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Trump atrasou, mas não para agenda ESG

Desmonte sistemático nos EUA não impediu avanço de outras economias e do setor privado

Governador da Califórnia, Gavin Newsom: ele participou da COP30 em Belém, integrando delegação não oficial que manteve a agenda climática dos EUA (Leandro Fonseca/Exame)

Governador da Califórnia, Gavin Newsom: ele participou da COP30 em Belém, integrando delegação não oficial que manteve a agenda climática dos EUA (Leandro Fonseca/Exame)

Lia Rizzo
Lia Rizzo

Editora ESG

Publicado em 18 de dezembro de 2025 às 06h00.

Quando Donald Trump retornou à Casa Branca, em janeiro, trouxe consigo uma questão central para mercados, governos e empresas globais: até que ponto o negacionismo climático da maior economia do mundo poderia descarrilar a agenda ESG? Doze meses depois, a resposta revela-se mais complexa do que o alarme inicial sugeria.

Nos Estados Unidos, o desmonte foi sistemático e abrangente, como prometido na campanha presidencial. Além da saída formal do Acordo de Paris, -Washington cancelou 13 bilhões de dólares em projetos de energia renovável, eliminou subsídios para veículos elétricos, desmantelou a National Climate Assessment — principal relatório federal sobre impactos climáticos — e cortou programas de pesquisa em agências científicas como NOAA (oceanos e atmosfera) e Nasa (espacial). Os efeitos domésticos foram sentidos já no primeiro semestre do ano, quando os investimentos em renováveis despencaram 36%, segundo dados da Bloomberg New Energy -Finance, enquanto o setor de energia limpa perdeu 158.000 postos de trabalho.

A ausência de delegação oficial de alto escalão na COP30 selou a ruptura diplomática com compromissos climáticos globais e fez pairar um temor de efeito cascata: se os Estados Unidos, segundo maior emissor anual de gases do efeito estufa e maior emissor histórico, abandonassem a agenda, outros países seguiriam o exemplo.

O contágio, contudo, não se materializou na escala temida. O cenário que se desenhou foi de resistência em múltiplas frentes. Nos próprios Estados Unidos, regiões como Califórnia e Nova York mantiveram mercados de carbono próprios. E o time de representantes americanos foi um dos maiores na COP de Belém.

Especialistas afirmam que a explicação para essa resiliência reside em um aspecto estrutural da governança climática americana. “Grande parte das canetadas das emissões não estão nas mãos de Trump, mas nas de outros agentes. O que não resolve o problema, mas ameniza”, observa Guarany Osório, coordenador do Programa Política e Economia Ambiental do Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV.

De acordo com Osório, Trump não para, embora atrase a agenda. “E há uma diferença fundamental entre esses dois contextos. O transatlântico não muda a rota, mas está com um revés de velocidade”, completa.

Globalmente, outras economias aceleraram. A União Europeia reafirmou o Green Deal — pacto ecológico que prevê neutralidade carbônica do continente até 2050 —, ainda que ajustando o ritmo de implementação. Regulações como a antidesmatamento (EUDR) e diretivas de due diligence corporativa foram adiadas, ilustrando a mudança de abordagem. Assim, a Comissão Europeia passou a avaliar políticas sustentáveis pelo critério de compatibilidade com o crescimento econômico, não apenas por ambição climática.

Maior emissor mundial, a China seguiu com a meta de zerar emissões líquidas até 2060, tendo lançado em 2024 padrões nacionais de divulgação ESG. O Japão comprometeu-se com uma redução de 73% nas emissões até 2040. E grandes economias emergentes, como Brasil e Índia, prometem neutralidade até 2050 e 2070, respectivamente.

Por trás desses compromissos, outra dinâmica mais profunda se consolidou: a materialidade econômica se converteu em motor independente de decisões governamentais. “Nunca estivemos tão servidos com ferramentas, conhecimentos e sistemas para lidar com esse trabalho”, afirma Osório. “Cresceu exponencialmente a clareza sobre a materialidade da agenda climática. Empresas e mercados já operam com essa realidade do custo da mudança do clima.”

E avanços tecnológicos reforçam essa lógica. Conforme levantamento da Universidade Oxford, custos de energia solar caíram 88% desde 2009, enquanto baterias reduziram 97% em três décadas. E, a cada duplicação da capacidade instalada, os preços caem 20%, seguindo um padrão de aprendizado industrial independente de incentivos públicos.

“É preciso lembrar também que estamos falando de um governo de quatro anos. Enquanto, em seu planejamento, as corporações estão sempre olhando mais para a frente”, pondera o especialista da FGV. “O risco climático bate no CNPJ e no CPF. Não há como terceirizar para um player, é uma agenda multiator”, complementa.

A conclusão, portanto, é pragmática. Companhias multinacionais integram riscos climáticos em decisões operacionais e financeiras por necessidade fiduciária, não apenas por compliance regulatório, planejando horizontes que transcendem mandatos presidenciais de qualquer país, mesmo da maior economia do planeta. E a agenda ESG segue autônoma o suficiente para sobreviver à hostilidade de Washington.

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