminino. Acho que eles foram forçados a estudar mais sobre o assunto, a questionar suas posturas. Nessa última rodada de captação, em janeiro, vi muita diferença positiva em relação às primeiras captações. Há mais empolgação dos investidores em levar diversidade a seus portfólios. Além disso, o mercado de RH está sendo muito mais discutido e valorizado.
Por outro lado, há ainda um problema estrutural. Só 2% dos recursos de venture capital vão para startups com alguma cofundadora. Temos poucas mulheres em fundos de investimento capazes de eliminar vieses no momento de um aporte. Tudo isso me levou a uma maturidade como empreendedora. Evito investidores com uma postura de desdém comigo. Não os quero como sócios. Quero investidores capazes de compartilhar a visão da Gupy de diversidade. Os investidores mais maduros e conscientes já entendem que essa é uma questão relevante para os negócios. A agenda ESG ficou relevante para questões como o interesse de um fundo de investimento pela abertura de capital de uma empresa.
Há quem diga que o gargalo começa na escola. Há poucas mulheres em cursos de exatas, berço de carreiras de tecnologia. É possível equilibrar os gêneros nesse perfil de profissional?
Vejo um amadurecimento importante nesse ponto. Clientes da Gupy entenderam os problemas decorrentes da falta de diversidade e estão buscando soluções. Um jeito de começar é mudar a forma de divulgar uma vaga. Quando a empresa está em busca de “um cara de TI”, muitos candidatos já dão feedbacks. Para ter equilíbrio entre os gêneros, que tal colocar “pessoa candidata de engenharia de software”?
Na Gupy, levantamos muito essa pauta. Temos um manifesto de diversidade e inclusão para dar o exemplo dentro de casa. Já temos uma fatia de 50% de mulheres na empresa. Na liderança, somos 55%, mas a distribuição ainda é desigual em outras áreas. Em três anos, queremos ter 50% em todos os níveis. Além disso, queremos levar a mensagem para o mercado. Se 50% da população é feminina, é importante ter a representação delas, e de outros grupos sub-representados, em todas as esferas das empresas.
Onde estão as dificuldades na contratação de mulheres?
Vou dar um exemplo recente. Temos na Gupy um programa de sociedade para funcionários com bom desempenho. Os candidatos devem falar dos potenciais deles para serem sócios da Gupy. Incrivelmente, a gente tem muito mais candidaturas de homens do que de mulheres. Nessas horas, há duas posturas típicas. Uma delas é reforçar o discurso de meritocracia. Se as mulheres não se candidataram, paciência. A outra é entender algo estrutural da sociedade: as mulheres têm maior síndrome da impostora, maior insegurança, se candidatam menos a vagas e pedem menos aumento de salário.
Essa falta de confiança é latente nas mulheres. Aí, as empresas precisam agir de forma diferente com pessoas diferentes. Nesse último ciclo, mesmo sendo uma empresa com lideranças femininas, e que falam muito desse assunto, a gente ainda precisou ir atrás de algumas mulheres que tinham potencial e falar: “Pessoa, estou esperando sua carta de inscrição, você não vai se candidatar?”. Muita gente respondia: “Ah, Mari, mas eu acho que não tenho potencial”. Falei várias vezes: “Tem, sim, vou esperar sua carta”. A gente precisa instigar ainda mais para que mais meninas no futuro percam a insegurança.
Os desafios mudaram com o crescimento da Gupy?
No começo, o trabalho era mais individual, com muita execução para um time pequeno. Tínhamos poucas camadas de liderança dentro da Gupy. Hoje somos mais de 600 pessoas, e meu papel mudou completamente. Minha função hoje é entender para onde vai a Gupy e inspirar a união entre os mais de 600 funcionários. A gente sempre cresceu mais de 100% ao ano e ainda vamos crescer muitos por cento pela frente. Por isso, a cada três meses, preciso reinventar meu papel. Meu papel como líder da empresa hoje é buscar conhecimentos por fora e seguir formando muita gente boa. A gente só consegue fazer isso com diversidade.
Como você se prepara para essa nova realidade?
Minha meta é puxar sempre a velocidade da Gupy para cima. Sempre reinvento minha agenda e minha forma de fazer reuniões ou de organizar compromissos. Faço terapia toda semana. Tenho de ter disciplina. Empreendedor tem uma jornada de coisas sempre muito importantes para fazer. Se eu quisesse, poderia trabalhar 24 horas por dia e, depois, teria um grande burnout. Viajo com frequência para realmente me desligar. Colocar na agenda um período para descansar e recarregar as energias faz parte do desenvolvimento profissional. Isso não é fraqueza, é fortaleza.
É possível ter equilíbrio entre vida pessoal e profissional?
O equilíbrio perfeito não existe. O que existe é conseguir entender onde estão as prioridades. Alguns pratos vão cair sempre, mas quais você topa que caiam? Cheguei a esse entendimento depois de ter buscado muito conhecimento. Tenho o privilégio de fazer parte das melhores redes de empreendedores do Brasil, como a Endeavor e o SoftBank. Sou bombardeada com conhecimentos de primeira linha o tempo inteiro. Minha maior função hoje é repassar esses conhecimentos para o time.
O ritmo de crescimento da Gupy a colocou no caminho de virar um unicórnio. Essa é uma ambição pessoal? E é mais difícil chegar lá pelo fato de você ser mulher?
O caminho das startups de alto crescimento é difícil para todo mundo, mas há algumas camadas de desafios maiores pela falta de representatividade, de inspiração e dos preconceitos da sociedade. Agora, se o caminho do unicórnio é uma ambição? Hoje, é uma ambição pequena para a gente. A gente não quer ser só um unicórnio. A gente quer fazer um negócio enorme e de muito impacto no mundo. Há uma esteira de inovações, de coisas fantásticas que a gente vai lançar para o mercado nos próximos meses. Sonho todo dia com elas acontecendo. O que a gente faz é conectar pessoas e empresas e ampliar as potencialidades dos recursos humanos de uma empresa, para que ela tenha um ambiente mais seguro, produtivo e engajado. Por isso, tenho certeza de que a Gupy vai ser uma das grandes empresas não só do Brasil como de outros países. Por isso, o unicórnio é um meio do caminho que vai acontecer, mas não é o nosso fim. Não somos uma startup que quer ser um unicórnio. Queremos ser maiores do que isso.
A Gupy tem a particularidade de ter duas mulheres em cargos de responsabilidade: você, como CEO, e a Bruna Guimarães, como COO. De que maneira isso influencia a cultura da empresa?
É muito raro ver COO e CEO mulheres. Isso foi importante para termos visões complementares e, muitas vezes, similares, sobre os problemas. Claro que eu também tenho meus momentos de vulnerabilidade. Quando fui prospectar investimentos, ou realizar grandes projetos, já tive meus momentos de síndrome da impostora. Será que eu consigo? É muito grande para meu próximo passo? Ter outra mulher ao lado, capaz de entender esses momentos e dar um incentivo, foi fundamental, assim como foi o apoio dos cofundadores homens. O importante é que a gente pôde falar sobre tudo isso. O ponto de virada da Gupy foi entender a importância da diversidade e das diferenças. Esse tema não é mimimi. Uma postura franca fez a gente ser uma das startups com maior crescimento no Brasil.