Revista Exame

Um novo ano de euforia na bolsa?

Mesmo com a recuperação lenta da economia, a bolsa brasileira subiu 31,6% em 2019 e atraiu 800.000 investidores. O cenário para 2020 é favorável

Consumo aquecido não traz preocupação com o comprometimento da renda e inadimplência  (Leandro Fonseca/Exame)

Consumo aquecido não traz preocupação com o comprometimento da renda e inadimplência (Leandro Fonseca/Exame)

GG

Guilherme Guilherme

Publicado em 16 de janeiro de 2020 às 05h30.

Última atualização em 16 de janeiro de 2020 às 10h28.

Há espaço para a bolsa brasileira avançar em 2020  tanto quanto conseguiu em 2019? Uma combinação histórica de juros baixos, reforma da Previdência e recuperação (ainda que vagarosa) da economia fez o Ibovespa subir 31,6% no último ano, fechando em 115.645 pontos — o melhor desempenho desde 2016. A edição 2019 de ONDE INVESTIR antecipava a possibilidade de o índice, que iniciou o governo Jair Bolsonaro na casa dos 80.000 pontos, chegar aos 110.000 no fim do ano. Mas um dezembro espetacular, com alta de 7%, superou as perspectivas mais otimistas. A bolsa brasileira foi ajudada também por um cenário externo favorável. Ainda que a guerra comercial dos Estados Unidos com a China tenha aumentado a instabilidade, o índice americano S&P 500 subiu 29% em 2019, batendo sucessivos recordes. No Brasil, a incerteza do início de 2019 dá lugar a um otimismo que beira a euforia em algumas mesas de negociação.

A base do otimismo vem das boas- perspectivas econômicas: segundo a pesquisa Focus, o Brasil pode crescer 2,3% em 2020, um ano que pode deixar definitivamente para trás a crise do governo Dilma Rousseff. A retomada consistente tende a impulsionar o resultado das empresas abertas, algo que naturalmente puxaria o valor das ações para cima. “Não me lembro de um cenário macro tão favorável para a bolsa”, diz Alexandre Silvério, diretor de investimentos da gestora AZ Quest. A AZ Quest calcula que as companhias listadas devem aumentar o lucro de 15% a 20% em 2020. Entre os fatores que motivam o otimismo, Silvério cita a inflação baixa e as medidas para tentar estabilizar as contas públicas, como a reforma da Previdência e o teto de gastos, mas  nota que “a situação fiscal ainda é frágil”.

O cenário externo também pode ajudar — segundo projeções colhidas pela agência Reuters, o índice S&P deve valorizar 9,7% em 2020. Nesse contexto, um grupo de 12 gestoras e bancos de investimento prevê alta de 15% para o Ibovespa neste ano. Ágora, Bradesco e XP Investimentos, os mais otimistas no grupo, projetam subida de 20%, para perto dos 140.000 pontos.

A alta deve seguir atraindo mais pessoas físicas para a bolsa. No ano passado, dobrou o número de investidores individuais cadastrados na B3, passando para 1,7 milhão. No entanto, a quantidade, que representa menos de 1% dos habitantes do Brasil, mostra-se pequena quando comparada a outros países. Na Índia, onde a população ultrapassa a marca de 1,3 bilhão, a proporção de investidores registrados na bolsa local, a NSE, alcança cerca de 3% dos habitantes. Nos Estados Unidos, 53% dos americanos possuem ações, segundo a empresa americana de pesquisa Gallup.

A participação de investidores institucionais no mercado acionário também sugere espaço para crescimento. Dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) mostram que quase 40% dos 5,4 trilhões de reais sob gestão são investidos em renda fixa e somente 9,2% em ações — no início de 2019 essa fatia era de 7%. A tendência é de maior equilíbrio entre as alocações. No ano passado, 45% de toda a captação líquida de fundos de investimento veio de fundos que aplicam em ações, segundo a Anbima. A captação líquida dos fundos de ações em 2019 foi quase o triplo da registrada no ano anterior, alcançando 86 bilhões de reais. “Apesar de o aumento da aplicação em renda variável ser positivo, o total ainda é muito baixo se comparado a mercados desenvolvidos”, afirma Thomas Souza, diretor de investimentos da gestora One Partners. Os dados apontam a lacuna do Brasil para os mercados maduros. Dos cerca de 50 trilhões de dólares geridos por fundos do mundo inteiro, 44% estão alocados em ações, ante 21% em títulos públicos, de acordo com a International Investment Funds Association.

