Revista Exame

Um buraco sem saída no metrô do Rio

As obras inacabadas da Estação Gávea, da Linha 4 do Metrô do Rio de Janeiro, abriram uma disputa entre três empreiteiras, o governo e grupos chineses

As obras da Linha 4 do metrô carioca: o superfaturamento pode chegar a 3 bilhões de reais (Dirceu Portugal/Fotoarena)

As obras da Linha 4 do metrô carioca: o superfaturamento pode chegar a 3 bilhões de reais (Dirceu Portugal/Fotoarena)

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Juliana Estigarribia

Publicado em 26 de setembro de 2019 às 05h40.

Última atualização em 26 de setembro de 2019 às 09h56.

No coração do bairro da Gávea, no Rio de Janeiro, um buraco de 50 metros de profundidade inundado com 36 milhões de litros de água é um retrato da crise das empreiteiras no Brasil. Há cerca de quatro anos, as obras da Estação Gávea, da Linha 4 do metrô carioca, estão paradas por suspeita de um superfaturamento que, segundo o Ministério Público estadual, chega a 3 bilhões de reais na linha toda.

Desde o início da construção da estação em 2013, a obra consumiu 934 milhões de reais. Para terminá-la, o custo estimado pela concessionária é de mais 1 bilhão — dinheiro que ninguém quer gastar. Está previsto no contrato que o custo da obra é do governo do estado, mas este diz não ter recursos, e a Justiça proibiu novos investimentos com dinheiro público.

O Ministério Público quer que as empreiteiras paguem, como devolução do valor superfaturado. Mas as empresas que compõem o consórcio Rio Barra — Odebrecht Participações e Investimentos, Queiroz Galvão Desenvolvimento de Negócios e Zi Participações (grupo Carioca Engenharia) — afirmam que, como o caso ainda está sendo investigado, a conta da conclusão da obra ainda é do estado. Enquanto a queda de braço acontece, rachaduras apareceram recentemente em laboratórios da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, cujo campus fica ao lado da futura estação. Com medo de uma possível tragédia, moradores do bairro e a cúpula da universidade elevaram a pressão sobre o governador Wilson Witzel.

A história reúne elementos de surrealismo. Um equipamento chamado tuneladora, conhecido popularmente como “tatuzão”, está enterrado — ou, no caso, afogado — no buraco da Gávea. O equipamento custou mais de 100 milhões de reais. Somente ao longo do percurso da última estação, foram gastos cerca de 300 milhões com revestimentos de concreto, as chamadas aduelas. Todo esse investimento pode ter se deteriorado com o tempo e com o acúmulo de água. “Ninguém se prontificou a fazer esse levantamento e, enquanto isso, a obra se deteriora cada vez mais”, afirma Rene Hasenclever, presidente da Associação de Moradores e Amigos da Gávea, a Amagávea.

No bairro há 50 anos, Hasenclever acompanhou de perto a primeira fase do projeto da Linha 4, datada de 1998. A construção de seis estações que ligam a zona sul à zona oeste da cidade, hoje operando paralelamente às obras da Estação Gávea, custou cerca de 10 bilhões de reais. Com as suspeitas de superfaturamento do projeto, a obra da Estação Gávea foi paralisada em meados de 2016. Diante dos riscos de desabamento, Witzel chegou a dizer que aterraria o buraco com areia, algo que poderia custar de 20 milhões a 40 milhões de reais. O anúncio fez Hasenclever levantar 11 mil assinaturas para pressionar o governo a concluir a estação. Agora Witzel voltou atrás, dizendo que a obra precisa ser retomada. Mas como? O governo não deu entrevista.

De acordo com o Tribunal de Contas da União, mais de 14 mil obras públicas estão paradas ou inacabadas no Brasil depois de consumir quase 11 bilhões de reais dos cofres públicos. Algumas delas são tão emblemáticas quanto o buracão da Gávea. A usina termonuclear de Angra 3, da estatal Eletronuclear, por exemplo, começou a ser construída 35 anos atrás. Após inúmeras idas e vindas, as obras foram paralisadas em 2015, em decorrência de desdobramentos da Lava-Jato. A última estimativa de custo para sua conclusão está na casa dos 21 bilhões de reais. A refinaria pernambucana Abreu e Lima, da Petrobras, orçada em 21 bilhões de dólares, também está parada. Diante da perspectiva de aumento das concessões de infraestrutura, um dos principais pilares do governo de Jair Bolsonaro, sobram dúvidas sobre a segurança jurídica do processo — o que acontece com uma obra quando a empreiteira perde a capacidade de execução?

