Luis Henrique Guimarães, CEO da Cosan: para o executivo, quem não aposta em diversidade está deixando dinheiro na mesa (Germano Lüders/Exame)
Daniel Salles
Publicado em 29 de julho de 2021 às 06h00.
Luis Henrique Guimarães não sabe o que é comandar sem a pandemia como pano de fundo. Ele assumiu o cargo de CEO da Cosan — empresa brasileira com negócios nas áreas de açúcar, álcool, energia, lubrificantes e logística — em março do ano passado. Com a experiência de quem exerceu o mesmo posto em duas empresas da holding — Comgás e Raízen —, o executivo tem se desdobrado entre os desafios impostos pelo novo coronavírus e as transformações trazidas pelo advento do ESG, a sigla em inglês que resume boas práticas ambientais, sociais e de governança. “A grande mudança no universo corporativo é a necessidade de transparência”, afirma. Na entrevista a seguir, Guimarães explica por que a novidade é positiva e o motivo pelo qual considera a diversidade um bom negócio.
Quão diversa é a Cosan hoje em dia?
A Cosan, sendo bastante transparente, é menos diversa do que gostaríamos. Ponto. Não vou dourar a pílula. Não apostamos na diversidade em razão do ESG ou em função das conversas na sociedade sobre o tema. Apostamos porque é um bom negócio. Hoje em dia, por exemplo, mais de 50% dos formados nas melhores universidades do Brasil são mulheres. Por que abriríamos mão dessa maioria em nossas empresas?
Mas por que é bom negócio?
Ter um espelho de meus clientes do lado de cá é vantajoso. Uma de nossas empresas, por exemplo, atua no varejo de combustíveis e mais da metade de sua clientela é feminina. Se houvesse só homens na gestão você acha que alguém se preocuparia com a maneira como os frentistas se comportam? Alguém se preocuparia em criar uma forma de pagamento que dispensa as mulheres de descer do carro? Pontos de vista diferentes favorecem perguntas novas e decisões melhores, menos arriscadas. Por isso, minha pergunta é outra: por que a diversidade não seria um bom negócio? E por que essa visão demorou a prevalecer? Eu diria que por paradigmas que não são verdadeiros.
Na Argentina, por exemplo, temos uma operação cuja equipe responsável pelo atendimento aos postos de combustíveis é formada somente por mulheres. Antes dizia-se: “Os gerentes precisam sair para beber com os clientes, como vai deixar uma mulher fazer isso?”. Partia-se do pressuposto de que a diferença não seria respeitada. Mas as pessoas têm maturidade e conseguem conviver com o diferente, somente é preciso criar as condições para que isso aconteça.
Em que aspectos falta melhorar?
Nosso grande desafio é aumentar a diversidade na faixa dos gerentes médios aos superiores. Observando só os programas de estágio, de trainee ou mesmo a base, quase não há desafio. Às vezes até é preciso tomar cuidado para não criar um desequilíbrio contrário. Mas o que nos move sempre é o respeito à diferença. Tome como exemplo a gravidez. Até alguns anos atrás não sabíamos lidar com esse tema ou com a questão da amamentação. Criamos soluções básicas, como salas só para isso, assim como licença-paternidade. Aqui somos bem simples e pragmáticos. O importante é criar um ambiente em que as diferenças possam ser ouvidas e obtenham resultados.
Para os consumidores da Cosan a diversidade do quadro de funcionários importa?
Acho que os clientes, na maioria das vezes, estão mais preocupados com a qualidade dos produtos e dos serviços que recebem. O tipo de empresa com que se relacionam vem em segundo lugar. Mas em geral há diversidade por trás de produtos e serviços de sucesso. Sem ela a qualidade vai embora com o tempo, pois a companhia não está acompanhando a evolução da base de consumidores.
O advento do ESG mudou o papel dos CEOS?
A grande mudança no universo corporativo foi a necessidade de transparência, anterior ao ESG. Criou-se uma ponte entre o mundo interno e o externo. Não podemos mais fazer uma comunicação interna achando que a sociedade não vai ficar sabendo. Tudo vai vazar. E isso é muito positivo. Não existe mais aquela história de se fechar numa sala para tomar decisões. Tudo precisa ser explicado às claras. Se eu não promover alguém, serei obrigado a explicar o porquê. Se você fez algo errado, desde que aceitável, vai lá e corrige, sem problema nenhum. Porque a gente sempre vai errar. Mas com transparência, corrigindo rapidamente.
O home office acentua as desigualdade entre os colaboradores?
Palpita-se muito sobre esse tema, mas ainda há pouca experiência e ciência para embasar opiniões definitivas. O que posso dizer é que há prós e contras no home office, como em tudo na vida. Acredito que as empresas adotarão um modelo híbrido. O ser humano é gregário, todos nós gostamos de conviver, de compartilhar, de nos abraçar. Vamos achar o balanço correto levando em conta a diversidade de cada um. Eu prefiro muito mais estar no escritório a trabalhar de casa, embora adore a segunda opção para executar certas tarefas. Não conseguiria aderir 100% ao home office. Mas respeito quem pensa diferente. O importante é darmos condições para que os funcionários se mantenham em contato com a cultura da companhia, e sejam produtivos e felizes ao mesmo tempo.
O relatório de sustentabilidade da Cosan de 2020 informa que a razão matemática entre o salário-base para mulheres e homens é de 71%. Como reverter essa disparidade?
Não é uma média geral porque há pesos diferentes em cada nível salarial. Imagine que em uma companhia haja cinco diretores, todos homens, e cinco gerentes mulheres. Comparando os salários deles todos parecerá que elas ganham menos do que eles. O que é importante é que não haja diferenças no mesmo nível, e estamos muito tranquilos em relação a isso. As diferenças que existem têm a ver com diferenças de faixa. Não permitimos discriminação de nenhum tipo. Se notamos alguma discrepância, corrigimos. Somos perfeitos? Não. Mas já evoluímos bastante. E resolvemos divulgar dados como esse porque transparência é fundamental. Nos permite melhorar diariamente.
Entre os nove integrantes do conselho de administração da Cosan só há uma mulher, Ana Paula Pessoa, que foi a primeira eleita Ao cargo. Não é uma proporção injusta?
Temos uma mulher na Cosan, mas colocamos mulheres na Rumo [outra empresa do grupo] e em breve haverá surpresas no conselho da Raízen, que não posso adiantar. Na Compass temos uma pessoa negra… É uma jornada e primeiramente temos de nos preocupar com os skills que nos faltam. Um conselho precisa de alguém mais ligado à sustentabilidade, de alguém mais próximo à indústria. Mas as últimas indicações trazem mais diversidade, e é nisso que precisamos focar. A evolução precisa ser consistente.
Por que a Cosan sente falta de mais um “E”, de economia, na sigla ESG?
Porque essa sigla precisa fazer sentido economicamente. Os líderes de uma empresa são remunerados para garantir a perenidade dos negócios. Não estamos aqui para garantir o resultado de hoje ou do próximo trimestre, mas para fazer com que a Cosan esteja aqui nos próximos 100 anos. O lado econômico, portanto, sempre precisa fazer parte da equação. Não queremos fazer nada porque está na moda ou é bonitinho, mas porque melhora os resultados. ESG é um tremendo negócio, mas se for atrelado a retornos. E, novamente, diversidade é um bom negócio. Sendo puramente capitalista, quem não aposta nela está deixando dinheiro na mesa.
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