Revista Exame

Quem são os "nem-nem"? Mais de 4,62 milhões de jovens não trabalham nem estudam no Brasil

Dados sobre a chamada "geração nem-nem" são do Ministério do Trabalho e Emprego

Episódios de crise (política, econômica, social) têm um efeito devastador sobre a perspectiva de futuro dos indivíduos que chegaram à vida adulta no meio dessa confusão (PM Images/Getty Images)

Episódios de crise (política, econômica, social) têm um efeito devastador sobre a perspectiva de futuro dos indivíduos que chegaram à vida adulta no meio dessa confusão (PM Images/Getty Images)

Sofia Esteves
Sofia Esteves

Fundadora e Presidente do Conselho Cia de Talentos/Bettha.com

Publicado em 18 de junho de 2024 às 06h00.

Temos ao menos 4,62 milhões de jovens que não trabalham, não estudam e nem estão em busca de um emprego, segundo dado do primeiro trimestre do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). A chamada “geração nem-nem”, contudo, não é um fenômeno brasileiro. Se olharmos para todo o globo, mais de um quinto das pessoas entre 15 e 24 anos foram consideradas “nem-nem” em 2023, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho.

Também não é “coisa da geração de hoje”. Isso porque existem registros de 1980 de estudos no Reino Unido sobre um fenômeno chamado NEET, sigla para not in employment, education, or training, que foi traduzida para o português como “geração nem-nem”.

Mesmo não se restringindo às terras brasileiras e ao século 21, fato é que a geração nem-nem se mostra um problema que precisa de resolução urgente. Não quero, com isso, dar um tom dramático demais, e sim convidar as lideranças das empresas a se debruçar sobre esse assunto que impacta não só o futuro da sociedade como também o sucesso dos nossos negócios.

Afinal, estamos diante de uma situação de perda de potencial profissional — um desfalque que se torna ainda mais preocupante quando consideramos os vários desafios contemporâneos, como o ambiental e o tecnológico. Quem vai lidar com tudo o que está por vir? Essa pergunta, aliás, guarda parte da resposta para compreender melhor a geração nem-nem.

Você já deve ter escutado — ou até mesmo usado — algumas palavras pouco elogiosas sobre esse grupo que nem estuda nem trabalha, certo? Rótulos como “geração preguiçosa”, “acomodada”, “irresponsável” e “dependente”. É fácil olhar para esse grupo e atribuir esses adjetivos a ele, mas o meu convite é para que as empresas vejam além do óbvio, das aparências. O que está por trás dessa postura?

A história nos mostra que episódios de crise (política, econômica, social) têm um efeito devastador sobre a perspectiva de futuro dos indivíduos que chegaram à vida adulta no meio dessa confusão. Pense em alguém que está começando essa fase, um momento cheio de sonhos, de desejos, de ideais, mas vê tudo isso desmoronando por causa de uma recessão econômica, de uma guerra, de uma pandemia… O que resta para essas pessoas são fragmentos. Elas olham para a frente e não conseguem enxergar muita perspectiva de futuro.

Por isso que a pergunta “quem vai lidar com tudo o que está por vir?” pode ser paralisante. Afinal, esse “o que está por vir” não parece nada animador para toda uma geração.

Claro que as nuances em torno do fenômeno devem ser levadas em consideração. Por exemplo, os dados do estudo do MTE mostraram que são as meninas, predominantemente as negras, que não estudam nem trabalham fora. Estas, em vez de estar nas escolas ou nas empresas, costumam ficar em casa cuidando dos afazeres domésticos, de crianças e de parentes.

É verdade que, nesse caso, há uma questão social a ser levada em consideração, mas também existe uma ligação com a falta de visão de futuro que mencionei. Qual é a perspectiva dessas jovens? O que elas podem imaginar e desejar para si mesmas? Será que os estudos e o emprego formal são possibilidades reais para elas?

Não quero soar romântica nem simplista, mas sinto que parte da resolução do problema da geração nem-nem está em nos comprometermos a construir uma visão de futuro mais positiva e, acima de tudo, ao alcance da nova geração. Não basta só olhar o horizonte; este deve parecer um lugar real e possível.

Na minha opinião, quase toda mudança começa por uma análise profunda. No caso das empresas interessadas em ajudar a geração nem-nem, isso significa entender a multiplicidade desse grupo para, então, arquitetar planos de ação eficientes. Em termos práticos, vale desprender-se daqueles rótulos que citei e compreender que existem explicações diversas por trás de uma decisão de não estudar e não trabalhar. A geração nem-nem é o nome de um fenômeno, mas esse grupo é diverso e, para ajudá-lo, precisamos considerar suas particularidades.

A seguir, listo algumas ações que podem ajudar, mas reforço que elas só serão eficientes se a sua empresa conhecer em profundidade as pessoas que fazem parte da geração nem-nem.

Investir em programas de porta de entrada: além de ajudar na inserção no mercado de trabalho, programas de jovem aprendiz e de estágio servem de estímulo para a continuidade dos estudos. São também formas de capacitar essas pessoas para o meio corporativo e de ajudá-las a construir um currículo sólido.

Firmar parceria com instituições: é possível buscar apoio especializado para o desenvolvimento de um processo que facilite a transição do ambiente acadêmico para o mercado de trabalho. São instituições que vão ajudar a construir um programa customizado, que busque acolher e desenvolver as pessoas.

Criar programas inclusivos: isso vai além de não exigir experiência prévia; significa desenvolver uma estrutura que permita, por exemplo, a uma jovem conseguir conciliar a vida de trainee e de mãe. Ou seja, a ideia é revisar não só os critérios mas as políticas internas para que estas sejam verdadeiramente inclusivas.

Oferecer flexibilidade: não se trata de adotar um regime 100% remoto, mas de disponibilizar benefícios e programas que atendam às diferentes necessidades de públicos variados. Nem toda função pode ser realizada à distância, e tudo bem. O ponto aqui é flexibilizar a experiência de trabalho de maneira mais ampla.

Apostar em uma abordagem holística para saúde mental: esse tema é importante para todo mundo, contudo é ainda mais relevante para uma geração sem perspectiva de futuro. Vale oferecer não só apoio médico, mas psicológico, espaços de diálogo seguros, canais de denúncia, conteúdos educativos sobre o tema e um ambiente de trabalho saudável, com uma liderança comprometida com o assunto.

A lista acima é pequena diante do desafio, eu sei. Porém, acredito que é um bom ponto de partida para começarmos a lidar hoje com um problema que pode comprometer o amanhã de toda uma geração de pessoas e de empresas.

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