Um ingresso contundente de recursos externos pode ajudar o Ibovespa a ter mais um ano de forte alta. A participação de estrangeiros no capital investido na B3, a bolsa brasileira, recuou de 47,2%, em 2018, para 42,6%, no fim de 2019. Ao longo do ano, a saída de capital externo da B3 foi de 44,5 bilhões de reais, o pior desempenho em 15 anos. Mas, descontados os investimentos estrangeiros em aberturas de capital, a saída ficou em 4,7 bilhões de reais. Para atrair mais investidores, a bolsa não só depende da evolução do pacote de reformas econômicas, que melhoram a percepção de risco-país, como precisa de uma força da geopolítica global.

O aumento da incerteza naturalmente drena recursos de países emergentes, como o Brasil. E 2020 começa com incertezas sobre a disputa comercial entre a China e os Estados Unidos, as eleições presidenciais americanas e as disputas no Oriente Médio, com as recentes desavenças Irã-Estados Unidos. Ainda assim, o copo está meio cheio, na visão de analistas consultados por EXAME. “Está todo mundo preocupado com guerra, mas os Estados Unidos estão vivendo um cenário de taxa de desemprego, inflação e juros baixos, e com o PIB subindo em torno de 2% e 3%. Tudo isso ajuda o Brasil”, diz Adriano Cantreva, sócio da gestora Portofino Investimentos. A previsão da Portofino é que o Ibovespa chegue aos 150.000 pontos neste ano — uma alta de quase 30%.

A expectativa otimista do mercado passa pelas ações de empresas voltadas para o consumo interno, um dos principais pilares da melhora do PIB no segundo semestre do ano passado. Em 2019, as varejistas estiveram entre os melhores desempenhos da bolsa, representadas pelos papéis da Via Varejo e da Marisa, que tiveram valorização de mais de 150%. Felipe Miranda, fundador da empresa de informações financeiras Empiricus, espera que essa tendência de alta continue em 2020. “As empresas de varejo estão fazendo e-commerce, melhorando a logística e a experiência do consumidor”, diz ele. “Têm muito a crescer ainda.” Outro setor que pode seguir no embalo de 2019 é o de frigoríficos. A peste suína na China, que fortaleceu as exportações de carne para o país asiático, deve continuar a favorecer as companhias brasileiras. “Já se fala em anos para os chineses recuperarem os rebanhos”, afirma Thiago Salomão, analista da Rico Investimentos. Entre as empresas do setor que compõem o Ibovespa, a campeã de valorização no ano foi a JBS, cujas ações subiram 122,6%. Na visão dos analistas, a empresa melhorou a governança e reduziu o endividamento.

Um ponto de atenção, segundo especialistas, é o desempenho dos bancões. Ameaçados pela maior concorrência de plataformas digitais, Itaú, Bradesco, Banco do Brasil e Santander vêm perdendo espaço na carteira dos investidores. Apesar do peso de suas ações no principal índice da B3, nenhum deles conseguiu superar a média de evolução do mercado em 2019. Eles vêm sofrendo com a queda da receita de serviços e tarifas, sob pressão das fintechs. Em artigo exclusivo (veja na pág. 24), Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, afirma que abrir o setor bancário é uma das prioridades para 2020.

O que pode dar errado para a bolsa brasileira? O pacote básico: lentidão nas reformas, incerteza na economia, instabilidade internacional. A maré é favorável. Mas investir na bolsa sempre embute riscos. No início de janeiro, por exemplo, o Ibovespa recuou cinco dias seguidos com a tensão entre os Estados Unidos e o Irã — é o tipo de míssil impossível de prever.

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