Revista Exame

Os atrasos das obras de Cuiabá são um retrato da Copa

Obras atrasadas, custos acima do previsto e falta de planejamento fazem de Cuiabá um exemplo de como as cidades-sede do Mundial estão perdendo a oportunidade de usufruir de um legado

Obra do VLT em Cuiabá: pronto mesmo só depois que a Copa acabar (José Medeiros/EXAME)

Obra do VLT em Cuiabá: pronto mesmo só depois que a Copa acabar (José Medeiros/EXAME)

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Da Redação

Publicado em 7 de abril de 2014 às 19h25.

São Paulo - Com 600 000 habitantes, Cuiabá é a menor das 12 capitais que vão receber jogos da Copa do Mundo. Em 2009, sua escolha foi apresentada como uma oportunidade para atrair investimentos.

Com eles, a cidade se prepararia para receber turistas e teria como legado uma infraestrutura para evitar problemas hoje comuns nas metrópoles do país — como trânsito caótico e transporte público deficiente. Os resultados, no entanto, são decepcionantes.

A menos de quatro meses da abertura do Mundial, quase nenhuma das principais obras de mobilidade urbana previstas na Matriz de Responsabilidades — a lista dos projetos previstos para a Copa — está pronta.

“As obras ainda não trouxeram os benefícios prometidos, mas causam problemas que antes não existiam”, diz André Schuring, coordenador da câmara de engenharia civil do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura de Mato Grosso. “O trânsito piorou, e não se sabe quando as obras vão terminar, e a situação, melhorar.”

Cuiabá reúne quase todo tipo de problema que acomete as cidades onde haverá jogos. Primeiro, o aumento nos custos. Em 2010, a previsão era que os investimentos no estádio e em mobilidade chegariam a 1 bilhão de reais. O valor dobrou, em parte por causa da substituição de um sistema de BRT que custaria 480 milhões de reais por um veículo leve sobre trilhos (VLT) quatro vezes mais caro.

A Arena Pantanal, ainda inacabada, vai consumir 570 milhões de reais, 25% mais do que o previsto. Há os atrasos. A única obra já concluída é a estrutura provisória feita para ampliar a área de embarque e desembarque do Aeroporto Marechal Cândido Rondon.

O VLT deveria ter sido entregue em dezembro — mas hoje o governo do estado corre para terminar até junho uma parte dos 22 quilômetros originalmente previstos. Quanto ao restante, a promessa é que fique pronto no fim do ano. Os projetos em andamento penam com a falta de qualidade.

No ano passado, um pilar de um viaduto teve de ser refeito por ter ficado 30 centímetros menor do que deveria. Em janeiro, uma passagem subterrânea foi interditada após rachaduras surgirem na estrutura. “Identificamos uma série de problemas nas construções”, diz Schuring, que está à frente de um grupo técnico que prepara um estudo sobre as obras para o Tribunal de Contas do estado.

Para os responsáveis pela organização, a razão dos transtornos está justamente no volume de obras. “Tínhamos uma infraestrutura menor do que as outras sedes, e por isso os planos foram mais ambiciosos”, diz Maurício Guimarães, secretário extraordinário da Copa em Mato Grosso.

Porém, mesmo quando as obras forem concluídas, os benefícios para a cidade continuarão discutíveis. Boa parte dos projetos de mobilidade urbana em execução foi concebida nos anos 90 pelos técnicos de um órgão municipal, o Instituto de Planejamento e Desenvolvimento Urbano (IPDU).

Os planos não contemplam as necessidades surgidas nos últimos anos. O PIB de Cuiabá quase triplicou de 2006 a 2010. No mesmo período, a frota de automóveis dobrou, para 170 000 veículos.

“Há mais de uma década de atraso nos projetos que estão saindo do papel”, diz Valdinir Piazza, professor da Universidade Federal de Mato Grosso e ex-integrante da equipe do IPDU, extinto em 2010 — surpreendentemente, logo depois de Cuiabá ter sido escolhida como sede da Copa. “Agora vamos retomar o planejamento da cidade”, diz Mauro Mendes, prefeito desde o início de 2013. 

No Brasil, das 49 obras de mobilidade nas cidades-sede previstas para o Mundial, apenas cinco já foram entregues. Mais de 20 projetos foram excluídos. Estima-se que tenham sido aplicados em infraestrutura urbana 8 bilhões de reais, metade do previsto em 2010. É o contrário do que houve com os estádios, cujo gasto já é 285% maior do que a estimativa inicial.

“A falta de um legado em mobilidade urbana está sendo frustrante”, diz Gil Castello Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas. Ao contrário das cidades que tiveram projetos cancelados, Cuiabá ao menos ainda pode esperar por suas obras. Resta saber para quando.

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