Segundo Felipe Alves, sócio do Chenut Oliveira Santiago Advogados, especializado em direito público e licitações, se uma das empresas do consórcio falir, é possível que as outras sócias escolham uma substituta. Para cobrir um consórcio inteiro, porém, as opções são muito mais morosas e complicadas, como a relicitação. Para remediar esse problema, foi aprovado, em agosto, o Decreto no 9.957/2019, que regulamenta o procedimento para relicitação dos contratos de parceria nos setores rodoviário, ferroviário e aeroportuário no âmbito federal. Para estados e municípios, seria necessária a aprovação de leis locais.   

No Rio, há uma possível solução alternativa. A expectativa é que cerca de 700 milhões de reais recuperados pela Lava-Jato sejam usados para a obra da Estação Gávea se a Justiça autorizar o governo do estado a alocar recursos ali. Ainda assim, faltará verba para terminar a estação caso o orçamento aplicado seja o da concessionária Rio Barra. Procuradas, a Queiroz Galvão e o grupo Carioca Engenharia informaram que não vão comentar o assunto. Em nota, a Odebrecht afirma que “está disposta a encontrar uma solução técnica para a Estação Gávea, da Linha 4 do metrô”.

O prazo estimado para a finalização da obra são cerca de 36 meses. A solução do impasse se mostra ainda mais distante em razão da situação financeira das empreiteiras envolvidas no caso após os desdobramentos da Lava-Jato em suas operações. O grupo Odebrecht entrou com pedido de recuperação judicial em junho deste ano. Sua dívida total alcança 98 bilhões de reais. A Queiroz Galvão também enfrenta um processo de reestruturação de dívidas, calculadas em 10 bilhões de reais. A Carioca Engenharia continua tocando apenas as obras que já estavam na carteira, com poucos funcionários.

Solução chinesa?

Em meio às incertezas operacionais e jurídicas, EXAME apurou que quatro empreiteiras chinesas estão dispostas a concluir a obra da Gávea por um valor inferior ao orçado pela concessionária: poderia cair para algo em torno de 500 milhões de reais. De acordo com essas empresas, por enquanto não há riscos iminentes em relação ao buraco.

“Só se a retomada das obras demorar mais alguns anos”, afirma uma pessoa ligada à Top International Engineering Cooperation (Tiec), estatal chinesa que pretende oferecer um projeto de conclusão da Estação Gávea sem desembolso do governo. “Estamos conversando com pessoas ligadas ao estado do Rio para fazer, em breve, uma proposta oficial ao governador.” A Tiec também estaria disposta a assumir as obras da Linha 3, que ruma sentido Niterói, um projeto que por ora não existe oficialmente. Tudo, possivelmente, sem licitação.

Para Marcus Vinicius Macedo Pessanha, sócio do escritório de advocacia Nelson Wilians e especialista em infraestrutura, essa hipótese é delicada. O correto, segundo o advogado, seria fazer uma nova licitação. “A entrada dos chineses exige um esforço político grande. Demoraria anos para acontecer dentro dos trâmites da lei”, diz.

Para Pessanha, como a licitação inicial não foi feita em âmbito internacional, uma empresa estrangeira não pode entrar na obra. Para alguma das chinesas substituir o consórcio, o governo do Rio teria de realizar uma relicitação do contrato ou até uma expropriação. Entretanto, em qualquer uma das hipóteses, especialistas em direito público ouvidos por EXAME afirmam que o processo levaria a uma batalha judicial longa e geraria insegurança jurídica.

Rene Hasenclever, da associação de moradores: pressão pela conclusão da Estação Gávea | Felipe Fittipaldi

A expectativa é que a Justiça decida no final de setembro se o governo fluminense poderá desembolsar recursos para as obras da Estação Gávea. Enquanto isso, as empreiteiras aguardam a decisão. Do campus da PUC-Rio é possível enxergar de perto o imenso canteiro de obras da estação. Por lá circulam pelo menos 20 mil alunos, professores e funcionários. Em meio aos estudantes que passam apressados com seus smartphones, Rene Hasenclever relembra os tempos em que cursou economia na instituição. “Será que vamos ver essa obra concluída?”, diz. É uma pergunta importante não só para os moradores do Rio de Janeiro mas também para construtores interessados em assumir projetos neste complicado país chamado Brasil.

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