Revista Exame

Um gole de Brasil na China

Levantamento exclusivo realizado pelo Cecafé para a EXAME mostra que o gigante asiático deve quadruplicar as importações do café brasileiro em 2024

Cafeteria em Guangdong,  na China: um quarto da população, ou 330 milhões de pessoas, consome café — em 2013, esse número girava em torno de 190 milhões (VCG/VCG/Getty Images)

Cafeteria em Guangdong, na China: um quarto da população, ou 330 milhões de pessoas, consome café — em 2013, esse número girava em torno de 190 milhões (VCG/VCG/Getty Images)

César H. S. Rezende
César H. S. Rezende

Repórter de agro e macroeconomia

Publicado em 25 de julho de 2024 às 06h00.

Às 8 da manhã um jovem a caminho do trabalho entra em uma cafeteria e pede um café para levar. A cena, que já deve ter sido vista em comédias românticas americanas ou em qualquer grande centro urbano ao redor do mundo, é cada vez mais frequente em um país que adotou a bebida como sua: a China.

Tradicionalmente, o chá é o tipo de bebida que os chineses mais tomam — são de lá os primeiros registros da bebida, há mais de 3.000 anos. Mas a rea­lidade por lá tem mudado. Na China, um quarto da população, ou 330 milhões de pessoas, consome café — em 2013, esse número girava em torno de 190 milhões.

A maioria dos entusiastas chineses de café é de jovens que trabalham em escritórios, predominantemente mulheres, diz Marcos Mattos, diretor-geral do Conselho de Exportadores de Café do Brasil (Cecafé).

“Há uma mudança cultural muito importante na China, no aspecto de globalização. E o café é o símbolo dessa globalização”, diz Mattos. “As cafeterias desempenham um papel crucial nesse contexto. O país tem cerca de 50.000 estabelecimentos, um número expressivo que reflete o investimento em indústrias de torrefação e moa­gem.”

Entre as safras 2019/2020 e 2024/2025, o consumo de café no país asiático cresceu mais de 60%, de acordo com o Cecafé. E o Brasil deve se beneficiar disso.

Como o Brasil é o maior produtor global do grão — a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) afirma que o país colheu 55 milhões de sacas em 2023/2024, seguido de longe por Colômbia e Vietnã —, o café nacional tem tudo para invadir a China.

A expectativa é de que as exportações para o gigante asiático saltem neste ano civil, como mostram dados obtidos com exclusividade pela EXAME em parceria com o Cecafé. Segundo o levantamento, as exportações brasileiras de café para a China em 2024 vão alcançar 2,5 milhões de sacas, um aumento de 65% em relação ao ano passado, quando o país exportou 1,5 milhão de sacas.

O valor total deverá atingir 525 milhões de dólares, um crescimento de 64% na comparação com 2023. Neste ano, o Brasil assinou um memorando de entendimento (MOU) com a Luckin Coffee, a maior rede de cafeterias da China e também a principal importadora de café brasileiro no país, com mais de 16.000 lojas espalhadas por lá.

O acordo prevê a compra de aproximadamente 120.000 toneladas de café brasileiro pela rede, no valor de cerca de 500 milhões de dólares. “Isso demonstra que o Brasil, como maior produtor e exportador de café do mundo, está abrindo mercados e fortalecendo sua presença na China”, afirma Carlos Cogo, sócio-diretor da Cogo Inteligência em Agronegócio. Além disso, há um acordo entre os países que permite a condução direta de transações comerciais e financeiras entre eles, trocando yuan por reais, em vez de usar o dólar dos Estados Unidos, o que impulsiona ainda mais o comércio e o investimento bilaterais, destaca Cogo.

Reflexo desse impulsionamento são os resultados da ­Cooxupé, uma cooperativa brasileira localizada na região de Guaxupé, em Minas Gerais. A­ ­Cooxupé exporta café arábica para mais de 50 paí­ses, e em 2023 a China figurou em terceiro lugar na relação de destinos dos cafés exportados pela cooperativa — no passado, os volumes eram extremamente baixos.

“Se por um lado temos visto estagnação do consumo em alguns blocos econômicos importantes, por outro vemos novos entrantes com destaque para a China nesse mercado”, diz Luiz Fernando Reis, gerente comercial da Cooxupé. “Ficamos otimistas em relação à demanda pelo nosso cafezinho brasileiro.”

Na safra 2023/24 — que começou em 1o de julho de 2023 e se encerrou em 30 de junho de 2024 —, a China foi o sétimo destino das exportações brasileiras de café ao adquirir 1,646 milhão de sacas, um salto de 186,1% ante a temporada 2022/23. No total do referido ciclo, o Brasil embarcou 47,3 milhões de sacas, alta de 32,7%.

Clima e logística são desafios para o setor cafeeiro

Mesmo com perspectivas promissoras, há desafios a serem superados, como as mudanças climáticas e os gargalos logísticos do Brasil. Em março deste ano, chuvas volumosas atingiram áreas de produção de café conilon no Espírito Santo e no sul da Bahia, enquanto no ciclo passado a seca foi o fator negativo para essas regiões.

Na questão logística, as limitações do Porto de Santos, que representa 69% de todas as importações e exportações do país, levantam dúvidas sobre a capacidade dos embarques brasileiros. Os entraves, entretanto, não desanimam o setor produtivo, que enxerga a liderança do Brasil intacta no longo prazo.

“O crescimento da China vai impulsionar a demanda por café brasileiro, especialmente por blends. Esse tipo de café continua a dominar o consumo global, e o Brasil, como maior produtor de café do mundo há muitos anos, se mantém nesse pódio sem sinais de declínio”, diz Orlando Editore, head de café na consultoria Datagro. “As perspectivas mostram que o Brasil crescerá mais rapidamente na produção de café do que seus concorrentes.”

Há um precedente alvissareiro. Em 2014, o Brasil exportou 164.500 toneladas de carne bovina para a China, de acordo com dados do Ministério da Agricultura e Pecuá­ria (Mapa). No último ano, foi 1,2 milhão de toneladas da proteína para o país asiático — cerca de 47,7% do total dos embarques do segmento.

No caso da carne bovina, foram anos de negociações. Hoje, mais de 40 frigoríficos estão habilitados a exportar para o país, um feito comemorado pelo setor produtivo e pela diplomacia brasileiros.

Como se vê, a virada de chave é rápida e volumosa. “Quando começamos a relação comercial, o Brasil era um país que exportava meia dúzia de produtos: quase 50% de nossas exportações eram de café. E a China não tomava café”, afirmou à EXAME o diplomata Marcos Galvão, embaixador do Brasil na China.

“Agora, é um dos produtos que crescem em grande velocidade, porque as novas gerações estão tomando mais café. Nossas exportações se multiplicam rapidamente, e tudo leva a crer que esse mercado vai crescer muito.” Para os produtores de café nacionais, pode ser o início de um novo ciclo promissor e a oportunidade de levar um gole de Brasil para a China.

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